As pequenas Mel Marinho Martins e Vitória Emanuele de Oliveira são dois exemplos de força de vontade. Uma está dando os seus primeiros passos após um tratamento que revolucionou a sua qualidade de vida. A outra está prestes a fazer o mesmo tratamento e cheia de esperança dos resultados que poderão acontecer. Em comum as duas ainda têm outro fator: mães que incentivam e lutam para o bem estar das filhas.
As mães coragem são Talita Marinho e Samara Belo, ambas moradoras da vizinha cidade de Inhapim. Elas não deixaram o desânimo impedir que elas buscassem uma melhor qualidade de vida para Mel e Vitória, que são portadoras de mielomeningocele, doença que compromete o desenvolvimento motor e do sistema urinário, impossibilitando-a de andar e fazer xixi normalmente.
O DIÁRIO contou a história de Mel e Talita em novembro de 2015. No primeiro caso, a doença foi diagnosticada na sala de parto, após Mel apresentar hidrocefalia, que é uma sequela da doença. Desde o diagnóstico a família tem acompanhamento do Hospital Sarah Kubitscheck, em Belo Horizonte, que deu um prognóstico sobre a doença e o desenvolvimento de Mel. No mês anterior, a família foi informada de que a criança não tinha mais o que evoluir e precisaria utilizar cadeira de rodas. Mas, as esperanças foram renovadas com a descoberta de um tratamento na Tailândia, por meio de células tronco; renovando a raiz dos nervos afetados e que prometia trazer benefícios em termos de função motora, sensibilidade e controle da bexiga, proporcionando uma significativa melhoria na qualidade de vida de Mel.
Por isso, no dia 28 de outubro daquele ano, Talita deu início a uma campanha com o objetivo de arrecadar o total de R$ 130 mil, considerando os R$ 114 mil do tratamento e o restante necessário para que a família tivesse condições de se manter durante a viagem. As pessoas abraçaram a campanha e o montante foi arrecadado em fevereiro de 2016.
A conquista de Mel chamou a atenção de outra mãe da mesma cidade, Samara. Sua filha, Vitória, além da mielomeningocele, é portadora de hidrocefalia e síndrome de Arnold-Chiari. Samara recebeu a notícia aos seis meses de gestação. Com a esperança renovada após descobrir a possibilidade do tratamento na Tailândia, ela deu início a uma campanha de arrecadação em março deste ano. Após rifas e doações, o valor total foi arrecadado no início deste mês.
A Reportagem teve um novo encontro com as mães e nesta entrevista, Samara e Talita compartilham suas experiências e expectativas para o futuro das filhas.
Como mãe, qual foi o sentimento diante do diagnóstico da mielomeningocele?
Até então eu não sabia, não fazia ideia do que era a mielomeningocele e a hidrocefalia. Foi desesperador. Mas, com o tempo, fui pesquisando, procurando saber o que era e não deixei aquela preocupação, aquele desespero, fui ficando mais tranquila. Tinha mais consciência do que era e o que poderia ser feito.
O que mudou na vida da família após o diagnóstico?
Mudou tudo. Porque você se prepara para receber uma sem limitações, que terá os mesmos cuidados que outra qualquer. Foi tudo preparado para receber ela, ela não pôde nascer aqui na cidade, perto da família, teve que ir pra fora.
No início os profissionais tinham respostas para as suas dúvidas?
A minha preocupação maior era a questão da parte neurológica dela. Se ela ia entender bem as coisas, se ia ser uma criança esperta, desenvolvida e graças a Deus isso ela é. Às vezes perguntava para os médicos e muitas vezes não tinha resposta. Eles falavam assim: ‘É só o tempo que pode te falar’. Complicava mais, porque você ficava com aquela dúvida. Até então era um tipo de má formação não tão conhecida como é hoje, seis anos atrás. Mas, até hoje, você pergunta para os médicos aqui no Brasil e eles não vêm possibilidade nenhuma dela andar. Já com esse tratamento que a gente está pra fazer, graças a Deus ela vai ter uma possibilidade de andar, de ficar de pé, ter uma qualidade de vida melhor.
Quais as principais dificuldades que a Vitória enfrenta no dia a dia?
As dificuldades dela são se movimentar sozinha, ela depende de mim pra tudo, comer, beber, se locomover; a questão do xixi, que ela não consegue fazer sozinha, tem que ser através de sonda; o intestino também é bem preso, tem que ter uma alimentação super saudável e com laxante. Na escola ela depende totalmente de uma pessoa para cuidar dela, porque ela não se movimenta, não sabe sair daqui e pegar uma água, um lápis, então ela pede tudo. Ela é totalmente dependente.
Como é na escola, a relação com os colegas e aprendizagem?
Em relação com os coleguinhas ela é muito carinhosa. Ela gosta de brincar e do cuidado que eles têm com ela. Na parte neurológica ela está um pouquinho atrasada, porque ela ainda não consegue escrever nem o nome, coisa que as crianças que estão na sala dela fazem. Ela tem dificuldade motora também pra colorir.
Como você decidiu fazer a campanha?
Foi através da Talita e da Mel, porque até então a gente não fazia ideia de que existia esse tipo de tratamento. Quando a gente descobriu, se animou e lógico que depois que a Talita voltou, a gente percebeu as melhoras na Mel e ficamos mais empolgados ainda, para insistir com a campanha e a gente conseguir esse valor. Pra gente foi uma eternidade, porque a ansiedade fica a mil. No começo foi muito difícil, mas graças a Deus deu tudo certo, a ansiedade agora é só pela viagem e o tratamento.
Como foi a solidariedade das pessoas?
O carinho que as pessoas procuram saber sobre ela, até cuidam, é muito gratificante pra gente.
A Vitória entendia que estava sendo realizada uma campanha?
Sim. Ela sabia. A gente sempre conversou com ela, explicou que iria fazer uma campanha porque tinha um tratamento e poderia ter uma qualidade de vida melhor. Ela sempre entendia.
Como está a expectativa para a ida à Tailândia?
Ansiedade. Não vejo a hora de poder viajar e fazer o tratamento. A gente espera que assim como a Mel teve muitas melhoras, a Vitória também possa ter. Vamos no final de janeiro ou início de fevereiro.
O que você espera para a Vitória no futuro?
Desejo que ela tenha uma qualidade de vida melhor. Ela sair pulando e correndo como uma criança normal, a gente sabe que não vai acontecer, mas que ela possa ficar de pé, dar alguns passos, a questão da bexiga, que possa melhorar e a parte mental que ela tem um pouco de atraso.
Como mãe, qual foi o sentimento diante do diagnóstico da mielomeningocele?
É uma surpresa muito grande. É um susto porque a gente nunca espera uma criança com limitações, qualquer tipo de atraso. A primeira coisa é pensar ‘Como será o futuro dela’? . A princípio a minha preocupação era se ela não ia andar, não ia ter um desenvolvimento neurológico normal, com o futuro dela mesmo.
O que mudou na vida da família após o diagnóstico?
Mudou completamente. A gente já tinha um filho, já estava acostumada com a rotina de uma criança que não tem nenhum tipo de atraso, nenhuma limitação. E com ela a rotina mudou porque eu tinha que levar ela para a fisioterapia, hidroterapia, todos os tratamentos possíveis e isso demandou todo o meu tempo. Não posso mais trabalhar, estudar, fico por conta do desenvolvimento dela. E o meu menino também teve certo distanciamento, porque ele tinha toda atenção e depois ele não só dividiu a atenção, ficou com o mínimo possível, porque eu tinha que ter quase que exclusividade de atenção com ela.
No início os profissionais tinham respostas para as suas dúvidas?
Na verdade, acho que os profissionais não chegam num consenso. Como a mielo tem uma variação muito grande de sequelas, eles não conseguem te dar uma resposta; sempre te deixam com um nervosismo e a maioria deles é muito pessimista. Sempre te jogam pra baixo, às vezes você tem uma esperança: ‘Ela mexeu um pouquinho aqui’ e eles falam que não. Eles vão te limitando, acredito que muito pra que você não sofra, porque às vezes fica esperando que vai ter uma criança que vai correr, pular e não vai ser. Então, eles te preparam para o que vier é lucro. Até hoje têm profissionais que dizem uma coisa, outros dizem outra. Sempre procuro duas, três opiniões diferentes e vejo onde me sinto mais segura.
Quais eram as principais dificuldades que a Mel enfrentava no dia a dia, antes do tratamento?
Antes do tratamento é a mesma questão da Samara, dependência completa. Hoje, na escola a Mel não tem um monitor exclusivo e eu solicitei que ela não tivesse, quero que ela tenha só um apoio, para que ela seja o mais independente possível. Quero que na hora do recreio ela levante sozinha, ela brinque, não precisa dessa assessoria porque ela tem que tentar se desenvolver mais independente possível. Ela hoje já levanta e pega água, consegue pegar a bolsinha de lápis, deixo tudo na altura dela. Então, após o tratamento ela desenvolveu um pouco mais de independência, não tanto quanto uma criança normalmente da idade dela, mas muito maior do que a gente imaginava e que ela tinha antes do tratamento.
Como é na escola, a relação com os colegas e aprendizagem?
Ela ama escola. Depois que ela voltou da Tailândia só estava indo duas vezes por semana, por causa dos horários de terapia e ela sentiu muita falta. Está doida para começar ano que vem que ela já entra no primeiro período e vai frequentar todos os dias à tarde, de manhã vão ser as terapias, estou organizando os horários dela. Ela se dá super bem com os amiguinhos e eles adoram o andador, a cadeira de rodas, eles acham tudo muito diferente, legal e ela gosta muito de criança, de interagir. Agora, ela vai mudar de escola, porque a creche já não comporta, ela até chorou porque não queria sair de perto dos coleguinhas. Mas, está feliz com a escola nova também. Ela não tem até hoje nenhum tipo de atraso, inclusive é uma das mais desenvolvidas da sala dela hoje na creche, mas isso tem que ver com o tempo, pois podem acontecer atrasos futuramente. Mas, ela é muito esperta e inteligente.
Como foi o tratamento da Mel na Tailândia?
Ficamos na Tailândia durante 21 dias, mais dois dias para ir e dois para voltar, totalizando 25 dias. Lá, de dois em dois dias a três em três dias mais ou menos, tinham as aplicações de células tronco, foram oito bolsas. Fizemos também durante esse período as terapias, que são todas encaminhadas, tem todo um relatório da questão nutricional, tudo que tem que conseguir durante pelo menos seis meses, que é o tempo de atuação médio das células tronco. Então, esses resultados, ela não voltou da Tailândia andando. Ela voltou, fez as terapias e essas células foram desenvolvendo, ela foi melhorando e por isso hoje tem a locomoção. E ainda depois desses seis meses, não voltei à terapia só que ela fazia antes, continuo intensificando um pouco mais, mas reduzindo para ela igualar com a escola e ela continua se desenvolvendo ainda. Ela consegue apresentar resultados mesmo depois dos seis meses de pós-tratamento.
E como é a continuação desse tratamento aqui no Brasil?
Agora tento fazer o máximo de terapias dentro da limitação de tempo dela, porque agora já tem que ficar na escola. Ela faz ainda terapia ocupacional, fisioterapia, essa semana vai começar a fazer equoterapia. Como ela já está no andador, o objetivo agora é passar para a muletinha, porque é mais prática, mais leve, mais fácil pra ela, pode colocar do lado da carteira. Mas como ela não está ainda totalmente segura é uma coisa pra um, dois anos.
Qual a mudança mais significativa que você observou na Mel, após o tratamento?
Equilíbrio e resistência. Porque pra andar dois metros ela já fazia com a perninha, mas chorava de dor, pedia para parar, não queria. Hoje ela tem mais força de vontade, porque ela não sente que está doendo ou incomodando, então ela tem uma resistência bem maior.
O que você espera para a Mel no futuro?
A maior independência possível. Que ela não dependa de sonda, de muitos equipamentos pra se locomover, que consiga ter uma vida mais próxima do normal possível.