“Matar os primatas não erradica a doença”, alerta biólogo
CARATINGA- Após o Departamento de Epidemiologia da Prefeitura de Caratinga anunciar na última sexta-feira (6), que está apurando a possibilidade de mortes provocadas por Febre Amarela Silvestre na região, a população tem ficado em alerta. Os casos foram registrados em uma mesma região, na divisa entre os municípios de Piedade de Caratinga, Ubaporanga e Imbé de Minas (Córrego dos Manducas, Volta Grande e São José do Batatal).
Outras pessoas estão internadas com quadro semelhante. Algumas foram transferidas para hospitais de Ipatinga e Belo Horizonte. Em comum, as vítimas (entre óbitos e pessoas internadas), são homens, lavradores e a maioria em idade ativa. Apenas uma mulher está entre os casos suspeitos de febre amarela.
Outra informação compartilhada pela Secretaria de Saúde de Caratinga é de que foram encontrados três macacos mortos, além de um quarto que havia sido enterrado há 10 dias; trazendo mais um indicativo de febre amarela silvestre, uma vez que o mosquito tem uma tendência a picar os primatas.
Mas, o caso chama atenção, além do risco para os seres humanos, outra preocupação: ameaça aos primatas saudáveis, por pessoas que desejam “afastar” a doença e acabam entendendo que a maneira mais fácil seja matar estes animais.
Para falar um pouco mais sobre o assunto, o DIÁRIO DE CARATINGA conversou com o biólogo Gleidson de Freitas Oliveira. Ele é professor de Ciências da Natureza e Biologia – Ensino Público Estadual; professor técnico de Meio Ambiente, Recuperação Ambiental e Saúde e Meio Ambiente- Colégio Caratinga (DoctumTec) Rede Doctum de Ensino, além de voluntário na preservação e recuperação da APA Pedra Itaúna (GrupoPedra Mãe).
Onde há ocorrência de febre amarela, geralmente, qual espécie de macaco é mais afetada?
Pesquisas recentes sugerem que macacos, de um modo geral, apresentam grande susceptibilidade ao vírus causador da febre amarela. Não é um fato isolado em uma única espécie de primatas. Saliento que, nestes mesmos estudos, resultados obtidos em macacos do gênero Allouatta – como, por exemplo, o macaco bugio -, doses mínimas de vírus foram suficientes para infecções fulminantes; já os resultados em macacos do gênero Cebus, como o macaco-prego, apresentaram grande resistência (ou seja, adquire o vírus mas não vem a óbito).
Nesta mesma pesquisa, apresentada ao meio científico por meio da Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e Biotemas – 2012; sugere que não só os primatas possuem papel secundário no ciclo de manutenção viral. Animais como marsupiais arborícolas (que sobem em árvores), preguiças e roedores, possam também participar do ciclo de manutenção viral.
Certa vez, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros publicou uma nota técnica afirmando que os macacos “têm um papel fundamental no controle da febre amarela em humanos, desempenhando o papel de ‘sentinelas’ sobre a circulação do vírus”. Você concorda com esta afirmação?
Os “macacos-sentinelas” são primatas de um modo geral que recebem um dado acompanhamento por parte dos pesquisadores, para averiguar a qualidade de sua saúde no ambiente que estão inseridos. Muitos destes encontram-se em áreas de preservação ambiental, que fazem divisas com áreas urbanas; outros em áreas bem preservadas, distantes da área urbana. Pela proximidade, justifica-se o monitoramento. Os dados são coletados, analisados e interpretados. Em um evento onde evidencia a presença da Febre Amarela (ou qualquer outra doença comum a primatas e humanos) realiza-se o monitoramento da região para que a vigilância sanitária tome as medidas cabíveis no controle do avanço da mesma. Do ponto de vista sanitário, os “macacos-sentinelas” são importantes aliados para nós seres humanos – justificando, assim, a afirmação do CNPCP.
Estudos apontam que o Haemagogus, principal responsável pela transmissão da doença, prefere o ambiente claro das copas de árvores. O desmatamento e extinção destes animais acabam forçando uma mudança de hábito nos mosquitos, podendo aproximá-los da população?
Ressalto que “Haemagogus” é um gênero do mosquito que causa um dos tipos de transmissão da Febre Amarela. Isso quer dizer que vários mosquitos deste gênero podem servir de hospedeiro do vírus e contribuir para o ciclo silvestre, sendo o mosquito Haemagogus janthinomys como o principal difusor da Febre Amarela na forma silvestre.
No caso deste último, estudos científicos não registraram atividade significativa do Hg. janthinomys em áreas exclusivamente urbanas. Muitos cientistas concluem este fato mediante as observações oriundas das atividades destes mosquitos serem diurnas, ocorrendo em vegetação nativa de regiões tropicais, podendo ocorrer em estradas de acesso rural, a parques e/ou áreas de preservação ambiental por fazerem divisas com locais contendo estas características. Ou seja, é preciso frequentar o habitat do mosquito (deste gênero) para aproximá-lo categoricamente da população.
A literatura científica salienta que a questão do desmatamento é complexa, muito discutida e pouco estudada neste quesito; não podendo afirmar categoricamente acerca da verdadeira susceptibilidade do mosquito Hg. janthinomys em áreas desmatadas e, consequentemente, aproximando-os da população.
Vale destacar que a preservação das áreas nativas pode contribuir, de maneira qualitativa, para manter esta espécie de mosquito em seu habitat de modo a não oferecer risco. Num município como Caratinga, onde possuímos uma Área de Preservação Ambiental no núcleo urbano, recuperá-la e preservá-la é uma questão ambiental, sustentável e – neste contexto – de saúde pública.
Há uma preocupação das espécies estarem ameaçadas por pessoas que pretendem matar os primatas, com o objetivo de “afastar” a ameaça da doença?
Infelizmente, há relatos desta ação. É preocupante. A ausência de informação correta, bem como dar créditos a boatos, levam pessoas leigas adotarem tais postura (claro que com uma dose de irresponsabilidade). Essa prática é absurda. Chamo a atenção que matar os primatas não erradica a doença. Estudos comprovam que a transmissão do vírus da Febre Amarela pode ocorrer de maneira vertical. Ou seja, o mosquito pode se desenvolver portando já o vírus. Como dito em resposta anterior, estes animais são “sentinelas”, ou seja, por este evento eles podem nos alertar da possibilidade de alguma doença comum a ambos estar aproximando de nós, seres humanos.
Outrora, os primatas em geral, nem sempre manifestam a doença de maneira grave, obtendo êxito imunológico no combate a mesma; não oferecendo risco eminente aos seres humanos. Além disso, a prática de extermínio animal – principalmente primatas – que estão ameaçados de extinção – é crime ambiental, cabe processo e prisão, além de ser uma prática abominável.
De um modo geral, como biólogo, o que você recomenda a partir dessa suspeita da Febre Amarela Silvestre na região, tendo como foco também a proteção das espécies que estão sendo atingidas?
Primeiramente, procurar se inteirar do assunto, por meio de fontes confiáveis (artigos científicos, revistas especializadas, sites governamentais, organizações que promovem pesquisas sobre o assunto, etc.) e profissionais especializados nesta temática. O combate aos vetores silvestres é completamente inviável, por diversas razões ecológicas e ambientais.
Preservar todos os animais em seu habitat, principalmente por servirem de bioindicadores (“sentinelas”) às manifestações desta e de outras doenças. Preservar as áreas florestais, de modo a não proporcionar nenhuma migração dos possíveis vetores à área urbana. Para o ser humano, a vacinação prévia é a melhor profilaxia. Resta o combate ao vetor urbano, Aedes aegypti, (com sucessos e fracassos) que tem sido um grande vilão na transmissão desta e de outras doenças. Observar a ocorrência dos principais sintomas da doença, e tão logo apareçam, buscar auxílio médico.