PATROCÍNIO – Mochila nas costas. Materiais devidamente comprados e organizados. À espera no ponto de ônibus para mais um dia de aula. Mas, quando o ônibus não vem?
Pais de alunos que estudam na Escola Estadual Sudário Alves Pereira, no distrito de Patrocínio, procuraram o DIÁRIO DE CARATINGA. Com a situação do transporte escolar na zona rural ainda indefinida, centenas de crianças estão perdendo as aulas, o que tem deixado preocupação em relação ao semestre letivo.
Atualmente, são 108 alunos sem ir à escola devido à falta de transporte. Quando todos os veículos param, esse número salta para 247. Têm salas de aula que estão recebendo apenas três alunos.
Segundo informações colhidas pela reportagem, o problema enfrentado neste distrito se assemelha a outras cinco escolas: alunos das escolas Mary Lucca Chagas, distrito de São João do Jacutinga; Maria Alves da Silveira, distrito de Santa Luzia; Professora Maria Fontes, distrito de Santa Luzia; Maria Júlia de Mattos, no distrito de Dom Modesto e Maurílio Senra, distrito de Dom Lara. Estas instituições já teriam inclusive mandado ofício conjunto ao Ministério Público de Caratinga.
Há casos de crianças que está há um mês sem ir às aulas. Ônibus e Kombi não têm data certa para passar e, segundo os pais de alunos, ficam até de 15 em 15 dias parados. Motoristas do transporte alegam que há pelo menos três meses não recebem. Ainda sem o salário, eles teriam voltado a trabalhar com a informação de que os postos de gasolina estariam à disposição para o abastecimento.
No entanto, os transtornos persistem e os pais decidiram se reunir ontem, em busca de traçar alternativas para que seus filhos voltem às salas de aula. Andreia Cristina, moradora do Córrego Volta Grande, tem duas filhas que cursam o 1° ano do Ensino Médio e 7° ano. Já se passou um mês entre idas e vindas à escola, dependendo do transporte. “É complicado porque já estão falando nas provas do semestre e faltando, como ter matéria? Estou com uma filha inscrita no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), perdendo matéria. Muito difícil. A gente cobra uma solução porque votamos, pagamos nossos impostos, é um direito da gente. Tem que resolver esse transporte de uma vez”.
Clóvis Augusto Pires, que também mora naquela localidade, demonstra a mesma preocupação. Ele teme que as duas filhas, que estudam no 9° e 5° anos, sejam ainda mais prejudicadas, com a perda do ano letivo. “O que está atrapalhando são essas paradas. A mais nova fica até desanimada de vir pra escola depois que para um tempo. Perde aquela sequência de estudo e quando retomam, juntam todo o tipo de matéria. Ficam perdidas. O problema é que se para agora, daqui a pouco começa a chuva e não tem como nem rodar. As estradas foram patroladas, mas não tem saibro nem nada. Torna-se um perigo. Espero que os poderes vejam o que se pode fazer para resolver esta questão”.
Valéria Cristina tem quatro filhos que cursam o pré-escolar, 5°, 6° e 8° anos. De casa até a escola são mais de 9 quilômetros. “Eles acostumam a vir, depois corta a gasolina, o pequenininho passa a não querer vir. Os outros também. Falei com eles, ‘vocês vão passar de ano sem saber’ porque o micro-ônibus não está passando por falta de combustível e isso vai prejudicá-los. Chega no final do ano vão passar eles sem saber de nada. Tem que tomar uma providência”.
A vida na zona rural não é nada fácil. São quilômetros de estrada de chão. O acesso dificultado e a distância são o principal empecilho para que os estudantes frequentem a escola sem o transporte. É o caso de Juliana Maria Alves Vieira, moradora Córrego Baixo. Seus dois filhos também não têm ido à aula. “Tenho um filho de nove anos, que é muito inteligente, mas fica prejudicado por perder as aulas. A outra está no pré e quando fica muitos dias sem ir à aula, já não quer mais, porque perdeu aquela amizade, autoestima, de estar junto com os coleguinhas. No meu córrego tinha uma escolinha, veio uma ordem que iriam acabar com as escolas rurais para juntar tudo no colégio em Patrocínio, porque teria melhores condições de aula, computador, muitas melhorias para os alunos. Acabou que ao invés de ser uma solução, acabou sendo um transtorno, porque hoje em dia nem lá perto da minha casa tem aula e nem na escola tem como as crianças virem”.
Juliana acrescenta que a família não tem condições de arcar com o transporte das crianças até a escola. “Não tem como o meu marido carregar as crianças, é perigoso trazer de moto e tem até fiscalização. Nós não temos condição de manter carro. Da minha casa até a escola são uns 12 km. Sou lavradora rural. Tem lei que não posso levar as minhas crianças pra roça. Trabalhei na roça quatro meses. Ia fazer o que com as minhas crianças? Não tinha aula. Tinha que levar pra roça. E será que na roça é lugar de criança? Lugar de criança é na escola. E cadê o nosso transporte? Cadê a solução? Os motoristas também têm familiares, eles gastam em torno de dois mil reais por mês, só para manter os carros nas estradas. E a família deles, onde fica?”.