Ildecir A.Lessa
Advogado
Quando do julgamento da Ação Penal nº 470, pelo Supremo Tribunal Federal, nomeada pela mídia como o “caso do mensalão” recolocou em evidência o crescente papel desempenhado pelo Judiciário, no funcionamento da democracia brasileira. Prova positiva da racionalização e independência dos poderes, o caso atiçou setores da opinião pública elevando, na maioria das vezes, os ministros do Supremo Tribunal Federal ao posto de “heróis”. Ainda que tal avaliação, naquele momento, comporte perigos inescapáveis, o fato fez repensar o papel do Direito e seus operadores no mundo contemporâneo, com especial atenção para sua influência política em determinadas questões.
Agora no emblemático julgamento de caso que envolve a Lava Jato, o presidente do STF Dias Toffoli, pretende criar um marco legal que dificulte a apresentação de recursos às instâncias superiores e quer padronizar a ação de magistrados, uma espécie de efeito limitador para o abalo da estrutura da Lava Jato. Presença crescente nos noticiários, o STF tem se manifestado sobre questões centrais para a sociedade brasileira, criando um cenário desafiador: quais seriam os desdobramentos, no plano político, desta atuação? Quais seriam, por outro lado, os elementos que embasam as decisões tomadas pelo Judiciário? Considerando que, o Supremo Tribunal Federal julga tudo e, seus ministros já estão parecendo os legisladores do Brasil, tudo indica que, estamos diante de um grande crise do STF.
A “crise” do Supremo Tribunal Federal não é um fenômeno recente. Como afirma o prof. Alfredo Buzaid, seus primeiros sintomas se manifestam ainda no começo da década de 30, quando o Decreto n.o 20.669, de 23 de novembro de 1931, determinava ao Supremo Tribunal Federal a realização de quatro sessões semanais de julgamento enquanto não esgotasse a pauta de processos conclusos (Buzaid, 1972:145). Segundo o ex-Ministro Moreira Alves, o tema começou a ser aflorado ainda em 1926, por Herculano de Freitas, “quando não iam muito distantes os dias em que um dos mais ilustres dos juízes da Corte Epitácio Pessoa – julgará, durante todo o período em que nela pontificará, menos de noventa processos, sem que jamais se lhe assacasse a injuria de desidioso” (Moreira Alves, 1982:42).
Há mais de oitenta anos, portanto, começava a dar sinais de vida o desequilíbrio entre o número de processos distribuídos e o de processos julgados pelo Supremo Tribunal Federal, que se denominou “crise”. Essa “crise” se inicia com mais vigor em artigo do Ministro Filadelfo Azevedo publicado em 1943, onde alertava para a “eternização” das demandas e para a instabilidade social decorrente do acumulo de processos na Corte Suprema. Na mesma oportunidade, criticava o hábito pelo qual “todo mundo pretende trazer seu casinho (sic) ao Supremo por menos interesse social que possa envolver” (Azevedo, 1943:8). O referido Pretório, na visão de Carlos Maximiliano, teria também sua cota de culpa, ao ampliar sua competência para além do expresso na Constituição, transformando-se paulatinamente em uma terceira instância (apud Maciel, 2000:270). De qualquer sorte, as informações divulgadas pelas estatísticas do Judiciário, apontam, ao lado do aumento crescente no número de processos recebidos, a expansão quantitativa dos julgamentos, existindo anos “deficitários”, nos quais o acumulo de processos foi recrudescido, mas também anos “superavitários”, nos quais se conseguiu atenuar os efeitos da “crise”. A “crise”, intuitivamente, conduz a mecanismos que limitam o ingresso de processos na Corte Suprema, como, a menor tolerância as falhas na interposição de recursos. A influência do acumulo de processos é nítida, chegando a ser expressamente invocada como razão de decidir. Nesta época em que se discute a reformulação do controle de constitucionalidade, com vistas a reforma da previdência, a reforma tributária, chegando atrás, as questões envolvendo a Lava Jato, pessoas morrendo se ver seus direitos apreciados pela Suprema Corte, não se pode olvidar os reclamos da sociedade, que não tolera a morosidade decorrente do acumulo de processos. O Supremo Tribunal Federal precisa, urgentemente, de sair dessa crise crônica que arrasta a mais alta Corte do País, para o caos.
Obs.: Este colunista tem seus artigos publicados aos domingos, excepcionalmente este texto é publicado na edição de hoje.