Jovens revelam ter sido vítimas de ataque homofóbico em Caratinga
CARATINGA – De acordo com levantamento do Grupo Gay da Bahia, a homofobia provocou pelo menos 216 assassinatos de janeiro até o dia 21 de setembro deste ano. Segundo o grupo, em 2013 o número de assassinatos chegou a pelo menos 312 — o correspondente a uma morte a cada 28 horas. Em 2012, foram no mínimo 338 vítimas, entre travestis, gays e lésbicas. Os dados coletados pelo pesquisador Luiz Mott, da Universidade Federal da Bahia e do Grupo Gay da
Bahia, são baseados em registros policiais e notícias, já que não há estatísticas oficiais.
A região com mais casos é o Nordeste — que concentra 43% — e a capital com mais casos por habitante é Cuiabá, com 0,03 homicídios por mil habitantes. Os gays são os mais atingidos (59%), seguidos por travestis (35%) e lésbicas (4%).
A Secretaria Nacional de Direitos Humanos baseia suas estatísticas em denúncias do Disque 100. Em seus registros constam 337 denúncias relativas à homofobia apenas entre janeiro a abril deste ano, o equivalente a mais de duas por dia. São Paulo é o primeiro disparado, com 97 registros (28% do total), seguido pro Minas, com 31 (9%). Em 2013, foram 1.695 denúncias pelo Disque 100, sendo 745 de janeiro a abril. Em 2012, houve um pico de 3.017 denúncias, quase o triplo de 2011, quando foram registradas 1.159 queixas.
Relatório da secretaria divulgado em 2013 e relativo a 2012 revela que 9.982 violações de direitos humanos foram cometidas contra 4.851 vítimas LGBT. No levantamento anterior, de 2011, foram 6.809 violações contra 1.713 vítimas. Os dados mostram ainda que, em 47,3% dos casos, os denunciantes não conheciam as vítimas. Mais de 71% das vítimas são do sexo masculino e mais de 61% têm de 15 a 29 anos.
Em Caratinga, não havia notícias deste tipo de ataque. Porém, no último final de semana, dois amigos relatam terem sido alvos de homofobia em uma festa que aconteceu na Avenida Dário Grossi. Wallace Vidal, de 23 anos e um jovem de 21 anos, que preferiu não se identificar temendo represálias, foram xingados e um deles até mesmo agredido.
Wallace e o amigo estavam acompanhados de mais uma amiga e da prima de um deles. Até então, tudo estava tranquilo. O problema aconteceu quando ele e o amigo foram juntos ao banheiro. “Estava tudo tranquilo. A gente batendo papo com todo mundo, dançando. Teve certa hora que ele me chamou para ir ao banheiro. Chegamos lá, o banheiro estava com a porta fechada. A menina chegou para a gente na maior educação e falou assim: ‘A minha mãe está lavando o banheiro, mas se vocês quiserem aguardar’. Nesse meio tempo o cara já chegou metendo a mão no rosto dele, do nada. Eu e ele conversando na porta do banheiro e o cara puxou e bateu na cara dele”, conta Wallace.
O jovem que preferiu não se identificar, conta que apesar de conhecer poucas pessoas no local, o ambiente parecia familiar “Fiquei mais no grupinho de pessoas que eu já conhecia e um dos donos da festa me recebeu super bem, falou que eu era bem vindo ali. Em um determinado momento eu chamei o Wallace pra me fazer companhia até o banheiro, porque eu estava sem graça por não conhecer o local. Quando a menina disse que estavam lavando o banheiro, minha resposta foi essa: ‘Tá tudo bem, tá tranquilo’. Chegou um cara que eu nunca vi na minha vida, não sei quem é e me deu um tapa na cara, me agrediu mesmo, que até hoje eu consigo sentir o peso da mão dele, falando pra eu sumir dali. Nisso eu já virei de costas, ele me deu outro tapa nas costas. Eu perguntando o que estava acontecendo, porque eu não sabia e ele nos disse: ‘Sai fora seus boiolas’. As pessoas já começaram a olhar e eu fiquei muito constrangido”.
Wallace completa que o agressor ainda chegou a dizer: ‘Some daqui, eu estou entendendo vocês dois’ e os empurrou para fora do banheiro. Para os dois jovens as palavras de ofensa demonstram claramente uma atitude homofóbica. “A gente não ia entrar no banheiro juntos, eu ia ao banheiro, esperava e depois ele ia, normalmente”, destaca Wallace.
O rapaz que foi agredido afirma que durante a festa já havia utilizado o mesmo banheiro, acompanhado do amigo. “Realmente foi um ato homofóbico. Alguém chegou a sugerir que ele estivesse com ciúme da namorada. Mas, se ele disse isso, quis dizer que nós dois estávamos ali com outras intenções, mas até então eu estava do lado de fora e aguardando a pessoa que estava limpando. Nada justifica a forma como ele se dirigiu a mim, até porque eu não sei quem é, nunca tive briga. Além disso, já tinha utilizado o banheiro dessa forma outras vezes e não tive nenhum problema”.
Após agressão, o jovem procurou a sua prima para que fossem embora. No momento de desespero, acabou não acionando a Polícia, mas ele afirma que não pretende deixar o ato impune. “Ela (prima do jovem agredido) foi até uma senhora, que, aparentemente, por ter mais idade, imaginamos que ela iria apaziguar a situação, mas que entendeu tudo errado e disse o seguinte: ‘Você está querendo brigar comigo também? Ele estava no território dele’, se referindo ao rapaz que tinha me batido e mandou mais uma vez a gente embora. Eu disse que não precisava me mandar ir embora, que eu já estava indo e o que ele fez, responderia judicialmente. Acho que se eu tentasse agredi-lo, da forma que ele fez comigo, estaria me rebaixando ao nível dele. Quando lhe disse isso, ela com deboche falou: ‘Isso mesmo, vai e faz um boletim de ocorrência’. Pessoas que estavam comigo me tiraram da festa, não estava no meu carro e naquele momento de constrangimento eu não tive atitude de chamar a polícia na hora e já estou colhendo dados desse indivíduo”.
MEDO
Após o episódio, o jovem revela que sente medo e insegurança, até mesmo perdeu a vontade de sair de casa. Para ele, não houve nenhuma troca de olhar que desse a entender que um estava insinuando algo para o outro. “Realmente é um fato que me deixou amedrontado, por momentos eu tenho flashbacks do que aconteceu, porque foi uma coisa tão constrangedora, que você não consegue lembrar-se de tudo tão detalhadamente. Eu jamais esperava uma atitude dessa aqui em Caratinga, apesar de achar a cidade bastante conservadora, mas eu nem pensei que fosse chegar a tal ponto, até porque nada justifica a agressão, mas tudo também depende da questão comportamental. Pra exigir respeito, você tem que respeitar e nós estávamos na festa de forma muito respeitosa”.
Ele ainda revela que antes pensava que esta prática acontecia apenas nas grandes cidades, por isso, se surpreendeu quando foi vítima. “O meu medo maior hoje é desse indivíduo, porque o impacto e o constrangimento foram tão grandes a ponto de hoje eu ter dificuldade de olhar pra essa pessoa, mas eu sei que onde ele me ver, vai lembrar-se de mim. Se eu vê-lo, sei que vou lembrar, mas talvez como uma defesa eu vou tentar até ficar mais distante. Como eu não o conheço, não sei do que ele seria capaz de fazer, se seria capaz de me agredir de novo. Foi uma coisa que não mexeu só comigo, mexeu com a minha família, meus amigos”.
Wallace ressalta que até então o tratamento na festa era tranquilo e que ele e o amigo não agiram de maneira a incomodar a quem estava no local. “As mesas que a gente estava, as pessoas nos chamavam pra conversar. Eu tinha muitos amigos na festa e eles chamavam a mim e a ele, porque estávamos juntos e todo mundo tratando a gente bem. Em momento algum a gente fez algo que pudesse ser chamado a atenção. Estávamos conversando, normalmente, como todos que estavam lá”.
Para voltar a se sentir seguro novamente, o jovem já está tomando providências e vai registrar um boletim de ocorrência. “Já estou entrando em contato com o advogado e no que estiver dentro do meu direito, eu vou correr atrás sim, porque nada justifica uma agressão. Primeiramente, qualquer que seja o motivo, a agressão, seja física ou verbal não resolve nada. E principalmente, quando tem a agressão física a troco de nada e fica aquele medo, aquela insegurança. Essa pessoa pode encontrar comigo de novo. Realmente fico com medo e é assim que eu vou recorrer à polícia e espero receber a atenção que eu necessito, porque nós sabemos também que a gente vive numa cidade, numa defesa, machista. Acho que o que é direito da gente é direito. Uma vez que eu respeito o próximo, o mínimo que eu devo receber de volta é o respeito também, mesmo que ele não concorde com o que eu seja ou faça”.
Ele espera o apoio das autoridades e que o agressor seja localizado. “Por sinal, eu não desejo mal algum, gostaria até de ter uma conversa com ele pessoalmente pra entender o que aconteceu e dizer que não precisa disso. Se ele não gosta de pessoas que sejam, independente de homossexuais, mas, negras, ou que tenham o cabelo colorido, roqueiro, independente de quem for, pode até não gostar. Mas, uma vez que a pessoa respeitá-lo, o mínimo que ele tem que fazer é retribuir o respeito”.
SEGURANÇA
Questionado se já havia passado por esta situação, o jovem afirma que esta foi a primeira vez. Mas, conhece amigos que passaram por fatos semelhantes. “Estou há quatro anos em uma faculdade, trabalhei durante cinco anos diretamente com o público e nunca houve nada, pelo contrário, nem agressão física e nem verbal. Eu já tive parceiros que passaram por esse tipo de situação em casa, o que não é o meu caso. Graças a Deus, minha família sempre me apoiou. Estava em companhia, além do Wallace, de uma mulher, porque eu namoro, tenho meu parceiro. Se eu tivesse com o meu parceiro ainda poderia tentar entender que fosse por estar com ele, mas nem lá ele estava, o que também não justifica a agressão”.
O jovem completa que além da indignação, fica a sensação de tristeza. Ele busca ânimo para retomar a sua vida normalmente. “A gente escuta tanto as pessoas falando num mundo melhor. Acho que isso tem que começar a partir da gente. Quero que isso seja resolvido de uma forma com que ele aprenda que não é assim que se tratam as pessoas e que com violência a gente não chega a lugar nenhum, pelo contrário, vamos entrar num retrocesso que não vai ter fim”.
Wallace também afirma que a atitude lhe surpreendeu, pois está acostumado a ser bem tratado na cidade. “Geralmente, por aqui é tudo super tranquilo, nunca tive problemas. Todo lugar que eu chego sou super bem tratado.”.
PRECONCEITO
Para os dois jovens, a afirmação de que o preconceito não existe mais é apenas um conceito que funciona somente na teoria. Na prática, o assunto ainda precisa ser bastante discutido. “A palavra certa seria hipocrisia. Muita gente fala que aceita, que hoje em dia a gente já vive num mundo mais tranquilo, mas diante do que eu vivi sábado (dia 18 de outubro), as pessoas ficaram com medo, não me deixaram chamar a polícia na hora, então por que isso? É porque no fundo existe sim o preconceito”.
O rapaz enfatiza que independente de ser homossexual ou não, o respeito deve existir em qualquer lugar ou ocasião. “Da mesma forma que eu jamais estaria com um parceiro meu em um local público beijando, trocando carinho; eu também me sentiria incomodado com um casal hetero, dependendo de certo comportamento. Então o respeito deve haver independente da condição sexual, eu digo condição e não opção; de cor, de raça, crença”.
Wallace também acredita que o preconceito está camuflado. “Com certeza, todos os lugares. É difícil você encontrar um lugar e falar que ali não existe. Pra mim ainda não conheço, só se for muito escondido. Sempre acha alguém que aponta”.
O jovem finaliza dizendo que a luta pela igualdade continua e que já sente um pouco de apoio de parte da sociedade. “Hoje em dia a gente ainda está tendo certo apoio da mídia, artistas se declarando a favor, até mesmo a igreja, essa semana já saiu noticia, o Vaticano já discute em relação ao homossexualismo. Ainda existe o preconceito, não só com homossexuais, mas com o pobre, com o que mora no morro, ou o que varre rua. Acho que se cada um tivesse um pouquinho só de amor ao próximo, o nosso mundo seria bem melhor e bem mais fácil”.