NADANDO NAS ÁGUAS DA SUPERAÇÃO

Carlão celebra conquistas no paradesporto (Foto: Arquivo Pessoal)

DA REDAÇÃO- O paratleta Carlos Eugênio Bastos Ramos, o Carlão, nasceu em 1968, em Caratinga, na Rua Coronel Galdino Pires (Morro Caratinga). Aos 53 anos de idade, ele marca seu nome no esporte na modalidade inclusiva.

Ele deixou Caratinga em 1993, aos 25 anos, para morar em Piúma, no Espírito Santo. Em 2008 foi morar em Santa Catarina, onde ainda reside. Carlão vem colecionando medalhas e resultados importantes nas competições, desde que teve as duas pernas amputadas. Ele é exemplo de superação.

Carlão se declara caratinguense com orgulho. Em 1985, sofreu um acidente de moto em Piúma, onde teve que amputar a perna direita. “Vida seguiu, graças a Deus, sempre tive o amor, carinho dos meus pais, mas, nunca mais fiz o que eu amava: nadar”.

Em sua terra natal, ele já dava as primeiras “braçadas” na natação. “Aprendi a nadar de brincadeira com nove anos, nadei até os 14 anos, morava perto do Clube Caratinga. Na época dos meus grandes amigos nadadores Márcio Bomfim, Ronaldo Calazans, Tomate, Sandro Soyer. Aprendi a nadar com essa turma, perdi a perna com 15 anos, nunca mais nadei”.

Ainda no Espírito Santo, só em 2007, ele voltou a nadar. “Tive um recomeço no esporte. Fui morar no Espírito, quase em frente à praia e não nadava. Em 2007, pensei, poxa, morando em frente à praia, nadar era a coisa que eu mais amava na vida.   Procurei minha amiga Márcia, dona da piscina, para eu voltar a ter ritmo para nadar no mar. Porque meu sonho era poder participar de travessia aquática, ainda sem saber que existia o paradesporto”.

O paratleta acredita que o seu segundo momento de recomeço foi em 2009. “Quando vim para Itajaí e conheci o paradesporto. Fui convidado para ir num treino de HCR (Handebol em Cadeira de Rodas) e conhecer o clube Roda Solta. Me apaixonei, joguei até 2017 e, paralelo ao handebol, participei do aquático (maratonas), 2009 e 2010, onde consegui ser o campeão catarinense de 2010/2011”.

Em 2011, com muitas dores na perna, Carlão precisou ser internado e amputar a outra perna. “De novo tenho certeza que a minha família, meus amigos, sofreram mais do que eu. Foi uma nova adaptação, claro que foi uma nova realidade. Lugares que eu conseguiria ir tendo uma perna só, hoje na cadeira de rodas, infelizmente, não consigo. Mas, não parei”.

Desde quando perdeu a primeira perna, Carlão era questionado pelos amigos sobre como ficava o seu psicológico não ter um membro. “Para mim isso foi super normal, tive uma vida normal. Saía, trabalhava na roça. Graças a Deus minha mãe me ensinou a olhar para trás, mesmo, achando que nosso problema é o pior, agradecer sempre, porque se olhar para trás tem sempre pessoas com problemas piores que nós e levando a vida numa boa, conseguindo trabalhar, fazer esporte. Foi um grande aprendizado da minha mãe naquela época, que só consegue aprender no paradesporto. Vi pessoas com cegueira total nadando, convivo hoje com pessoas com diversas deficiências físicas e são tão capazes quanto as outras”.

No paradesporto, ele descobriu uma força a mais para não se render e seguir firme no esporte. “Aquele ensinamento da minha mãe me fez muito entender. Vendo que minha deficiência não é nada perto de tantas outras que existem. Durante 26 anos, 1985 até 2011, quando vim a perder a segunda perna, sempre levei a vida de boa, graças a Deus tinha uma família que me amava, minha resposta era que eu não sabia o que aconteceria comigo se eu perdesse a outra. Eu não saberia a minha reação. Tenho certeza que quando perdi a primeira, minha família, meus pais, meus amigos, sofreram muito mais do que eu. Eu tinha 15 anos, era um adolescente, cresci com esse problema, que para mim, de boa”.

Em 2011, ele começou a treinar tênis de mesa. Com o passar do tempo, foi se aperfeiçoando, enfrentando novos desafios e tendo novas conquistas. “Aprendi muito com o professor Edson (Cebola), tive alguns resultados, conseguindo alguns pódios (para mim é o esporte mais difícil que tive a honra de jogar). Joguei até agosto de 2018, onde parei para operar o ombro esquerdo (tendão). Em 2019, sai do Clube Roda Solta e hoje sou do clube ICED, em Balneário Camboriú. Voltei a treinar em 2019 para poder participar do Circuito Capixaba de Águas Abertas, quatro dias antes da prova comentei com amigos que iria desistir de fazer, muitos não entenderam o motivo, nem eu, pois estava treinando. Dois dias depois tive um infarto e papai do céu me deu mais uma chance de fazer o que eu amo, nadar”.

A retomada dos treinos foi em 2020 para participar da mesma prova que havia desistido um ano atrás. Ficou em primeiro lugar na categoria PNE 2 km: o circuito teria mais quatro etapas, mas, surgiu a pandemia de covid-19 e as provas foram canceladas. “Voltei para Itajaí, conseguindo ainda participar de uma etapa do circuito SUMMIT, ficando em terceiro lugar e dois desafios individuais 4 km e 5 km. Esse ano, graças a Deus, graças às vacinas, o esporte está podendo voltar ao normal. Participei de dois circuitos de maratonas em Santa Catarina, onde nadam atletas de vários estados do Brasil. Fui campeão catarinense, categoria PNE, ranking long distance (provas mais longas) do circuito SUMMIT e campeão da categoria PNE absoluto (provas de 3km) do Circuito Ocean. Esse ano, apesar de todas as dificuldades, foi um ano maravilhoso, fui abençoando”.

E após 13 anos representando outras cidades (Itajaí/SC e Balneário Camboriú), Carlão declara que tem o “prazer e orgulho” de representar sua cidade natal. “Agradeço de coração ao prefeito Welington pelo apoio no Bolsa Atleta, meus patrocinadores, Vida Ativa Natação, em Balneário Camboriú, onde treino de segunda a sexta; ao clube ICED que sou filiado. Ao clube do farol onde treino no período que estou no Espírito Santo; Projeto Braços ao Mar, Engita Naval, Rodotac, Brunner Automóveis, Lívia Lyra; amigos e minha família. Gratidão”.

Carlão aproveita para deixar uma sugestão para a cidade de Caratinga, se tratando do paradesporto. “Caratinga, sabemos que, infelizmente, não tem esporte adaptado, acho uma pena muito grande, tomara que eu seja o primeiro de muitos aí. Tive a oportunidade de jogar tênis de mesa em Caratinga, com a turma andante. Foi muito bacana. Acho que se nossos governantes olharem um pouquinho por nós deficientes. Tenho certeza que têm muitos na cama, em casa, que não saem, às vezes nem por vergonha da deficiência ou do corpo, mas, por falta de oportunidade, de acessibilidade”.