Após polêmica, Câmara rejeita projeto de lei sobre banheiros neutros em São Seba

SÃO SEBASTIÃO DO ANTA- Repercutiu na cidade de São Sebastião do Anta o projeto de lei de autoria do vereador Renato José Gonçalves, o ‘Renato da Agricultura’ (MDB), que propõe a obrigatoriedade de a prefeitura disponibilizar nos prédios públicos municipais, sendo além da sede do executivo, unidades de saúde e escolas com oferta de Ensino Fundamental, banheiros neutros.
Como justificativa, o vereador apresentou o objetivo de proteger a população em geral de “eventuais constrangimentos na preferência de ambiente adequado para atender a cada cidadão em suas necessidades fisiológicas naturais”.
Banheiro neutro ou banheiro multigênero é um sanitário de uso comum, não direcionado a um público específico. Pelo País, tramitam inúmeros projetos de lei até mesmo nas esferas estaduais e federais, para instalação destes banheiros, dos quais ativistas argumentam ser uma forma de garantir acesso sem constrangimento a, por exemplo, pessoas trans; não-binárias, ou seja, que não se identificam como homem ou mulher ou intersexos, que são, por exemplo, pessoas que nasceram com ambos os órgãos genitais. A intenção é diminuir a violência a pessoas que não se enquadram ou não são aceitas em espaços que já são usualmente utilizados, como os banheiros separados em masculino e feminino, por homens e mulheres cisgênero, que são aquelas pessoas que se identificam completamente com o seu gênero de nascimento.
Se nas grandes cidades o assunto causa bastante polêmica e muito debate, em São Sebastião do Anta, município de 6.697 habitantes, os questionamentos são ainda mais intensos, principalmente, devido ao fato do projeto envolver espaços que acolhem crianças. Tamanha a repercussão, o projeto que foi aprovado em primeira discussão na última segunda-feira (18), ao ser apresentado em segunda discussão nesta quarta-feira (20) foi rejeitado por todos os vereadores.
A reportagem esteve na cidade e conversou com o presidente da Câmara, Sebastião Custódio de Melo, o ‘Tatão Custódio’ (PSDB); o vereador Elias Vieira Pinto, o Preto Pacheco (PSDB) e a conselheira tutelar Ivanete Moreira de Araújo. Inicialmente, o DIÁRIO havia sido informado que o projeto tinha sido retirado de pauta e a reunião cancelada, no entanto, o Legislativo se reuniu com presença intensa da comunidade.
VEREADORES
O presidente da Câmara Tatão Custódio justificou o porquê o projeto havia sido aprovado em primeira discussão. “Eu estava de viagem para São Paulo, cheguei domingo à noite, naquela correria, teve reunião segunda-feira. Cheguei na Câmara, conversei com a minha assessoria, perguntei como estava, disse que estava tudo ok. Câmara cheia, não deu para a gente olhar direitinho as coisas, conferir, era muita coisa acontecendo e passou no piscar de olhos a votação daqueles banheiros. Mas, pode ficar tranquilo, Deus ajudando, o que eu puder defender nosso povo de São Sebastião do Anta vou fazer, se eu errar vocês me cobram, que eu corrijo. Conformo que eu errei, mas, peço perdão. Desculpa a todos”.
Já o vereador Preto Pacheco disse que também não concorda com o projeto. “Eu não recebi esse projeto em minha casa, fui saber depois que passou a reunião, pois, eu não compareci, estava com problema pessoal. Fiquei sabendo pelas redes sociais e achei muito estranho esse projeto. Acho que o principal tem que ser a população, não pode colocar um projeto desse antes de ouvir a população. Por mim nem volta mais um projeto desse que sou contra mesmo. Não deve ter de jeito nenhum, esse é o pensamento de todos que tem filhos e filhas”.
CONSELHO TUTELAR
Ivanete Moreira também desejou apresentar o posicionamento do Conselho Tutelar em relação ao projeto dos banheiros. Ela disse que procurou o Ministério Público para saber o ponto de vista jurídico desta questão. “Quando ficamos sabendo assustamos. Fomos até a Câmara Municipal para entender mais o objetivo do projeto. Como conselheiras tutelares que defendemos o direito da criança e do adolescente, corremos atrás para saber se realmente já existe uma lei aprovada no STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito disso. Comunicamos o nosso promotor Dr. Igor da comarca de Inhapim, assim que ele recebeu a notícia ele nos ligou imediatamente comunicando que isso não pode ocorrer de forma alguma, principalmente instalar banheiros neutros em escolas onde há crianças e adolescentes. De imediato quando você faz um banheiro neutro as crianças não têm ainda discernimento do que é o certo e errado. A escola está ali para ajudar a incrementar ali o que a criança pode discernir futuramente”.
Para Ivanete, este projeto não poderia ter sido aprovado em São Sebastião do Anta. “O promotor nos informou que isso estava em discussão no STF. Como estava surgindo uma discussão muito grande eles cancelaram esse projeto e nem lá foi aprovado. Então, se automaticamente de cima, do estado, do governo federal, não foi aprovado, como em uma cidade pequena um vereador poderia fazer esse projeto?”.
Ela ainda aproveita para defender o trabalho do Conselho Tutelar e reiterar que o órgão é contra a proposta do Legislativo. “Nós estamos aqui para defender e muitas vezes as pessoas acham que o Conselho não faz nada. Fazemos muita coisa, porém é sigiloso. Convido a comunidade, que venha até a sede, vamos ter o maior prazer em mostrar nosso trabalho. Nós lutamos, o Conselho Tutelar é completamente contra essa lei que o senhor vereador quis implementar no nosso município. Ficamos chocados porque sete vereadores votaram a favor. A partir do momento que você vota em um vereador está passando a confiança plena nele, quer que ele cria projetos em benefício da sociedade e, principalmente, criança e adolescente”.
Ivanete ainda sugeriu algumas áreas que merecem mais atenção por parte dos vereadores. “Precisamos muito de vários projetos voltados para a área da educação, saúde. Eu perguntaria muito claramente aos nossos digníssimos vereadores, será que além desse projeto não teria mais projetos em benefício da sociedade? A nossa área da Educação está perfeita? o transporte escolar está em dia para fazer esse outro projeto? Nós aqui do Conselho Tutelar pedimos já diversas vezes um psicólogo, pois não temos um que atenda as crianças até antes dos 12 anos, somente após esta idade. Eles falam que não tem recurso. Então, estamos carentes nisso. Como vai criar um projeto que vai acarretar despesas para o município?”.
Outra questão que a conselheira destaca é a estrutura que existe para os banheiros convencionais das escolas “Queria saber se o vereador que criou esse projeto já foi na escola e observou os banheiros. É um banheiro com uma porta, com vários banheiros e repartições. Não estou criticando a ideia dele em si, apesar que quando ele faz um banheiro pode ocorrer muita coisa ali dentro. Uma criança não sabe se expressar, não sabe ler, que sabe falar assim esse banheiro aqui é para aquele que se sente digamos excluído, porque no projeto ele diz que é para pessoas que se sentem constrangidas perante a sociedade”.
Ivanete Moreira ainda enumera todos os questionamentos apresentados pelo Ministério Público.  “O promotor citou que primeiramente é um projeto que está em discussão ao Supremo Tribunal Federal, um recurso extraordinário, acolhido pelo tema de repercussão geral, cujo julgamento está suspenso. Então não deveria nem ter ocorrido essa aprovação em primeiro turno em São Sebastião do Anta, que foi na segunda-feira que eles colocaram sendo aprovado por praticamente unanimidade, só um vereador que não estava no local”.
Por fim, ela apresentou outras questões que o MP acredita que devam ser consideradas. “Ele ainda nos orientou a questionar aos vereadores de que a aprovação de banheiros sem gênero notadamente para crianças e adolescentes ignora a segurança física, sexual, se tratando de abusos, assédios, violência sexual em geral. E o banheiro unissex, que são os banheiros neutros é sabidamente mais anti-higiênico e devemos questionar nossos representantes o porquê desse projeto. Há demandas concretas de crianças e adolescentes trans, intersexo ou assemelhados no nosso município? Já ocorreu alguém ter sofrido esse preconceito para construir este banheiro? E a demanda implicará em gastos, despesas, será que não tem mais nada precisando no nosso município?”.
Procurado, o vereador Renato, autor do projeto, não quis se pronunciar.
A Prefeitura de São Sebastião do Anta se pronunciou por meio de nota, reproduzida na íntegra nesta reportagem.