Por Paula Lanes e Nohemy Peixoto
CARATINGA – Na década de 80, o Brasil foi invadido por um movimento que atraiu e ainda atrai milhares de pessoas para as igrejas, sendo mais focado nas evangélicas, trata-se da ‘Teologia da Prosperidade’.
Este movimento teve como pioneiro o pastor Essek M. Kenyon (1867-1948) e maior divulgador, Kenneth Hagin (1917-2003). A teologia da prosperidade busca a interpretação de uma série de textos bíblicos para fazer com que os fiéis entendam que Deus tem saúde e bênçãos materiais para entregar ao seu povo. Hoje alguns consideram um dos maiores ícones deste segmento é o pastor Silas Malafaia.
Segundo fontes do mercado, as igrejas injetam mais de R$ 1 bilhão por ano nas emissoras de TV, garantindo pelo menos 12 horas diárias de exibição em suas grades de programação. Nestes programas religiosos são sempre apresentadas pessoas relatando suas experiências de vidas. Elas contam que passaram a doar e assim, receberam muito mais. Ainda, as chamadas “doações” ou “ofertas” estão presentes em diversas celebrações e tem se modernizado. Em um evento que aconteceu em Caratinga recentemente, foram aceitas ofertas através de cartões de crédito e cheques.
Outro exemplo clássico se deu na inauguração do Templo de Salomão. A denominação do bispo Edir Macedo comercializou as pedras importadas de Hebrom, em Israel, que sobraram da obra de construção. Fiéis pagaram até R$ 100 por um pedaço com o nome da igreja gravado. E também, a todo o momento, há testemunho da venda de materiais, como martelos, toalhas e óleos ungidos, por meio de ofertas nas igrejas.
Ao longo da semana o DIÁRIO DE CARATINGA recebeu diversos contatos de leitores, questionando sobre a Teologia da Prosperidade. A Reportagem entrevistou um pastor e um padre, a fim de demonstrar suas opiniões sobre o tema. As perguntas foram respondidas pelo pastor Claudecir Gomes de Souza Júnior, da Igreja Batista Filadélfia; e pelo padre Dione José Vieira Leandro, vigário da Paróquia de São Manoel, em Mutum.
Afinal, qual o evangelho que está sendo pregado? Qual se deve pregar? Será que estamos nos encaminhando para um mercado dentro das igrejas? O evangelho de João, capítulo 2, versículo de 14-16 traz uma reflexão: “No pátio do templo viu alguns vendendo bois, ovelhas e pombas, e outros assentados diante de mesas, trocando dinheiro. Então ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas mesas. Aos que vendiam pombas disse: ‘Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu Pai um mercado!’”.
PADRE DIONE JOSÉ VIEIRA LEANDRO
O senhor acha certo criar um patrimônio usando o evangelho através de músicas ou pregações?
Todo trabalhador tem direito ao seu próprio salário visando à manutenção de suas necessidades. Contudo, é importante que não haja exploração do sentimento religioso das pessoas, visando o lucro pessoal, como tem acontecido atualmente na sociedade. É claro que todos que se dedicam ao anúncio do Reino de Deus têm que ser os primeiros a vivenciar o que pede o Evangelho: uma simplicidade de vida para se fazer servo de toda uma humanidade como o próprio Cristo se fez. Ninguém pode ou tem o direito de se fazer maior que o mestre que é Jesus Cristo, Ele que, sendo rico, se fez pobre para nos salvar, esvaziando-se de sua condição divina se fez um de nós (Fl 2, 6-8).
Essa “venda” da prosperidade na terra não se parece com a venda de indulgência da Igreja Católica no passado?
Na verdade não. A venda de indulgências consistia no perdão dos pecados fora dos sacramentos, total ou parcial, a remissão é concedida pela Igreja Católica no exercício do poder das chaves, por meio da aplicação dos superabundantes méritos de Cristo. Em um certo período da Igreja, estas indulgências passaram a ser vendidas por valores monetários, hoje a Igreja concede a Indulgência em determinado momentos fortes na vida das comunidades, como por exemplo nos jubileus e anos Santos, como é o caso do próximo ano (2016) que celebraremos o Jubileu da Misericórdia anunciado pelo santo padre o papa Francisco. A venda da prosperidade terrena nada tem haver com a remissão dos pecados, mas sim com a aquisição de bens aqui na terra. Teoricamente, Deus abençoa os seus com bens terrenos, mas se pegamos a palavra de Deus ele mesmo é quem nos fala por meio de Jesus: preocupai-vos não por juntar tesouros na terra onde a traça corrói, mas ajuntai tesouros no céu (Mt 6, 19-20). Portanto, a “venda” ou promessa de “prosperidade” terrena nada tem em comum com a venda das Indulgências que já existiram na vida da Igreja, mas muito mais com a proposta reformista de João Calvino, na Suíça do século XVI, quando se pregou o acúmulo de riquezas como um dos sinais visíveis da salvação.
O que o senhor acha de se pedir ofertas por meio de cheque ou cartão de crédito?
Em nome de uma modernidade e atualização, muitas pessoas e instituições já implantaram este tipo de opção para doações em suas igrejas. Particularmente, penso que devemos usar de todos os meios para evangelizarmos, mas a exploração das pessoas não é evangelização. Todos os meios que temos são sadios e depende unicamente do bom uso que fazemos deles. Se bem conscientizados de que o que doamos no templo de Deus é para ser usado nas obras de evangelização, não vejo problema na utilização destes recursos, mas acredito que quando usamos estes meios ainda não estamos totalmente conscientes de que o reino de Deus não é um comércio. Parece que estamos num Shopping religioso: vou, compro minha bênção e volto para casa com a consciência tranquila. Acredito que ainda temos muito que avançar neste sentido, pois o que está em jogo não são apenas os meios que utilizamos, mas a consciência que temos do nosso dízimo, quando devolvemos a Deus um pouco do que ele nos dá como forma de gratidão.
O que o senhor entende quando a Bíblia diz que no fim dos tempos haveria falsos profetas?
Os falsos profetas existem e isso é fato! Nós não podemos negar! Agora falar de fim dos tempos não cabe a nós. A própria Palavra de Deus diz que não cabe a nós sabermos os tempos e os desígnios de Deus (At 11,7). Mas devemos estar atentos para não cairmos em ciladas que nos são armadas por homens aproveitadores que usam da índole religiosa do povo para tirar vantagem em seu próprio favor, estas pessoas são manipuladoras da Escritura Sagrada, por isso devemos colocar nossa confiança no Senhor que fez tudo o que existe e nos acompanha ao longo da vida. Seguirmos a Cristo é colocar nas mãos dele tudo que temos e somos, mas não nos deixarmos levar por falsas doutrinas. Quando lemos atentamente as cartas de Paulo percebemos que já naquele tempo havia pessoas pregando um Evangelho diferente do que Paulo havia anunciado, esta é a missão do profeta: fazer com que o anúncio da Boa Nova do Reino seja fiel aos ensinamentos deixados por Deus e que chegou até os nossos dias graças a Tradição da Igreja que ao longo dos séculos transmite a Palavra de Deus através das Escrituras e da tradição oral.
Na Bíblia existe algum relato de alguém que tenha cobrado para pregar o evangelho?
Não. O próprio apóstolo Paulo que se dedicou tanto ao anúncio da Palavra de Deus sendo responsável pela expansão do cristianismo graças às diversas viagens que fazia. Por onde passava, procurava uma forma de se sustentar para não ser pesado à ninguém a sua estada entre os recém convertidos ao cristianismo (2Tes 3,8). O que temos relatado no livro dos Atos dos Apóstolos é a forma de viver da comunidade, na qual não havia necessitados entre eles, pois todos colocavam seus bens em comum (At 4, 34-35). Outro momento narrado era o das pessoas que ajudavam na manutenção financeira dos apóstolos, mas não temos relatos de que estas pessoas cobravam para anunciar o evangelho que inclusive Paulo considerava como Graça de Deus poder ser um pregador da Palavra.
O senhor é a favor de cantores, seja do cenário evangélico ou católico, cobrarem por suas apresentações?
Para sua manutenção sim. O que não concordo é com o comércio religioso que se tem estabelecido atualmente. As grandes empresas de comunicação têm feito o uso dos cantores “gospel” para fazerem patrimônio próprio. Os eventos religiosos têm despesas bem como as gravações de CDs, DVDs ou BluRays. Mas em nome disso não podemos criar um meio de lucro fácil. É necessário que estes cantores e produtores de eventos criem alternativas para que os shows e as mercadorias, como CDs e outras mídias sejam de boa qualidade, não apenas física, mas de qualidade na mensagem que transmitem, possuindo uma verdadeira coerência teológica e pessoal, e sejam acessíveis ao povo cristão que tem o direito de escutar músicas de qualidade, ver bons DVDs, acompanhar bons shows e ler livros de qualidade, o que entendemos ser eficientes métodos de evangelização. Não somos contra o custeio de vida dos verdadeiros missionários que muito nos ajudam através da música, por exemplo. O que nos espanta são o mercenários, que exploram a fé alheia e constroem verdadeiros impérios para si, enquanto seus ouvintes permanecem carentes dos sinais do Reino de Deus.
PASTOR CLAUDECIR GOMES DE SOUZA JÚNIOR
O senhor acha certo criar um patrimônio vendendo o evangelho, através de músicas ou pregações?
Se acho certo ou não, a minha opinião, muito particular, não tem grande peso. Mas do ponto de vista bíblico que é a opinião que defendo, a Bíblia não nos ensina isso. Não nos ensina a vender o evangelho, o próprio Jesus fala de graça recebei, de graça dai. Nós vemos o exemplo do próprio Jesus que não teve bens ou posse, não sei se teve o mínimo, dormia na casa de outras pessoas, comia o que lhe ofereciam. Mas a nossa realidade é que foi desenvolvendo isso ao longo do tempo, a venda do evangelho já é algo que vem de muitos séculos, os próprios fariseus, diretamente não vendiam Deus, mas se consideravam melhores que outros, por supostamente compreenderem que tinham mais intimidade com Deus, isso dentro do povo judeu. O povo judeu em geral se considerava melhor do que o restante dos ímpios, porque foram escolhidos por Deus, há certo orgulho nisso tudo. Alguns têm feito do evangelho uma mensagem banal, daí você tem que criar artimanhas para vender aquela mensagem, se a pessoa não tem um bom conhecimento bíblico vai ter que inventar para atrair. Foi isso que Nadabe e Abiú fizeram conforme Levítico 10, quando levaram fogo estranho na presença de Deus, que deu uma função para Arão, pai deles, e só ele poderia fazer isso, mas eles queriam ganhar alguns méritos com isso, porque o sacerdote tinha direitos a algumas porções, então foram fazer isso, Deus os fulminou. Então Deus fala que não chorassem a morte deles, ou acabaria com o resto. Então isso já vem de muito tempo. O evangelho é simples, mas papagaiam o evangelho para vender um produto que não é verdadeiro, não é para ser vendido, para vender uma falsa esperança. Muitos não têm qualquer interesse em Deus, mas no benefício. Não interessa em que igreja seja, se eu der mil, recebo dois mil, não interessa em que igreja for. Às vezes só vemos o lado contrário, dos líderes evangélicos que se enriquecem enganando as pessoas, mas os “enganados”, tem o interesse por trás de ganhar algo. Existem pessoas que tem o coração sincero e desejam uma resposta de Deus, alguns até recebem isso, porque nossa fé não move o coração de Deus agindo a nosso favor. Deus sempre age em nosso favor. Normalmente esse tipo de igreja que pede muito dinheiro tem movimento de pessoas muito grande, sempre rotativo, não ficam lá por cinco anos consecutivos, por exemplo.
Essa venda de prosperidade na terra não se parece com a venda de indulgências da igreja católica no passado?
É bem parecido. Muitas práticas evangélicas são adaptações da Igreja Católica Apostólica Romana e muita coisa da Igreja Católica Romana é adaptação dos judeus. Partindo desse princípio, talvez sim. Mas as indulgências tinham muito a ver com a eternidade: ou você pagava para um parente seu ser liberto do purgatório e ir direto para o céu ou você pagava por sua salvação. Hoje a Teologia da Prosperidade nem se quer na eternidade pensa, tem que se beneficiar aqui, porque você fez algo por Deus, Ele tem a obrigação de fazer algo por você. Tem uma teoria aí de um pastor de semeadura, que usa alguns versículos isolados para falar que se você plantar, vai semear, mas isso é normal, não precisa ser evangélico. Essa ideia de lei da semeadura é uma forma de forçar a barra para conseguir o dinheiro. Aí entra outro problema, a Teologia da Prosperidade é um pré-anúncio da idolatria, porque quem tem amor ao dinheiro é idólatra. Há muitos cristãos e pastores que são idólatras ao dinheiro, envolvendo fortunas. Essa teologia veio tentar assassinar o evangelho bíblico que aponta para eternidade. O apóstolo Paulo fala assim: “Não vos embriagueis com vinho, mas enchei-vos do espírito”. A questão do vinho não tem a ver apenas com a bebida alcoólica, o que Paulo quer dizer é “não vos encham com as coisas desta terra, com o que dá prazer aqui, mas com o que dá prazer na eternidade”. E o dinheiro produz prazer, mas é carnal, um prazer egoísta.
O que o senhor acha de se pedir ofertas com cheques ou cartão de crédito?
Eu já tinha ouvido falar nisso. Algumas igrejas já usam no dizimo a máquina de cartão de crédito. Mas temos que entrar num contexto. Por exemplo, na grande São Paulo, em algumas igrejas, uma pessoa que ganha dez mil, não anda com mil reais no bolso pra dar o dízimo, por conta da questão de segurança. Nós às vezes queremos usar os benefícios da tecnologia para o que a gente acha correto. Agora por vezes a gente não entende alguns princípios. Vai-se num evento público que não é dentro de uma igreja, ao ar livre, mas existe esta possibilidade em várias formas de pagamento, sendo algo aberto, acho interessante uma explicação exaustiva do que está acontecendo. Princípios práticos dentro de cada igreja são difíceis de julgar, porque é a prática de cada um, a mesma coisa de não poder usar calça de jeans em determinada igreja. Mas se a pessoa falar que está fazendo, porque é um princípio bíblico é fácil julgar, é só ler a bíblia. Essa prática de recolher ofertas por diferentes meios é difícil de julgar. Mas quando é em aberto, fora da nossa casa, é preciso ter cuidado, porque muitas conclusões podem ser tiradas.
O que o senhor entende quando a Bíblia diz que no fim dos tempos haveria falsos profetas?
A Bíblia fala desses falsos profetas, o próprio Jesus fala. Paulo escrevendo para Timóteo disse que chegariam dias em que as pessoas não conseguiriam ouvir a mensagem, mas prefeririam coisas que agradam aos ouvidos. O diretor do seminário que estudei em Portugal falava que no Brasil é muito fácil abrir uma igreja, você vai para a paria de Copacabana, joga uma toalha nas costas e diz para as pessoas te seguirem, que a partir de hoje será um guru delas e acha meia dúzia de pessoas para te seguir. Muitas pessoas pela falta de conhecimento bíblico vão engolindo tudo que é passado. Como às vezes a Bíblia não é suficiente para alimentar o povo, começam a criar um monte de historinha. Existem falsos profetas que tem a intenção de enganar, é intencional. E existem aqueles que não conhecem a palavra, não tiveram a oportunidade de estudar. A questão dos falsos profetas que tem se levantado hoje está muito ligada à Teologia da Prosperidade, normalmente tem vínculos financeiros. Mas Deus não está dormindo para nada disso, Ele sabe quem são essas pessoas. Em Sofonias, no capítulo 3 diz que “comem a carne das ovelhas e se quer deixam os ossos para roer durante o dia, porque estão completamente sedentos”. Para eles não tem padrão ético.
Na Bíblia existe algum relato de alguém que tenha cobrado para pregar o evangelho?
Não. Tem uma situação em que os apóstolos estão curando, então Simão, o ‘mago’, pede os apóstolos para ter esse poder de cura na vida dele, mas os apóstolos o exortam. Depois ele pede que peçam perdão a Deus por ele. Há então uma situação na Bíblia de uma pessoa querendo ter o poder de Deus, porque isso a atraía. Era um mago, mas os apóstolos chegaram com evangelho, curavam as pessoas, algo que ele não conseguia, porque era algo do Espírito Santo.
O senhor é favor do cantor gospel cobrar valores exorbitantes para se apresentarem?
Não sou a favor nem do cantor que cobra R$10 reais para se apresentar. Isso não é ministério, é profissão. É como se alguém me chamasse para pregar em um congresso e eu cobrasse 5 mil reais para uma mensagem e R$ sete mil por duas. Não tem lógica, Jesus não cobrou para pregar. Paulo correu a Ásia menor, a Europa e não cobrou para pregar. Ele escrevendo às igrejas diz que não foi peso para ninguém porque trabalhava e se sustentava, mas que quando precisou foi sustentado. Por isso ele diz que sabia tanto ter em abundância, quanto ter em escassez. Em Filipenses capítulo 4, disse que “posso todas as coisas Naquele que me fortalece”. Acho que pode cobrar, mas aí não é ministério, é profissão. Se o evangélico estipular um valor pra ir cantar, tem que dizer que é um profissional da música, isso tem que ser claro. Tem um cantor muito famoso que diz que nas igrejas não cobra, mas nunca tem agenda pra igreja. Para dar um de bonzinho, vai numa igreja pequena para mostrar na mídia que não cobrou. Agora quando falam que vão, a igreja precisa apenas dar uma oferta de R$ 5 mil; mas não é assim, a oferta tem que ser voluntária. Agora muitos perguntam como esses cantores ou pregadores vão se sustentar. Digo que trabalhem, tenham uma profissão, vão estudar, ser médico, advogado… Agora para ser como o apóstolo Paulo tem que saber viver tanto em abundância, como em escassez. Já alguém que venha em nossa igreja para compartilhar o que Deus tem feito através de sua vida, temos que honrar essas pessoa, podemos cobrir as despesas dela.