A glória da ressurreição começou com a tristeza da cruz. Antes da alegria da Páscoa, temos de viver o sofrimento da Paixão e Morte de Jesus. É hora, pois, da cruz. Não uma cruz vazia, mas uma cruz sobre a qual morreu o Cristo em cumprimento à vontade do Pai. É hora de meditarmos na morte dolorosa – entre sangue, açoites e espinhos – do Filho de Deus, e buscar entender o verdadeiro significado de Sua entrega generosa. E, assim, com piedade, ressuscitarmos com Ele.
Para melhor lembrar os sofrimentos de Jesus e ter presente o motivo de nossa salvação, seria oportuno ler Marcos 14- 32,72, e 15- 1,47. Também em João 19- 17,42.
A cruz é a causa de nossa salvação. E, nessa hora da cruz, devemos mergulhar no símbolo para chegar à essência. Como nos ensinam os grandes santos, temos de ver, olhar com os olhos da fé, contemplar com um coração a bater junto ao Coração Misericordioso, que ferido com a lança, deixou-se derramar em forma de água e sangue.
A cruz é o símbolo da Igreja. É uma árvore que com o braço vertical une o céu e a terra, e com o braço horizontal reconcilia entre si os povos do mundo.
Neste tempo de Semana Santa é oportuno ler um trecho do primoroso sermão de Dom Duarte Leopoldo e Silva proferido em 1917, há cem anos, portanto, mas que continua vivo e atual pelas verdades contidas nele. “O’ meu crucifixo! Pobre e humilde, banhado de minhas lágrimas na adorável penumbra de minha cela. Como brilhas tu, iluminando-me a vida e a morte, o sofrimento e a alegria, a terra e o céu, o tempo e a eternidade! Catecismo dos simples, suma teologia para os sábios, tu és um livro luminoso, todo invadido da presença de Deus. Tua voz me instrui como o calor de uma chama e com a doçura de uma unção. Repreende e consola, fortalece e santifica. Tu me dizes a que extremos inatingíveis levaste o Teu amor por mim, por mim pessoalmente, como se eu – e mais ninguém – fora objeto de Teu Amor. Amor imolado, Amor sacrificado, Amor crucificado. Como é belo e consolador o meu crucifixo! Tu me mostras a imensidão dos meus pecados, mas, acima de tudo, tu me abres o céu como prêmio e recompensa de Tua Paixão.” Vejamos: a dor é de Cristo, e a recompensa é nossa.
Santo Agostinho afirmou que uma lágrima que se derrama na contemplação do Senhor Crucificado vale mais que uma peregrinação a Jerusalém e um ano de jejum a pão e água. Isso porque sentir verdadeiramente a dor de Cristo, é sinal de arrependimento, gratidão e fé. Foi na contemplação do Crucificado que muitos santos desejaram corresponder ao amor divino. Certa vez, São Tomás de Aquino perguntou a São Boaventura de que livro ele mais se servia para escrever coisas tão belas. São Boaventura mostrou-lhe o crucifixo e respondeu: “Este é o livro do qual tiro tudo o que escrevo.” São Paulo exclamou: “Não quero considerar-me conhecedor de outra coisa a não ser de Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (Cor 1- 2,2).
Celebrar a cruz de Cristo e entender Sua Paixão e Morte é entender a certeza da vida. Muitas vezes interrogamos: por que Jesus tinha de sofrer? A resposta é profunda e somente Deus pode dá-la, pois pisamos no terreno insondável da vontade divina e do seu projeto de redenção realizado por Cristo. Nem Deus, nem Jesus queriam a Paixão dolorosa. A validade dessa dor tem um entendimento superior: a salvação dos homens amados por Deus. Verdade central de nossa fé: Deus amou tanto o mundo que entregou Seu próprio Filho. E Jesus aceita o plano do Pai: “Não se faça a minha vontade, mas a tua.” Jesus não só entregou ao Pai o Seu espírito, mas nos entregou também o Seu espírito, o Espírito Santo.
A cruz nos ensina a aplicar a dor de Cristo em nossa vida, abraçando a cruz de cada dia. Saber transformar nossas derrotas e dores em vitória e bem, comungando o Cristo Crucificado. Lembrar que toda amargura por que passamos, muitas vezes é preparação para dias melhores. Sofrer com a mesma paciência e fé com que Jesus sofreu é preparar a alma para a Ressurreição. A Páscoa virá logo, trazendo-nos não só uma passagem do Senhor, mas uma permanência dEle em nossa vida!
Marilene Godinho