Reinaldo, eterno ídolo do Atlético Mineiro, esteve em Caratinga. Ele conversou com o DIÁRIO e falou sobre um período de sua carreira, mostrando que além de craque com os pés, é também com as palavras
CARATINGA – Entre sexta-feira (20) e sábado (21), o Clube Atlético Mineiro promoveu uma peneira no estádio Doutor Maninho. E Reinaldo, o maior ídolo da história do clube, fez parte da comitiva. O ‘Rei’, como é conhecido, conversou com exclusividade como o DIÁRIO. Nessa entrevista, ele falou de sua carreira e mostrou ainda opiniões contundentes, provando que além de craque com os pés, é craque com as palavras.
A entrevista aconteceu no saguão do Vinds Plaza Hotel, graças ao intermédio de Jorge Mixidinho. Foi ele que agendou esse bate-papo. E por volta as 18h de quinta-feira (19), Reinado surgiu, de camisa branca, calça preta, boné e máscara. “A coisa tá feia, a gente tem que usar máscara”, disse. Cordialmente ele cumprimentou tocando os punhos das pessoas que ali estão. Recordou de uma amistoso contra o Caratinga nos anos 80, que ficou empatado em 2 a 2, onde ele fez um gol. Também falou sobre Zico, “é meu fã”. Na sequência, sentou-se no sofá e começou a conversar.
Com voz serena, falou sobre o período de 1971, quando chegou ao Atlético, até 1982. Claro que o tempo urgiu e nossa entrevista durou 13 minutos e 33 segundos. Não deu pra falar sobre toda sua carreira. Mas deu pra percebeu que José Reinado de Lima, nascido em Ponte Nova em 11 de janeiro de 1957, está de bem com a vida. Afinal ele é o ‘embaixador’ do clube que tanto honrou em campo. E convenhamos, não existe ninguém melhor para essa função do que ele.
Qual o motivo de sua vinda à Caratinga?
Viemos para fazer observações de alguns garotos, porque o Baiano (técnico de futebol) trabalha na categoria de base do Atlético e temos esse radar para ver os jogadores não só em Minas, mas como em todo o Brasil. Desta vez a gente vem à Caratinga e depois em Conceição de Ipanema com o objetivo de observar garotos com idade de 11 a 15 anos, identificando a qualidade e talento desses jogares, o Baiano vai conduzir esses jogadores para categoria de base do Atlético. Eu participo como coordenador. A esperança é muito grande. Sou próximo daqui e sei que a região tem bons jogadores. Já joguei aqui em Caratinga e então a gente espera ter bastante surpresa, bastante alegria com os meninos e se Deus quiser, a gente pode tirar um garoto para ser futuramente um ídolo Galo. Então, é uma alegria estar aqui para fazer esse trabalho.
E como foi sua peneira?
A minha peneirada foi ferro-quente, porque saí de Ponte Nova e fui indicado para fazer o teste no Atlético. Cheguei no dia 8 de setembro de 1971 para fazer o teste na categoria juvenil. Por coincidência o treino foi na Vila Olímpica, só que foi contra o profissional, o time que foi campeão brasileiro de 1971. Estava chegando e fiquei na reserva. Aí nos 20 minutos finais do treino que eu entrei, então fiz gol, dei dribles, dei caneta (risos). Terminando o treino o Barbatana e o Telê, que era o técnico do profissional, me chamaram e falaram ‘vai em Ponte Nova buscar os documentos e assinar o contrato’ (risos). Então foi um teste muito rápido, 20 minutos.
Você falou dos dribles que deu em sua peneira. As pessoas diziam que você estava a três segundos antes dos zagueiros em raciocínio. Como era isso?
Na preparação o jogador em sua posição apoia-se num tático. Exemplo, o ponta vai no fundo e a gente sabe onde a bola vai. Eu observava muito o marcador, o adversário. Quando a bola estava chegando, se o adversário vinha a gente tocava a bola, se não vem, dominava. Então os beques chegavam atrasados e ficava mais fácil.
Já que mencionou o Barbatana, vamos falar daquele time de 1977. Você foi o artilheiro daquele campeonato com 28 gols, recorde que perdurou durante muito tempo, e até hoje sua média de gols é a maior em um campeonato brasileiro. Como foi formado aquele time?
A maioria era da base. Jogamos juntos no juvenil e fizemos um time jovem, rápido e muito bem treinado. A gente tinha todo o entrosamento e tinha um esquema de jogo que a gente praticava no juvenil, então considero um dos melhores times do Atlético.
E não foi campeão devido ao regulamento?
É verdade. No campeonato de 1977, no qual eu fui artilheiro fazendo gols em todos os jogos, certamente eu faria o gol da final, o gol do título. Nós fomos vice-campeões invictos. Me tiraram da final, isso foi mais uma articulação do poder superior, poder de CBF (à época chamada CBD – Confederação Brasileira de Despostos). Os militares da ditadura, eu tinha dado uma entrevista e fui punido para não jogar a final. Tirou o brilho da final e nós perdemos. Isso foi uma armação na CBF com a ditadura militar que me tiraram da final. Foi uma grande injustiça no futebol. Não deixar eu, como artilheiro do campeonato, fui expulso há um ano, ser punido de não jogar a final, porque se não faria o gol do título.
Na preparação para Copa do Mundo de 1978, no dia 1º de maio, houve um amistoso contra o Peru no Maracanã. Você estava no banco de reservas e quando entrou foi aplaudido por todo o estádio. Conte-nos como foi restante do jogo?
Foi um dos últimos jogos preparatórios para a Copa do Mundo na Argentina. Eu estava na reserva, o Cláudio Coutinho (na ocasião, técnico da seleção brasileira) me colocou no jogo e meti dois gols. Logo nas primeiras bolas meti um gol e depois fiz o outro. Aquilo assegurou, carimbou o meu passaporte para a Copa do Mundo. Jogar no Maracanã e vestir a camisa da seleção, realmente foi um dos grandes momentos, grande emoção.
Já na Copa do Mundo de 1978, você fez gol contra a Suécia e era o titular, depois saiu do time. Acha que houve interferência da cúpula da CBD junto ao Cláudio Coutinho?
Sim, teve. O almirante Heleno Nunes era o presidente da CBD, ele pegou o voo no Brasil e assim que chegou na Argentina, ele mudou o time. Me tirou o time e também o Zico e Cerezo. Tinha uma hierarquia militar na comissão da seleção brasileira na Copa de 78.
Essa Copa foi num período conturbado na América do Sul. Muitos países vivia sob ditaduras. Existem muitas teorias sobre o jogo entre Argentina e Peru, vencido pelos donos da casa por 6 a 0. Uma delas que o general Jorge Videla, presidente da Argentina, teria feito um acordo com o presidente do Peru, Francisco Morales-Bermúdez, para que os peruanos entregassem o jogo em troca de um carregamento de trigo. Você acredita nessa teoria?
Numa ditadura tudo é possível. General Videla ia aos jogos. Teve esse jogo contra o Peru e que o goleiro era o Quiroga, que era argentino naturalizado peruano. Depois foi comprovado que houve uma negociação nesse jogo. A Argentina precisava ganhar de uma diferença de quatro gols e fez seis. É mais uma vergonha do futebol.
Já em 1980 e 1981 houve dois jogos contra o Flamengo que foram marcantes. Você acredita que teve interferência externa nessas partidas?
Também teve. Sou o maior artilheiro nos jogos entre Atlético e Flamengo e sempre fiz gols no Flamengo. O treinador Cláudio Coutinho gostava do meu futebol. Nessa final do campeonato brasileiro no Maracanã, onde fiz os dois gols, o empate daria o título para o Atlético. Teve um lance onde o juiz deu um impedimento que não houve, tirando um gol que seria legítimo do Atlético. Ele deu um impedimento errado e ainda me expulsou de campo. Isso criou um tumulto muito grande. Depois expulsou nosso treinador e o Chicão. Ficamos com nove homens em campo e o Flamengo acabou fazendo o terceiro gol e ganhou o título dentro do Maracanã. Claro que teve influência na arbitragem, nos bastidores e em todo o lugar. O mesmo aconteceu também em 1981, no Serra Dourada, pela Libertadores.
Ainda e 1981, você foi titular nas Eliminatórias e depois houve uma excursão pela Europa e você jogou contra Inglaterra e França, fazendo gol contra os franceses em amistoso no Parc des Princes. Ali você pensou que estaria na seleção para a Copa de 82, na Espanha?
Nessa excursão fiz gol contra a França e também contra a Inglaterra, que foi anulado erradamente. Achei que seria convocado para a Copa do Mundo, aí o Telê Santana fez outra opção. Ele poderia fazer inscrição um tempo antes de 40 jogadores. Então fiquei de fora da Copa de 82.
Interessante que logo após a Copa de 82, o Atlético Mineiro fez uma excursão pela Europa e venceu os torneios de Paris e Bilbao. Você foi o destaque. Foi uma forma de dizer que estava bem e merecia ter ido à Copa na Espanha?
Sobre 82 foi simplesmente a preferência do treinador. Eu estava bem. Continuei jogando normalmente, ganhamos esse torneio de Paris. Ainda nas Eliminatórias fiz gol que classificou o Brasil, mas na hora da convocação final fiquei de fora.
E sobre suas comemorações, o punho erguido em referência aos Panteras Negras. Hoje no futebol brasileiro caberia esse tipo de comemoração?
A comemoração do punho direito cerrado foi utilizada pelos Panteras Negras. Os negros americanos sofreram todo o tipo de preconceito. Era justamente para a gente despertar a atenção e combater o racismo, combater esse desrespeito humano. Então o objetivo era esse, combater esse racismo que existe em nosso país. Esse gesto ficou marcado. Hoje os jogadores tem vários tipos de comemoração, são todas legítimas, justas. A hora do gol há uma emoção tão grande que você tem que ter a liberdade para expressar e comemorar essa alegria.
E para aquele garoto que vai fazer teste numa peneira. Qual o seu conselho?
Não tem que ter preocupação, somente jogar aquilo que você sabe. Pode ficar tranquilo que no nosso caso, estamos observando. Podem ficar tranquilos se preparem porque tem jogo.
- Reinaldo fala com exclusividade ao DIÁRIO e repete o gesto que marcou sua carreira
- Jorge Mixidinho junto do Rei. Foi Jorge quem viabilizou essa entrevista
- O gesto feito por Reinaldo ao comemorar a marcação de um gol foi criado pelos Panteras Negras, grupo que lutava contra o racismo nos Estados Unidos. Esse mesmo gesto já tinha sido feito por Tommie Smith e John Carlos, atletas dos 200 metros rasos dos Estados Unidos, que ficaram, respectivamente, com as medalhas de ouro e bronze da prova na Olimpíada de 1968, na cidade do México. É considerada até hoje como uma das atitudes mais emblemáticas de toda história olímpica (Fotos: Arquivo EM e Angelo Cozzi/Mondadori Publishers)
- Reinaldo acompanha a peneira do Galo no estádio Dr. Maninho
- Reinaldo em partida contra a Suécia pela Copa de 1978, na Argentina. O jogo ficou empatado em 1 a 1 e Reinaldo fez o gol do Brasil (Foto: Arquivo)
“Reinaldo, bom de bola e bom de cuca”
Reinaldo obteve marcas históricas dentro de campo. Como no campeonato brasileiro, quando fez 28 gols em 18 partidas, média 1,55 por jogo. Até hoje essa média não foi superada. No entanto, também ficou conhecido por sua postura fora de campo. A matéria, escrita por Idelber Avelar, e publicada pela jornal O Estado de São Paulo, de 13 de maio de 2018, intitulada “Reinaldo, a Copa de 1982 e a ditadura militar”, diz: “A partir do segundo semestre de 1977, Reinaldo passou a defender publicamente eleições diretas, a anistia e o fim da ditadura militar. Sob o título “Reinaldo, bom de bola e bom de cuca”, o jornal Movimento, ligado à oposição de esquerda à ditadura, estampava Reinaldo na capa da edição de 06 de março de 1978. Foi o suficiente para que o Almirante Heleno Nunes, Presidente da Confederação Brasileira de Desportos, que em janeiro de 1978 havia saudado Reinaldo como a grande revelação da Seleção, declarasse que “Reinaldo não possui as condições físicas exigidas por uma competição de alto nível”. Ficou clara a manobra de Heleno Nunes, que tentava excluir Reinaldo da Seleção Brasileira na Copa de 1978, num momento em que um dos maiores centroavantes da história estava em seu auge”.
Isso mostra o quanto Reinaldo pagou caro por ter opiniões firmes.