1ª Vara Criminal e de Execuções Penais de Caratinga, Conselho da Comunidade e parceiros trabalham ressocialização de egressos do sistema penitenciário
CARATINGA– Ressocialização dos egressos do sistema penitenciário. Desde fevereiro de 2019, o Projeto Renascer é desenvolvido na comarca de Caratinga, por iniciativa da 1ª Vara Criminal e de Execuções Penais de Caratinga em parceria com o Conselho da Comunidade na execução penal.
Tendo como referência o “Voltar a Confiar: os 100 primeiros dias em liberdade”, desenvolvido pela Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas (VEPMA) de Porto Alegre Rio Grande do Sul; o juiz Consuelo Silveira Neto decidiu desenvolver o projeto social em Caratinga.
A intenção é apoiar aqueles que estão saindo do sistema prisional e retornando para as suas comunidades de origem. Desta forma, foi criado um manual que visa oferecer informações úteis e subsídios ao egresso/família, apontando sugestões e orientações sobre os principais problemas enfrentados em meio livre, numa linguagem simples acompanhada de imagens ilustrativas, que facilitam a interpretação dos detentos.
Conforme Alessandra Vieira, assistente social do Conselho da Comunidade, além de oferecer assistência social aos liberados condicionais, egressos e seus familiares, sentiu-se a necessidade de colocar à disposição desse público informações sobre os principais organismos estatais e privados que contam com programas e serviços que garantem o acesso a direitos fundamentais. “Dentro daquilo que já estávamos fazendo, o Dr. Consuelo achou muito interessante aplicarmos isso aqui. Começamos a dividir dentro de seis pontos fundamentais: direito, saúde, trabalho, educação, família e comunidade; trabalhando todos esses pontos com esses egressos. Já desenvolvíamos esse trabalho sem o material impresso, uma orientação verbal, encaminhamentos e agora, materializamos essa ideia, colocando tudo no papel. Dentro dessa cartilha ele encontra informações, endereços de onde buscar ajuda, por exemplo”.
Alessandra destaca que os primeiros dias após sair do cárcere são extremamente desafiadores e requerem uma série de trâmites e adaptações para aqueles que permaneceram um longo período privado de liberdade. “Geralmente, eles estão sem documentos, tem uma questão muito grande de pessoas com quadro de dependência química, baixa escolaridade. Tudo isso são fatores que às vezes contribuem para a pessoa voltar para o crime. Conversamos, orientamos esses fatores que dificultam esse processo de ressocialização e ajudando eles a ter acesso a direitos, incentivando a voltar a estudar e buscar tratamento para o problema que ele tem, reconhecendo que é uma doença; trabalhando o vínculo familiar; como buscar emprego”.
Uma das questões que são trabalhadas com estes egressos está relacionada ao mercado de trabalho, o que ainda é cercado de preconceito, como analisa. “Existe muito mito e na cartilha inclusive fala sobre isso, pessoa fala que uma vez que respondeu processo criminal, foi preso, nunca mais vai conseguir emprego. Isso é mentira. Tem muitas pessoas retornando ao mercado de trabalho, muitas que nunca estiveram no mercado formal e estão voltando. Pode sim dar a volta por cima e conseguir”.
O levantamento do perfil das pessoas atendidas, aponta questões de escolaridade e sociais que dificultam este processo de reinserção. “Um número muito grande de pessoas sem concluir o Ensino Fundamental, poucos concluíram o Ensino Médio; nível também de pessoas envolvidas com dependência química muito grande. Esses são pontos que temos trabalhado muito e obtido resultados”.
EXECUÇÃO PENAL
O juiz Consuelo avalia o projeto como de suma importância, à medida em que a execução deve ser pensada em pelo menos dois vetores. Um deles é a ressocialização daqueles que se encontram em cumprimento de pena. “Quem está preso um dia volta ao convívio da sociedade. Então, o projeto visa justamente fazer uma ponte para que aquele que está saindo do sistema carcerário possa reingressar na sociedade, tendo uma preparação para quem não tem estudo possa estudar, quem precisa de trabalhar possa ser encaminhado para um emprego, aquele que tem necessidade de um tratamento de saúde possa procurar também os órgãos da Secretaria de Saúde. E a pessoa que sai do sistema prisional, principalmente aqueles que ficam muito tempo, sai sem qualquer vínculo com o mundo exterior”.
O magistrado ainda cita que o segundo ponto também considerado essencial é trabalhar para que essa pessoa não volte a cometer crimes. “O combate à criminalidade deve ter e deve se prezar também por um trabalho junto àqueles que já praticaram crime para que não voltem a delinquir. O sistema criminal são diversas engrenagens, se tem veias do executivo que trabalha na prevenção da criminalidade, adotando políticas públicas que vão evitar que as pessoas possam se envolver com a criminalidade; a atuação da Polícia, do Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, Poder Judiciário e no outro extremo, depois que uma pessoa é condenada nós temos novamente a atuação da comunidade, do executivo, no intuito de trabalhar a formação e a ressocialização daqueles que cometeram delito”.
Consuelo enfatiza fatores relacionados às pessoas que se envolvem com a criminalidade na comarca. “Em sua maioria, não estudaram, não têm nem a quarta séria, não estavam atuando no mercado regular de trabalho e com grandes conflitos familiares. A execução penal não visa só fiscalizar o cumprimento da pena, mas, pensamos que tem que ir além, estabelecer em parceria com o Conselho da Comunidade, dar condições para que aquele que já cometeu um crime possa ressocializar, se reestruturar e não mais se envolver com a criminalidade”.
A promotora Vânia Samira Doro Pereira esclarece que pode parecer “paradoxal” a participação do Ministério Público num projeto relacionado a apoio ao sentenciado, mas, embora o órgão seja visto, primordialmente, como acusador, que busca a condenação, o Ministério Público, mais do que isso é defensor da ordem jurídica e da sociedade. “Tanto as pessoas que praticam crimes quanto pessoas que não praticam crimes. E na defesa dessa sociedade de forma integral, nós como órgão da execução penal, buscamos que o apenado cumpra a pena dele, a responsabilidade dele, se avalie como ser responsável que causou danos e prejuízos inúmeros à sociedade e à vítima propriamente dita; mas, que ele também tenha oportunidade de não ser um eterno apenado, de não carregar essa chaga eternamente. Essas pessoas vão voltar para o seio social e a sociedade precisa dar oportunidade para elas”.
Para o MP, os resultados deste projeto já são positivos. “À medida em que percebemos que essas pessoas não retornam mais na nossa atuação primeira de acusar, processar e buscar condenação. Cada um desses apenados que é acolhido pela família, que se reintegra, consegue trabalhar formalmente, virar empreendedor, abre seu negócio e se desvincula daquele erro anterior, temos menos um inquérito, menos um preso para voltar para o sistema. Cada um deles que a sociedade oportuniza essa reinserção é uma vitória tremenda. Esse apoio do juiz da Execução, Dr. Consuelo faz um trabalho diferenciado e do Conselho da Comunidade que tem feito uma atuação excelente faz toda diferença para nossa sociedade”.
A defensora pública Juliana Nunes também reforça o apoio ao “Renascer” e sua transformação na vida dos egressos, que já é realidade na comarca de Caratinga. “A Defensoria Pública já há muito tempo tem uma vertente não só de auxiliar na defesa do apenado, mas, em educação e direitos. Essa cartilha é uma materialização desse dever de educação e direitos, o apenado sai do sistema prisional sabendo onde tem que ir para buscar aquilo que tem direito. Então, acho que é um projeto que incrível que tem tudo para dar certo e com certeza apoiamos totalmente”.
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O CONSELHO DA COMUNIDADE
O Conselho da Comunidade na Execução penal da Comarca de Caratinga foi fundado em junho de 1999. Pedro Heringer faz parte do Conselho desde 2008 e atualmente é presidente. Ele explica o papel do órgão, que faz a ligação entre o judiciário e o sistema prisional. “Procuramos apoiar os presos, penso que 70 a 80% dos presos, se tivessem tido um apoio anterior a praticar o crime, não teriam praticado. Também, quando eles estão saindo condicional ou livre depois de cumprir a pena, precisa de um apoio maior ainda do que antes, porque precisa agora não só de se estrutura, mas sair daquele sistema errado que estava para se restabelecer na sociedade”.
O Conselho é atuante, fazendo visitas no presídio, Apac, e também às famílias, comunicando que o preso está próximo a sair, para que elas se preparem para receber o ente querido. “Nos colocamos à disposição, temos o grupo no WhatsApp, para apoiar o máximo possível e é claro que sabemos que há alguns casos que são difíceis. O sujeito vai reincidir no crime, mas, a maioria dos assistidos, quase que a totalidade, não têm mais praticado crimes”.
O grupo é formado por representantes da sociedade civil, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, igrejas e clubes de serviço; indicados pelos setores.