O jeito escravagista
Às vezes, carregamos uma culpa que nem é tão nossa…
Explico: no Dia da Consciência Negra, fico muito abalado que sou branco e pela barbaridade que esse meu grupo de pessoas tem cometido às pessoas de pele menos clara. Isso através dos tempos…
Amo lembrar do meu sogro, Reverendo Uriel, que usava uma expressão que virou lema em nossa instituição: PARA MIM, O MAIS IMPORTANTE É O SER HUMANO!
Sim, ele descendia do grupo discriminado, principalmente por causa de sua cor exterior.
O problema é que esquecemos do que é o principal: o interior, o jeito de pensar, de amar, de sentir, de respeitar, de se sentir ferido, de sentir preso, incapaz de realizar o que está dentro de nós mesmos.
Por quê?
Por causa dos olhos bitolados, ou de conceitos falsos propagados – e que cada descendente leva dentro de sua bagagem hereditária.
Meu pai, por sua vez, nunca conseguiu crescer na vida – do ponto de vista econômico, financeiro. Ele trabalhava, trabalhava – tinha habilidades admiráveis, algumas de artista – mas um coração “mole”, isto é, não conseguia ver alguém ao redor com necessidade. Imediatamente qualquer propósito ou plano de economia que tinha feito vinha água abaixo. Ele compartilhava tudo, desde os segredos profissionais até o pão e o arroz-e-feijão lá de casa. Pra ele – apesar de ter a pele clara – não era importante QUEM estava com necessidade: creio que ele entendeu o que a Bíblia diz – Dai e dar-se-vos-á!
Minha mãe – idem. Claro, havia os momentos quando “certas” coisas faltavam lá em casa, mas, com jeito e esforço, também se resolvia aqueles problemas familiares. Nunca, porém, passamos fome: os pais, meus três irmãos, e eu. Até perto dos seus 100 anos ele saia toda manhã “para trabalhar”, e fazia algo útil, e que às vezes até vendia – isso se não tivesse ninguém que viesse e pedisse o objeto.
Sim, o importante é o ser humano, e a educação – com certeza – merece o grande destaque, pois a pobreza tem algumas irmãs, entre elas, o analfabetismo, e a falta de uma formação prática, uma aquisição ou desenvolvimento de uma habilidade que pode ficar conosco o resto da vida.
Entretanto, o “jeito escravagista” não saiu de cena mesmo que o teatro da escravatura já foi extinto. Por incrível que pareça, há gente distinta em nossos meios – seja nas igrejas, nos clubes, nas lojas, nos setores de trabalho em geral, mesmo na chácara, na fazendinha, ou fazenda – e, sim, nas nossas casas, nos nossos lares, onde esse JEITO que escraviza está presente e ai daquele ou daquela que depende de carteira assinada, ou do dinheiro no final do dia, ou da semana, ou do mês.
Cada um de nós precisa lembrar sempre que o outro – ou a outra – é igualzinho a nós por dentro: eu sofro quanto me falam agitada ou rudemente – ela ou ele também. A história do “pelo duro”, ou “grosso” é uma mentira que quem tem a caneta (antigamente era o chicote) não quer que seja desmascarada.
Lembro de nossa amiga E., que nos ajudou a criar os três filhos (além dos três dela), e que depois foi junto com nossa filha quando casou, e se tornou conselheira e fiel amiga dela até o fim. Sim, nós todos gostávamos muito dela – ela era parte da família, seus filhos também! Não esqueço o presente que ela me deu certo dia: um par de sapatos!!!
Jesus disse a Nicodemos (uma pessoa boa da elite de Jerusalém):
– É necessário que você nasça de novo!
– Como assim, Jesus. Estou velho, não posso voltar ao útero de minha mãe.
– Nicodemos, esse nascer de novo não é do jeito que você está pensando. Se isso fosse possível, não adiantaria NADA! Você precisa nascer NÃO de sua mãe e pai terrenos, mas do seu PAI CELESTIAL, do Espírito. Você precisa pegar o JEITO DELE!
Para concluir meu pensamento de hoje:
O jeito escravagista pertence a uma vida velha, que não traz nada. Mas respeitar a CADA SER HUMANO – em qualquer situação, seja em casa, na rua, na corte, na Delegacia, etc. e etc. – isso é algo que só quem JOGA FORA seus conceitos herdados (de seus grupos de cor da pele ou quaisquer outros grupos que nos elitizam) pode ter.
De onde vem essa ideia que às vezes os filhos do “patrão” ou “patroa” têm que as pessoas que trabalham “para nós” são uma espécie de propriedade, que podem usadas e abusadas a seu bel-prazer?
Ou exigir comida assim e assada, na mesa, na hora certa, e sem um defeito qualquer! E ai de quem se descuida – quanto palavrório inútil, que – quer saibamos ou não – fica registrado em nossa “conta”! E no trabalho, por que isso – por que um tratamento desumano?
Assim, vamos amar, respeitar, zelar pelos nossos irmãos que estão ao nosso redor.
Que nada semelhante ao que aconteceu há pouco em Israel aconteça aqui – quando o outro num ato violento – não respeitou a ninguém, nem idoso, nem criança, nem mãe, nem doente, ninguém.
O importante é o ser humano. Sejamos menos ‘valentes’, sejamos mais “crianças”, e cuidemos de nosso próximo, como cuidamos de nós mesmos.
Quando Jesus governa em nós, nossas máscaras caem. Vemos, então, a gentileza e a bondade que emanam de Jesus, e que não têm comparação.
Rev. Rudi Augusto Krüger – Diretor, Faculdade Uriel de Almeida Leitão; Coordenador, Capelanias da Rede de Ensino Doctum – UniDoctum; E-mail: [email protected]