- Eugênio Maria Gomes
No último domingo (22), o dia amanheceu triste, com a notícia da passagem do meu amigo Joel Machado de Assis. Conheci Joel há muitos anos, ainda criança, quando eu vendia salgados no Posto Caratinga. Ele era técnico de bomba injetora, mas não apenas mais um técnico, ele era o melhor bombista de toda a Rio-Bahia. E mais: Joel era dedicado, educado e atencioso. Lembro-me de ficar olhando o seu trabalho – eu sempre fui muito curioso – enquanto ele manuseava o paquímetro, o torquímetro e outras ferramentas e, com a maior paciência, respondia a todas as minhas perguntas. E olha que eu ia à sua oficina todos os dias, para vender pastel e aprender um pouco sobre bomba injetora.
Em pouco tempo comecei a trabalhar no Posto Caratinga e perdemos o contato diário, mas, de vez em quando, avistava e cumprimentava o amigo Joel. Depois, passei no vestibular, mudei de cidade, ganhei o mundo e fui ter notícias do Joel, novamente, há apenas dois anos. E foi em um domingo, ao comprar o jornal na banca do Rone, que recebi dele um envelope, destinado a mim. Nele, uma revista e muitos bilhetes. Joel falava de como vinha acompanhando a minha trajetória profissional e a minha caminhada literária. Respondi enviando-lhe livros de minha autoria e, a partir daí, estreitamos os laços de amizade. Foi muito bom ver renascer a afetividade adormecida por mais de 40 anos.
A partir daí, ele esteve presente em vários lançamentos literários e acabou por me prestar a mais bela homenagem no 10º volume da série “Radiografias do Cotidiano”. Aliás, esse volume foi palco de nossos últimos encontros. Um dia antes do lançamento da obra e da comemoração dos meus 10 anos de Literatura, Joel esteve em minha sala, na Unec. Presenteou-me com um belo texto, em um quadro plastificado, contendo a minha foto, intitulado “O Outro Lado do Rio”. Nele, o meu amigo utilizou parte de um outro texto a mim dedicado por ele, registando: “Vou tirar-lhe as honrarias, o saber e tudo mais. Vou deixa-lo menino-homem, adulto, pai, irmão, avô, tio, cunhado e muito mais… Que prazer é esse de ajudar na caminhada de muitos? No amor ao próximo, se todos fossem assim, os rios seriam limpos, as matas virgens, tiraria de nós esse horrível pensamento de que ‘era uma vez uma floresta, na linha do Equador’. Vou devolver-lhe as honrarias, o saber e tudo mais. Será sempre Homem, adulto e menino, como todos nós. A você nosso poetinha”.
Poeta, mesmo, era o meu amigo Joel. No dia seguinte – dia do evento – ele esteve novamente em minha sala. Levou flores para a Silvia e para mim. As delas eram rosas e, as minhas, cravos acondicionados em uma garrafa verde. Simples, sincero, verdadeiro presente. Poucos homens conseguem ofertar flores a outro homem. O Joel conseguia. Na noite da solenidade, Joel chegou vestido a caráter, com gravata borboleta e tudo, feliz, de posse do livro que continha a sua homenagem a mim. Tiramos fotos, autografei seu livro e ouvi dele “aproveite poeta, que a noite é sua”.
No dia seguinte ao evento, na última quarta-feira (18), Joel retornou ao local em que trabalho. Estava radiante, feliz. Disse-me que dormira pouco e que não se cansava de ler o livro. Presenteou-me com uma cópia da folha de autógrafos de seu exemplar, com assinaturas de Maria Júlia, Luíza, Maria Tereza, João Victor, Alice, Maria Eugenia, Paulinha e, claro, com a minha dedicatória. Tomamos um café, jogamos conversa fora e ele se foi. Na quinta-feira (19), ele chegou usando um suporte no pescoço e disse que era por conta da coluna. Presenteou-me, mais uma vez, com um texto em papel plastificado, intitulado “Ao Poeta Por Excelência, contendo o seguinte: “As estrelas cintilantes e aplaudindo você na madrugada. A lua colocou a sua melhor roupa, ficou linda e sorriu o tempo todo para as mirins. Que espetáculo! Os galos cantavam em francês, Italiano e alemão… Para você. Eu não parava de chorar e rir ao mesmo tempo. Foi uma madrugada e tanto, uma felicidade sem tamanho. Li o texto umas trinta vezes… Afinal, ganhamos a noite! Parabéns pela missão cumprida. Obrigado por tudo, abraços. Joel Machado de Assis”. Emocionei-me ao ler e ele se emocionou com o que escreveu.
Na sexta-feira eu viajei e, no domingo, logo pela manhã, soube através de sua filha Joelma, de que ele havia partido. Também soube pela Silvia que, na sexta-feira, ele fora ao meu trabalho e que havia deixado um envelope destinado a mim. Já era bem tarde quando cheguei no domingo – não pude me despedir do meu amigo -, mas passei na minha sala e peguei o envelope. Nele, uma mensagem carinhosa ao meu filho João Victor. Anexado à uma cópia da foto do João, o seguinte recado: “Viajar é preciso – obrigado pela boa viagem. O homem é a águia que voa, a mulher é o rouxinol que canta. Voar é dominar o espaço, cantar é conquistar a alma”. Também deixou um bilhete com a Silvia, encomendando 5 exemplares da obra para presentear alguns amigos. Queria que fossem dedicados a amigos, sem nomes. Ele não voltou para buscar os exemplares, mas a sua vontade será feita e os livros serão entregues aos seus familiares, para que os distribuam.
Joel Machado de Assis, o “Billy Joe”, o “Leão do Mato”, o “Escorpião” ou a “Lenda Viva”, o homem de muitos apelidos, conquistava a alma de todos os seus amigos, assim como conquistou a minha. Certamente, a dor de sua esposa Dinha e de seus filhos Anacleto, Joelma, Karen e Sergio, não passará facilmente, mas será aplacada pela Fé, pela Força e pela doce lembrança de Joel, um homem amigo das letras e dos livros, que amava a família e os amigos. Descanse em paz meu amigo e usufrua da plenitude da vida reservada aos bons e justos.
* Eugênio Maria Gomes é professor e escritor. Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão do Unec, membro do Lions Itaúna, da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e presidente da AMLM – Academia Maçônica do Leste de Minas. Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG.