
Para o juiz Consuelo Neto, reimplantação do Conselho da Comunidade é de suma importância para sensibilização e apoio de toda a sociedade
Empossado Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca de Caratinga
CARATINGA – Caratinga vive um problema, que é realidade em todo o país: a superlotação dos presídios. Houve aumento significativo de pessoas encarceradas. Os números são bastante claros neste aspecto. Em novembro do ano passado havia 280 detentos no presídio e 90 presos na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), ou seja, um total de 370. Agora, passados 10 meses estes números aumentaram: 525 presidiários e 114 presos na APAC, totalizando 639 detentos.
O Fórum Desembargador Faria e Sousa recebe, em média, 200 processos por vara/mês. Considerando que são duas varas, o total é de 400 processos. Mais prisões refletem um intenso trabalho da Polícia Militar e Civil, Defensoria Pública e Ministério Público atuante e um judiciário eficiente no julgamento de processos.
Mas, se o número de encarcerados é crescente. Será que a sensação de segurança da população melhorou? A criminalidade diminuiu? Foi com estes questionamentos que o juiz da 1ª Vara Criminal e de Execuções Penais, Consuelo Silveira Neto, deu início à reinstalação do Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca de Caratinga. Foram empossados na manhã de ontem, os sete membros do Conselho, que tem como objetivo promover um elo de comunicação entre o sistema prisional e a comunidade, na tentativa de recuperar aquele que está cumprindo pena na comarca.
O presidente do Conselho é Pedro Heringer. Ainda foram empossados, Moacyr Costa Rabello (representante da Defensoria Pública), Francisco de Paula Machado (advogado), Fabrício Régis de Oliveira (advogado), Maria Inêz da Rocha (representante da comunidade), Hildeberto Gonçalves (representante do comércio local) e Alessandra Vieira (assistente social).
Para o juiz Consuelo Neto, a reimplantação do Conselho da Comunidade é de suma importância para sensibilização e apoio da sociedade caratinguense e dos 11 munícipios que fazem parte da comarca, à situação dos encarcerados. “Estamos dentro de uma realidade que sabemos que não é confortável. É preciso que a comunidade tenha ciência da situação e participe da ressocialização do preso. Em nosso país não está prevista a prisão perpétua, também não há previsão da pena de morte. Então, o preso que hoje cumpre pena, retornará à sociedade e ela precisa refletir. Receber este preso como um novo homem recuperado ou um mestre do crime?”.
PRESÍDIO X APAC
Um paralelo entre o presídio de Caratinga e APAC traz dados importantes em relação à estrutura destes locais. O presídio tem capacidade para 194 presos e hoje recebe 500. Neste universo de superlotação, a cela feminina que tem capacidade para seis detentas, conta com 25. Já cada cela masculina, que tem capacidade para oito detentos, tem a média de 20 a 22 presos em cada.
Na APAC, são seis condenados por cela e 60 presos em regime fechado. Nada de superlotação. Ao todo, são 12 unidades de trabalho, com oficinas de vassoura, blocos, dentre outras. Já o presídio conta com apenas quatro oficinas, com a participação de 10 presos. Ainda falta assistente social.
O juiz destaca que as estatísticas deixam claro que a APAC é referência em termos de recuperação do condenado. “Falo isso com base em números. Últimos estudos apontam que a cada 10 presos que passam pela APAC, apenas dois voltam à criminalidade. A realidade de todos os presídios, não só de Caratinga, mas de toda a Mina Gerais é exatamente o inverso. A cada 10 presos, dois apenas que se recuperam, sendo que oito voltam para a criminalidade. A diferença é o método, a forma como o preso é trabalhado, a autoanálise e reflexão sobre o ato praticado. Então é importantíssimo esse elo entre APAC, presídio e a sociedade, para que possamos mudar nossa realidade na comarca de Caratinga”.
O presídio demanda uma estrutura de organização muito maior. Há agentes penitenciários remunerados, número maior de presos e toda uma infraestrutura que faz com que o custo para o estado manter um preso no presídio seja o triplo de manter o preso na APAC, como explica o magistrado. “A APAC é uma entidade sem fins lucrativos e que assina convênios com o estado, que repassa verbas para que possa receber o condenado, trabalhar a sua formação e recuperá-lo para a sociedade. É um método que tem resultados, diferentemente do sistema tradicional, que é o presídio”.
O conselho vai se reunir; expor os problemas e refletir, buscando soluções para a situação carcerária em Caratinga. Para o magistrado, também é necessário trazer as famílias para este processo de recuperação. “O homem é fruto do meio. É preciso trazer para a ressocialização do preso todos os familiares. Todos que estão envolvidos com a recuperação dele. Serão reflexos na formação dos jovens e adultos desta família”.
O presidente do Conselho, Pedro Heringer, acredita que há muito trabalho pela frente, mas que está otimista com os possíveis resultados. “É uma responsabilidade muito grande, tenho consciência disso, porque qualquer presidência é difícil. O presidente não trabalha sozinho, tem que ter uma equipe, apoio e buscar conhecimento para exercer a função. A gente tem que buscar a sabedoria para estabelecer as prioridades, o que a gente sabe que não é muito fácil. O presídio tem vários problemas e precisamos melhorar essa sociedade carcerária”.
A diretora do presídio, Maria Alice Mendes, ressalta que o conselho traz expectativas para um trabalho mais eficiente e de recuperação dos detentos. “Se o conselho conseguir atender ao objetivo, que é trazer a sociedade pra dentro da unidade prisional será muito positivo, pois temos ali pessoas que podem ser inseridas no mercado de trabalho, espaço para construção de oficinas de trabalho e galpões para que possa ser absorvida a mão de obra dos presos, que custa barato. Um preso custa para um empresário três quartos de salário mínimo, não tem vinculo empregatício, acho muito interessante”.
Para Maria Alice, a sociedade se torna um importante agente neste processo de recuperação. Pode ser o anúncio de novos tempos para o presídio local. “Se o empresariado local voltar a olhar para os presos nesse sentido, será muito bom, porque o preso trabalhando, estudando é menos problema. O que a gente precisa nesse momento, em que o estado não está dando conta de resolver esse problema, é realmente da atuação da comunidade, que volte o olhar porque a gente precisa tratar de forma mais digna para que ele retorne melhor para a sociedade”.
A primeira atividade do conselho já está agendada para próxima semana, uma visita a APAC.