CARATINGA – Neste domingo é comemorado o Dia Internacional da Mulher. O DIÁRIO ouviu a advogada Margareth Maciel, que analisou um dos movimentos feministas mais polêmicos, “A Marcha das Vadias”. Ela também abordou lutas e conquistas das mulheres ao longo dos anos.
Entre 25 e 29 de agosto do ano passado, a advogada foi convidada a participar do IV Congresso Internacional do Núcleo de Estudos das Américas – América Latina: Espaços e Pensamentos: Corpos Locais e Mentes Globais, Sociedade-Política-Economia e Cultura. Este Congresso aconteceu na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. “A mesa em que eu tive a honra de expor o meu trabalho, coordenada pelo Dr. Fernando Vieira, teve como eixo central a análise da imprensa brasileira ao cobrir a assim chamada “jornadas de junho” evento que galvanizou a sociedade brasileira em 2013”, recorda a advogada, acrescentando que junho de 2013 foi um mês extraordinário na sociedade brasileira onde a mobilização em massa tomou conta das ruas, através das redes sociais, também através das mídias alternativas.
Diante do convite, Margareth Maciel ficou instigada a fazer uma análise sociológica do Movimento ‘A Marcha das Vadias’, que ocorreu em 27 de julho de 2013 no Rio de Janeiro. “O que seria este movimento e o porquê do nome “vadia”? Achei o nome “vadia” pesado para definir um movimento onde se questiona os direitos da mulher, já que o movimento feminista e suas reivindicações faz parte do mundo moderno. Este estudo que eu fiz foi publicado no Núcleo de Estudos das Américas”, conta a advogada.
Ela ressalta que concorda com Evaristo de Moraes Filho, membro da Academia Brasileira de Letras, quando ele escreve que “a mulher não se libertará imitando o homem, antes lutando ao seu lado, sem deixar nunca de ser feminina, mas senhora de seu destino e de seu corpo. O feminismo mudou não só a vida das mulheres, mas a dos homens também. Nada os separa. A mudança tem que se dar em toda a sociedade, com a adoção de novos valores e novos padrões de conduta”.
Qual é o significado da Marcha das Vadias?
A Marcha nasceu no Canadá sendo o primeiro protesto contra a crença de que as mulheres que são vítimas de estupro teriam provocado a violência por seu comportamento, e desde então se internacionalizou, incluindo o Brasil, e este movimento conta com uma pauta fortemente política. Podemos citar: uma vida melhor para a mulher vítima do machismo e da homofobia, de toda a orientação sexual estupro, aborto, liberdade dos corpos, etc. Este movimento quer mudar a situação da mulher e também eliminar a discriminação social e a desvalorização da mulher em decorrência dos valores que foram construídos ao longo da História. Isso para que a mulher tenha um posicionamento no mundo público
E o que significa ser “vadia”?
Uma mulher ser livre para fazer suas próprias escolhas, reivindicar a garantia e o respeito aos direitos das mulheres. As feministas querem ser ouvidas por suas palavras, pois através delas se podem transmitir as ideias feministas. E o nome “vadia” dá maior visualização ao que elas querem reivindicar. Os salários ainda são mais baixos que os dos homens quando as mulheres ocupam a mesma função que a deles. O trabalho doméstico, não valorizado, ainda é responsabilidade da mulher. A capacitação profissional da mulher também é um problema. Ao mesmo tempo em que ocupa o espaço público ainda não se dividiu de forma igualitária o espaço privado com o seu marido ou companheiro. Analisar simbolicamente este nome “vadia” é ver a necessidade que as feministas têm para chamar a atenção de todo o mundo e assim haver maior compreensão de suas necessidades.
Qual seria o ponto central deste Movimento?
Através de uma análise, verifiquei que a referida Marcha ocorreu no Brasil inteiro, de norte a sul e o principal ponto em discussão seria a questão da violência contra a mulher. Um problema social e político com a necessidade de criar políticas públicas em diferentes setores.
Como assim?
Se relembrarmos o ano de 1980, cujo slogan era “quem ama não mata”, tinha como objetivo, denunciar o homicídio de mulher. Analisar atuação do sistema de justiça criminal que mantinha elevadas as taxas de impunidades para os crimes contra as mulheres e absolvia os homicidas com base no reconhecimento do argumento da legítima defesa da honra. Em 1985, Maria Amélia Azevedo publicou um trabalho, onde analisou 2.316 boletins de ocorrências referentes a espancamentos, lesões corporais praticados por ex-maridos/companheiros contra suas ex-esposas/companheiras. Segundo ela, “ficaram visíveis as informações sobre os perfis de homens e mulheres envolvidos em situações de violência conjugal e sobre o contexto que ocorriam essas agressões: o patriarcado e o machismo não operavam de forma isolada mas em associação com fatores econômicos, o consumo de álcool, drogas e problemas e fundo emocional / psicológico (stress).”
Na Copa de 2014, o Brasil foi personificado como um país para se comprar sexo prostituído, vendendo assim para os estrangeiros a imagem de belas mulheres.
Se olharmos o panorama histórico de lutas pelos direitos da mulher e fazer uma reflexão sobre o atual momento do ativismo feminista no Brasil e no mundo podemos ver os avanços. O debate feminista foi tomando força e questionando o relacionamento entre o homem e a mulher e as discriminações sociais que a mulher sofria ou que ainda sofre em seu cotidiano. No entanto é necessário dar importância a visualização que a Marcha das Vadias dá ao problema “de quem é a culpa” por haver tanta violência contra a mulher? E a resposta é com certeza a do agressor, “não importando a roupa que a mulher esteja usando”.
A prisão do agressor é uma medida eficaz?
Eu diria que é uma medida que vai inibir por um determinado tempo o agressor como também proteger a mulher. Por outro lado precisamos repensar sobre o encarceramento dos homens agressores como a única forma de eliminar a violência. Penso que é necessário a implementação de políticas para o atendimento tanto desses homens como para as mulheres com acompanhamento médico, psicológico, legal. Encontrar novas formas para evitar a reincidência. Nós vemos aí todos os dias nos jornais a exploração sexual de meninas e adolescentes, o tráfico de mulheres, o assédio sexual.
Tenho lido muito o sociólogo e antropólogo francês Pierre Bourdieu onde ele analisa as relações entre os sexos e percebe que a nossa sociedade é ainda uma sociedade androcêntrica. Ele questiona quais são os “mecanismos históricos que são responsáveis pela des-historicização e pela eternização das estruturas da divisão sexual e dos princípios de divisão correspondentes”. Para Bourdieu, a consciência de gênero, por sua vez, delonga para edificar-se no imaginário social, até mesmo no feminino, e acaba, muitas vezes, reproduzindo os valores da cultura dominante na própria educação que as mães ensinam aos seus filhos. Para Bourdieu, “o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras”. Ainda é interessante perceber como Bourdieu leva em conta o papel do Estado, que veio “ratificar e reforçar as prescrições e as proscrições do patriarcado privado com as de um patriarcado público, inscrito em todas as instituições encarregadas de gerir e regulamentar a existência quotidiana da unidade doméstica”.
O Estado ao fazer a legislação para poucos também promove um tipo de violência embora como uma retórica da democracia, este parece não enxergar a questão do que realmente as mulheres querem. As relações de dominação de gênero expressa em posturas masculinas e femininas são relações de poder que são definidas pelas diferenças biológicas entre os sexos. A situação de subalternidade da mulher é uma forma de violência simbólica quando ela aceita que o homem comanda a situação por meio de seus discursos, ações, aceitando esses comportamentos como naturais.
O que comemorar no Dia Internacional da Mulher?
É notório que muitas reivindicações já foram conquistadas, vitórias que devem sim ser comemoradas. Homenagear as mulheres em sua luta pela democracia é fundamental. A conscientização feminina que foi influenciada pelo movimento feminista é importante para entendermos o comportamento das mulheres em diferentes níveis: casamento, trabalho, filhos, política. Não descarto a influência da modernização e da industrialização, da Revolução Francesa.
A incorporação das lutas das mulheres pelo poder público, deu origem as delegacias policiais especializadas no atendimento à mulher. Isso é positivo.
A Lei Maria da Penha representa um marco histórico e político no reconhecimento dos direitos das mulheres. No entanto entender como as instituições policiais e judiciais vêm atuando na aplicação dessa lei, para que a mulher possa sair da violência é necessário.
As mulheres feministas, vadias, lutam pelo respeito e igualdade de direito ainda que as teorias do patriarcado se imponham. Mas em resposta a essa luta, temos a aprovação na Câmara do PL 8305/201 que garante a tipificação do feminicídio no Código Penal. Feminicídio é o homicídio de mulheres em razão de serem mulheres. é uma vitória.
O que as mulheres querem?
Nos últimos séculos, ocorreram avanços históricos civilizatórios no que diz respeito ao reconhecimento político e jurídico da igualdade de todos os seres humanos em dignidade e direitos. Diante disso, o Estado, que estabelece o que é permitido aos cidadãos, deve ter em primeiro lugar a finalidade do bem comum de todos. Elas querem viver com dignidade.
Eu penso que dentro dessa dignidade é viver sem violência, sem necessariamente romper com as relações conjugais e reconstruir seus relacionamentos com base no respeito e igualdade. Novas responsabilidades na evolução do casamento e valorização de outras qualidades em seus cônjuges A mulher que ser valorizada pela sua renda e suas conquistas e não deixar que as diferenças entre homens e mulheres, reconheça uma relação de poder impedindo que ela possa exercer sua cidadania, principalmente como sujeito social e político.
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História do 8 de março
No dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.
A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.
Porém, somente no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o 8 de março passaria a ser o “Dia Internacional da Mulher”, em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas).
Objetivo da Data
Ao ser criada esta data, não se pretendia apenas comemorar. Na maioria dos países, realizam-se conferências, debates e reuniões cujo objetivo é discutir o papel da mulher na sociedade atual. O esforço é para tentar diminuir e, quem sabe um dia terminar, com o preconceito e a desvalorização da mulher. Mesmo com todos os avanços, elas ainda sofrem, em muitos locais, com salários baixos, violência masculina, jornada excessiva de trabalho e desvantagens na carreira profissional. Muito foi conquistado, mas muito ainda há para ser modificado nesta história.