Eugênio Maria Gomes
O aroma de café invadiu o ambiente ao mesmo instante em que a água fervente era despejada no coador. Sim, eu ainda faço café assim, cozinhando o café com água deixada sobre o fogo, até que ferva por alguns instantes. Hoje, quarta-feira, com a noite definitivamente instalada, trazendo um frio incomum para um mês de agosto, enquanto passo um cafezinho, minha mente corre em busca de inspiração para este texto. Não queria falar de política esta semana, nem das mazelas do nosso país, achincalhado que está pela corrupção, pelas notícias de sucessivas investigações de agentes públicos e empresários – uma lista que, parece, não ter fim -, e pelo conteúdo das delações premiadas.
Terminado o processo de “coar” a mistura de água com café, vai sobrando no coador uma borra escura, fruto da mistura que por ali passou. O coador funciona como um filtro. Um filtro? Ora, seria uma boa ideia um filtro na situação atual de nosso país… Um filtro que funcionasse como esse utilizado no processo tradicional de coar o café bem que poderia ser instalado em cada governo, em cada repartição pública, para filtrar … Não! Eu não quero falar sobre isso…
Esqueço esse parágrafo e, enquanto saboreio o cafezinho, minha mente volta no tempo e, de repente, estou lá no Bairro Limoeiro, em uma casa simples, sentindo o forte cheiro do café feito por minha mãe, através do mais tradicional dos métodos: coador de pano, pó moído na hora e chaleira na chapa do fogão a lenha. Chaleira na chapa… Enquanto a água passava pelo processo de ebulição, uma fumaça ia saindo do bico da chaleira, indicando que a água estava quente e pura, o suficiente para ser jogada no coador. Já pensou se pudéssemos “ferver” os maus políticos colocando-os em uma chaleira? Não! Eu não quero falar sobre isso…
Divagando ainda, volto àquela cozinha, pintada semanalmente com uma “tinta” à base de barro branco, também utilizado para deixar o fogão a lenha, diariamente, branco, novo. Fogão a lenha… Por dentro dele passavam serpentinas, onde a água era aquecida e canalizada para o chuveiro. Ah! Que saudades do bom e quente banho da ducha de água que vinha das serpentinas do fogão a lenha. Serpentinas… Já pensou se, antes de assumir o seu posto, todo mau político passasse pela “serpentina da purificação”? Não! Eu não quero falar sobre isso…
Deixo as boas lembranças e retorno a minha atenção ao copo vazio. Sirvo-me de mais um pouco. Há muito tempo não tomava um café com tanta calma, com tempo de buscar inspiração para um texto e, de quebra, pensar na vida, buscar lembranças de um tempo em que a minha maior preocupação era evitar tomar muita água à noite para não fazer xixi na cama. Aliás, ao falar desse “probleminha” de molhar o colchão, minha mente retorna ao meu antigo quarto. Meu não, nosso quarto. Dormíamos, eu e quatro irmãos, em um quarto servido com duas camas beliches e uma armação de uma cama de campanha. À noite, a cama era aberta e um “colchão de capim” – antigamente, a maioria dos colchões era assim – era colocado sobre ela, para que eu dormisse. Nem preciso explicar o motivo de eu não dormir na beliche…
Pois bem, foram vários os colchões substituídos por conta do “xixi na cama”. Diariamente o colchão era colocado ao sol, mas, em determinado ponto isso já não era mais possível, já que o colchão ficava inutilizado. Em alguns casos, acreditem, o colchão precisava ser queimado por conta da “bicheira” que costumava se formar. Fico pensando se os inúmeros núcleos de “bicheira” formados pelos maus políticos, milhares de vezes “levados ao sol”, não deviam ser, também, queimados… Não! Eu não quero falar sobre isso…
Termino de tomar o meu café, coado e envolto na lembrança do café coado por minha mãe, em um tempo que os políticos trabalhavam voluntariamente e, não obstante os muitos senões que esta prática podia acarretar, não se ouvia nada que fosse parecido com a podridão existente nos gabinetes de muitos órgãos governamentais atualmente. Não! Eu não quero falar sobre isso…
Vai um cafezinho ai?
- Eugênio Maria Gomes é professor e pró-reitor de Administração da Unec. É membro da ACL – Academia Caratinguense de Letras e da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni. É Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG, membro da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga, do Lions Itaúna e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga.