“Mulheres que estejam passando por situações de importunação sexual podem sim procurar a polícia, porque terão resultado”, afirma delegada Nayara Travassos

Nayara Travassos ressalta ainda que violência contra a mulher de qualquer forma não é apenas uma questão de segurança pública, mas também de gestão pública (Foto: Arquivo)

CARATINGA – Em um dia comum, uma mulher como qualquer outra pessoa precisa usar o transporte público e sente um homem tocar o seu corpo sem o seu consentimento. Ou então a mulher está em uma festa e um sujeito lhe rouba um beijo. Esses são apenas dois exemplos de importunação sexual, que as mulheres são vítimas constantemente e que se denunciarem à polícia o autor pode ser preso, mas é preciso haver a denúncia.

Uma pesquisa feita pelo Ipec e Instituto Patrícia Galvão, com apoio da Uber, mostra que enquanto 45% das mulheres dizem que já tiveram o corpo tocado sem seu consentimento em local público, apenas 5% dos homens admitem já ter feito isso. Ainda, 32% das mulheres afirmam ter passado por situação de importunação/assédio sexual no transporte público, mas nenhum homem reconhece já haver praticado esse tipo de violência. Pesquisa inédita revela também que 31% das mulheres declaram já haver sofrido tentativa ou abuso sexual.

Geralmente em casos como os citados acima, a vítima fica muito transtornada ou envergonhada, e não sabe o que fazer, e nem se chamar a polícia será a solução. Para saber como a polícia trata esse tipo de crime e a importância da denúncia, a reportagem conversou com a delegada responsável pela Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher), Nayara Travassos.

Sobre a importunação sexual, a delegada afirma que percebe esse comportamento masculino vem muito do machismo, da forma como os homens são criados. “Antes de se criar o tipo penal, artigo 215, que é a importunação sexual, essa prática era considerada comum, a gente vê aí na nossa época de adolescência por exemplo, se estivéssemos em uma festa, com certeza algum homem passaria a mão em nosso cabelo, ou tocaria outra parte do nosso corpo, então acho que praticamente todas as mulheres já vivenciaram uma ação desse tipo. Essa criação desses homens foi desse tipo, de que isso é possível, que é normal, que o homem tem que ser o “pegador”, tem que ser o “garanhão”. Então esses homens foram criados com entendimento que isso é uma coisa aceitável”, explica a delegada.

Ainda segundo a delegada, com a evolução da sociedade, da luta dos direitos das mulheres, elas começaram a dizer que sentem-se incomodadas com esse tipo de situação e aí foram surgindo ferramentas para as leis de proteção, como a 11.340, que é a Lei Maria da Penha, e também agora com esse tipo penal da importunação sexual, que são esses atos libidinosos praticados, como o beijo roubado, o cabelo tocado, o apalpar as nádegas. “Isso hoje é um crime, e quando a mulher passa por essa situação, que ela sofre esse tipo constrangimento, que a gente vê muito acontecer por exemplo em transporte público, homens que praticam atos libidinosos ainda mais graves, ela pode sim acionar a polícia para que esse agressor possa ser preso, conduzido até a presença da autoridade policial para que ele seja punido por essa atitude. A pena para quem comete importunação sexual é de reclusão de um a cinco anos, é um crime que não vai para o juizado especial, é um crime que efetua a prisão em flagrante do autor, cabe outros tipos de medidas que não seja apenas audiência de transação penal do juizado. Mulheres que estejam passando por situações de importunação sexual podem sim procurar a polícia porque terão resultado”, afirma a delegada.

Para a delegada Nayara Travassos, a questão de que o homem pode ofender a sua esposa, que pode pegar uma patrimônio dela, que pode forçá-la a manter sexual com ele porque ela é sua esposa, faz parte de uma cultura, de um ensinamento, que para ele era normal. “Agora com a luta do direito das mulheres, com toda informação que se existe, eles já não admitem mais fazer esse tipo de conduta, porque sabem que hoje é considerado crime, e ninguém quer assumir que praticou uma crime. Essa sensação de impunidade que se tem, principalmente no que concerne os crimes praticados contra a mulher, não falo apenas da importunação sexual, mas bem voltado para violência doméstica, não bate com os dados que a polícia tem”.

FALTA DENUNCIAR

Segundo a delegada, foi feito um estudo pela Polícia Civil do estado de Minas Gerais, apresentado para o poder judiciário, que nos anos de 2019 a 2021, 451 mulheres foram vítimas de feminicídio. “É um número alto, preocupante, gostaríamos muito que nós pudéssemos ter evitado esses crimes. Porém, dessas 451 mulheres, 400 delas nunca tinham procurado a polícia, ou seja, 88,69% dos casos não procuraram a polícia. Em contrapartida, 10% delas tinham uma ou duas medidas protetivas. Então a gente vê que a medida protetiva é sim eficiente. Talvez se essas 400 mulheres tivesse solicitados as medidas, procurado apoio da polícia, do judiciário, do ministério público, talvez elas não teriam perdido a vida”, afirma Nayara Travassos.

ENVOLVIMENTO DE TODOS

Nayara Travassos ressalta ainda que violência contra a mulher de qualquer forma não é apenas uma questão de segurança pública, mas também de gestão pública. “Por que essas 400 mulheres não pediram ajuda? A segurança pública não se faz só com os órgãos de segurança pública, tem os órgãos de assistência social, os órgãos de saúde, que entram todos eles nesse contexto de proteção à mulher. Por que elas não pediram ajuda? Porque elas tinham filhos, não tinham pra onde ir com os filhos, não tinham emprego, não tinham abrigo, não tinham o apoio que elas precisavam para estar saindo dali e pedindo ajuda para a polícia. Então não podemos generalizar e dizer que as pessoas não procuram a polícia porque não confiam na polícia, mas talvez elas não confiem no que o estado fornecerá para elas depois de amparo. Porque realmente a polícia está presa na segurança pública, vai ser feita a prisão do autor, mas e depois?”.

A delegada explica que tem toda uma situação que envolve o combate à violência doméstica que precisa ser melhorada. “Claro que a segurança pública pode melhorar, mas com esses dados nós percebemos que as mulheres que pedem medida protetiva, que pedem ajuda, encontram uma efetividade. No entanto, a maioria que não pede foi vítima da violência maior que uma mulher pode sofrer, que é o homicídio”, conclui Nayara Travassos.