Quando o patrimônio pessoal pode ser atingido, com a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para saldar dívidas da empresa.
É comum haver dúvidas sobre as hipóteses de responsabilização pessoal dos sócios pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica. Isso porque, o elementar é que a sociedade regularmente constituída possui autonomia jurídica e patrimonial, de modo que seus direitos e obrigações não se estendem, em regra, às pessoas dos sócios. Uma das consequências jurídicas de uma sociedade legalizada é que ela é considerada um sujeito de direitos. Assim, obviamente, há uma separação entre os patrimônios dos sócios e o da sociedade. Todavia, os bens pessoais do sócio também podem ser alcançados em hipóteses específicas, com a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, que só é possível mediante decisão judicial.
Ressaltam-se, ainda, três consequências oriundas da personificação: A Titularidade Negocial (embora representada, a sociedade é quem ocupa um dos polos numa relação comercial); Titularidade Processual (possui capacidade processual, pode ocupar o polo passivo ou ativo de qualquer demanda judicial) e Responsabilidade Patrimonial (por possuir patrimônio próprio, em face do Princípio da Autonomia Patrimonial).
Por meio do Princípio da Autonomia Patrimonial, a personificação da sociedade permite que os bens dos sócios sejam considerados distintos dos bens da sociedade, ou seja, os bens são incomunicáveis. Simplificando, sendo a pessoa jurídica capaz de adquirir direitos, também é ela capaz de responder por suas obrigações. Todavia, a autonomia patrimonial, embora de suma importância, gerou repercussão negativa, uma vez que, percebeu-se que tal proteção jurídica poderia ser usada de forma abusiva e/ou fraudulenta ao proteger o patrimônio pessoal de sócios inescrupulosos.
Aí surge o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, que foi o método encontrado para determinar em quais situações o patrimônio dos sócios poderiam ser atingidos, afastando a personalidade jurídica da empresa, com a intenção de evitar lesões a credores.
No Brasil, o instituto veio, inicialmente, pelo Código de Defesa do Consumidor (1990), após na Lei nº 8.884/1994, na Lei nº 9.605/1998, para finalmente ser, em 2002, regulada pelo Código Civil Brasileiro, no seu artigo 50, que diz, “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares ou sócios da pessoa jurídica”.
Basicamente, haverá a responsabilização dos sócios em casos de abuso do poder, caracterizado pelo desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial. Em alguns casos, as obrigações podem ser estendidas quando houver má administração da empresa, insolvência ou encerramento irregular das atividades.
O desvio de finalidade fica caracterizado quando o objeto social da empresa diverge da atividade explorada pela sociedade. Já a confusão patrimonial ocorre quando não há caixas separados para entrada e saída de valores dos sócios e da sociedade.
No campo tributário, o entendimento predominante é que a responsabilidade do sócio se configura apenas quando este detiver poderes de gerência da empresa, abusando do poder ou infringindo a lei, o contrato social ou estatuto, de modo que essa responsabilidade não se expande aos sócios sem poderes de gestão. Nesse aspecto, a responsabilidade dos sócios minoritários pode ser extinta, sendo que estes só poderão ser atingidos quando efetivamente comprovado que concorreram para eventuais atos abusivos.
Quando se tratar de relação de consumo, trabalhista ou ambiental, aplica-se a forma mais abrangente, em face do reconhecimento da vulnerabilidade de quem solicita a desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, o Juiz, ao analisar o pedido, será menos rigoroso com os critérios de admissão para facilitar que o credor possa receber seus créditos, atingindo o patrimônio dos sócios da empresa.
Não custa lembrar que a legislação estabelece a responsabilidade solidária dos sócios até dois anos depois de alterado o quadro societário, como em casos de retirada, exclusão ou morte do sócio, isso tudo como forma de evitar fraudes.
Em síntese, é de se verificar que o sócio estará pessoalmente isento de responsabilidades decorrentes da pessoa jurídica, desde que atue nos limites da legalidade, respeitando a lei e o contrato social, pelo que se faz necessário o cumprimento de suas obrigações perante a sociedade empresária, além do monitoramento das atividades.
O instrumento foi criado, de forma exclusiva, para coibir abusos de empresários que escondem o patrimônio da empresa em nome dos sócios, permitindo uma inadimplência premeditada ou causando insegurança no mundo jurídico. Porém, importa destacar que desconsiderar a personalidade jurídica é uma medida de exceção e não regra geral. Assim, em determinados casos, é permitido ao Magistrado contornar essa blindagem e estender a obrigação aos sócios da sociedade empresária, ou, à sociedade empresária as obrigações dos sócios.
Aldair Oliveira – Advogado
Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil