Estava no outro dia a pensar por que os livros — pesados, impressos e assassinos de árvores, surdos por não se moverem ao nosso mando — crescem diariamente em torres por muito que compremos eBooks para o Kindle? Não é só por não conseguirmos ler eBooks nos iluminados e cansativos tablets e telemóveis (telefones celulares), mas também porque gostamos do cheiro do papel, do ritual da marcação de os fecharmos quando estamos cansados de os ler e principalmente de mais tarde olhar a lombada e reler passagens para nos avivar a memória.
Por que é que ouvimos músicas através de estações de rádio (vivas ou da internet, empresas de streaming ou CDs) sem a mesma ocupação espacial? Ler não distingue entre o livro e o Kindle. O livro é bom; o Kindle também. A certa altura, que já passou, as pessoas que gostam de ler esqueceram-se de onde estavam a ler. Ainda bem.
Na música — onde vigora o excelente sistema das sociedades de autores —, as heroínas e os heróis que protegem os autores tornaram-se amigos. A música pode ser muito partilhada, mas é criada por uma, duas ou três pessoas e por vezes centenas de pessoas. Os livros são quase sempre de um para um, ler dificilmente é uma ação em grupo, exceções feitas em encontros como os que temos nas quartas-feiras em torno do livro mais lido de sempre, ou quando o padre ou pastor leem para seu rebanho. Os livros são lidos em silêncio. Atiram-se aos nossos olhos, como faíscas, devoramos cada palavra de forma intimista. As músicas são mais como respirações. Facilmente se imagina morrermos por falta de oxigénio. Facilmente se imagina que daqui a pouco tempo se possa ler tudo em streaming também.
É muito mais fácil cada um ter todas as bibliotecas nacionais no equivalente livresco do Spotify do que ter as músicas. Teríamos a mesma a mania de comprar livros para ter em casa. As únicas barreiras são as do costume: preconceitos, resistências, defesas teimosas de feudos. Existem mesmo os que compram livros a metro para preencher as prateleiras quanto mais bonitas são as encadernações, muitas vezes sem dar atenção ao conteúdo.
É pena. Faz falta um sistema para podermos partilhar todos os livros do mundo. A geração futura por certo fará isto acontecer.
João Abreu é natural de Angola, mas tem nacionalidade portuguesa. Ele reside em Caratinga e é empresário com formação em Marketing.
E-mail para contato: jsabreus@hotmail.com