UBAPORANGA- Na zona rural de Ubaporanga, muitos são os relatos de que índios teriam habitado o local. A própria história do município dá conta de que Ubaporanga foi fundada no ano de 1890, por Domingos Gonçalves de Carvalho, que chegou com uma caravana e sua família à procura de um local propício para se instalarem. Consta-se que aqui habitavam índios, já pacíficos que não ofereceram resistência à chegada de Domingos, nas terras já habitadas.
Neste 19 de abril, Dia do Índio, o DIÁRIO esteve no Córrego dos Florentinos para conhecer um pouco mais sobre esse resgate cultural realizado no local. A reportagem esteve na Oca Tokmã Kahap, um projeto de valorização da cultura indígena e visitou uma propriedade em que foi descoberta uma urna funerária indígena de mais de 200 anos.
A URNA
Foi no ano de 2016 que o DIÁRIO DE CARATINGA esteve pela primeira vez na propriedade de Moacir Rodrigues, 77 anos. Após uma escavação, um trabalhador encontrou um grande vaso no local que, posteriormente, veio a se confirmar ser uma urna de origem indígena.
Seis anos depois, Moacir se orgulha do objeto encontrado, que ganhou um espaço especial em sua casa, devidamente guardado e com uma placa indicativa. O local recebe diversas pessoas que desejam conhecer a urna.
Conforme Moacir, era comum as informações de que indígenas teriam habitado o local. “Os meus antepassados aqui sempre falavam que encontravam de vez em quando algum vestígio, mas, naquela época, muitos anos atrás, eles não deram muita importância, porque no decorrer do tempo fomos cientificando dos fatos. Há uns 30, 40 anos ou mais já encontrávamos por ali a fora, na matinha e a gente desconfiava que era dos índios. Algumas peças a gente deixava por lá mesmo, não tinha a ideia de que poderia ser tão importante, trazia algum para casa, dava aquilo pra alguém guardar ou deixava lá mesmo”.
Mas, em 2016 foi diferente, quando eles encontraram uma peça praticamente intacta. “Meu sobrinho que foi ver alguma coisa, sempre trabalhava por lá, sabia que eu gostava de procurar essas coisas. Então, no trator abrir a estrada, mostrou um pouco da parte da peça, ele me chamou. Por curiosidade comecei a fazer a escavação, fui vendo, quando deparei que ela tinha crescido um pouco a distância, falei, vou deixar e no outro dia tirei mais um pouco, até chegar ao final”.
Após ter encontrado a peça, Moacir recebeu a visita de profissionais especializados que confirmaram que, de fato, ele havia encontrado uma relíquia indígena. “As pessoas que vieram aqui tinham conhecimento e falavam que é reconhecido. Não podia ser alguém que habitou aqui e deixou a não ser uma tribo indígena. Acredito que seja da própria terra existente ali, é um material resistente, certamente foi queimada a terra”.
Desde então, a propriedade de Moacir tem atraído muitas pessoas interessadas neste resgate cultural. “Se for lá até hoje pode encontrar um pedacinho pequeno e continua encontrando. Diversos lugares aqui as pessoas falam que estavam trabalhando e encontraram peças, mas, a maior foi essa. Eles me aconselharam que não deixasse dentro de casa, então, improvisei esse local que fica fácil para as pessoas. Elas gostam de olhar e visitar, vamos conservando, pessoal das universidades de Viçosa e Valadares já vieram”.
Para Moacir, ao redor há muitas características de que o local foi habitado por índios. “Posso até eu mesmo ser algum descendente porque toda vida morei aqui. Outra admiração que tenho aqui é esse terreno aqui, descendo ali embaixo é fácil ver, ali tem uma abertura numa pedra que desce uma vala alta, olhando assim dá para pensar que isso aqui já foi tudo cheio de água. Aquilo ali era fechado, igual a uma represa muito grande. Com espaço de tempo abriu aquela cratera, foi descendo e destampou. Dá para gente pensar que eles habitavam por aqui, usavam da lagoa para pescar. Naquele canto, lá em cima, observamos umas terras numa escavação que a gente não sabe o que era, muito tempo já aterrou também. A gente sempre observava isso ali”.
OCA E ELEMENTOS INDÍGENAS
Próximo dali, também está instalada a Oca Tokmã Kahap, de propriedade de Odair Puri e Eliana Pataxó. Maria José Alves do Nascimento, a “Yamoni” faz parte do movimento cultural e destaca sua história. “A nossa história indígena é ancestral. Nossos avós eram indígenas. Embora nós nunca tenhamos vivido especificamente em uma aldeia, nós nos consideramos indígenas. Desde 2011 fazemos parte da Aldeia Nova Coroa Pataxó, em Cabrália. O Odair Puri e Eliana Pataxó, que são donos aqui desse espaço e não puderam estar conosco nesse momento, buscam a todo instante esse resgate dessa nossa cultura”.
A respeito do 19 de abril, ela relembra a origem da data e a necessidade de buscar a valorização desse povo. “Na verdade, o Dia do Índio é todos os dias. E essa data foi a que os índios foram exterminados, então, é triste, mas, procuramos trazer alegria, força, coragem, para continuarmos nossa luta, nossa vida e honrando nossos ancestrais, nossos parentes que passaram por aqui. É honrar e lembrar deles com amor, apesar de todo sofrimento que eles passaram, muitos viveram aqui na região. Sabemos que muitos foram exterminados e expulsos das terras, para dar lugar ao homem branco, infelizmente”.
Para Maria José, ainda falta reconhecimento para o que a população indígena representou na história do País. “Tem muitas etnias no Brasil, muitas são reconhecidas e algumas ainda não são reconhecidas. Também trabalhamos em prol disso, sabendo que aqui no Brasil tinha cinco milhões de índios, o Brasil não foi descoberto, mas, invadido e nossos parentes foram exterminados. São muitos desafios dentro desse reconhecimento. É como se os índios não fossem gente. Então, é essa busca da nossa ancestralidade, que é negro e indígena, que tem essa dificuldade ainda de ser reconhecido”.
Como forma de valorização no Córrego dos Florentinos, foi instalada a oca, bem como são realizados encontros seguindo a cultura indígena. “Essa oca é uma inspiração lá da Oca Nova Coroa Pataxó e, também, revelação, como se fosse um pedido dos nossos ancestrais de que eles fossem honrados aqui nesse espaço. Na cultura indígena aprendemos que somos um, então, todos temos em nós os animais, as plantas, os seres de luz, todos os elementos da natureza fazem parte de nós. Temos objetos feitos por etnias diferentes, tem Nossa Senhora de Guadalupe, que é a protetora indígena, aqui o Pai e a Mãe da Mata que são uma espiritualidade indígena, que são honrados da mesma forma que honramos vários seres que consideramos de luz”.
Maria José finaliza deixando uma mensagem para que as pessoas procurem respeitar e conhecer a história indígena. “Quando começamos olhar para trás, se conversa com as pessoas, a maioria fala “minha vó foi pega a laço”, “minha bisavó”. Então, todos nós, na verdade, a maioria de nós brasileiros, temos os traços indígenas. Mas, o que sabemos é que as pessoas preferiram ou preferem ainda não falar que é índio, por causa do sofrimento que foi causado a eles, mesmo lá na aldeia, observamos isso. A dificuldade que é hoje ainda para eles arrumarem emprego, participarem da vida da sociedade. Então, muitos deles ignoram a sua etnia pela discriminação da sociedade. Que respeitem, honrem e procurem estudar sua história, que é bonita. Não vamos mudar o que já foi, podemos mudar do agora em diante, mas, nossa história já está escrita e não temos como mudar. É o livro da vida”.