*João B. A dos Reis
Quando penso que cheguei a falar no mistério, que continua mistério, do cérebro eletrônico, só posso dizer como a gente dizia lá em Recife: Virgem Maria! … Clarice Lispector. Cérebro eletrônico: o que sei é tão pouco
O que me chamou a atenção? Fora o brilho de uma foto na tela do meu computador sobre os movimentos de protestos na França refletidos no Brasil, em maio de 1968? Tratam-se de uma “revolta comunitária” ou fora “a reivindicação de um novo individualismo”? Eis a questão. Nas palavras do filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como representante do existencialismo. Militante, apoiou causas políticas de esquerda em vida e em toda sua obra, Jean Paul Sartre (1905-1980) – testemunha ocular dos acontecimentos, confessou dois anos depois, que: “ainda estava pensando no que havia acontecido e que não tinha compreendido tudo muito bem…”citando Emerson Santiago em O ano de 1968, que me esclareceu suficientemente. Não fora apenas sobre a guerra do Vietnã, ou sobre a arte dos Passolini, Antonioni, Glauber Rocha, Truffaut ou Bernardo Bertolucci, afirmo que fora bem mais.
Por incrível que pareça, não foram totalmente conclusivos, também, os atuais manifestos e as publicações de apoio e homenagens aos guerreiros das avenidas parisienses. Pensando melhor, o momento me chamara mais a atenção de um modo geral, principalmente, aos aspectos relativos ao vencer o medo pelo manifesto, dos protestos das questões causais da ciência e da tecnologia, da contracultura, para todos nós permanecermos vivos (principalmente, o caso norte-americano). Enfim, o vazio e a escravidão do pensar reinantes naquela época.
Então, ouvindo a voz da razão, debrucei-me na busca através da leitura de um texto de Thaís Torres de Souza (http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/c00012.htm#_ftnref23), sobre uma crônica no Jornal do Brasil de 13 de julho de 1968, em que Clarice Lispector, demonstrava interesse pelo tema Inteligência Artificial, apesar de admitir não ter conhecimento suficiente para falar do assunto. Mesmo com esta dificuldade, a crônica foi feita, ainda conforme o mesmo texto a atividade de Clarice, nesse caso, destinava-se ao objetivo comum dos cronistas: dar a um fato corriqueiro, o de não saber sobre Inteligência Artificial, uma interpretação não-convencional. Se Clarice não pode ser caracterizada como cronista porque é incapaz de tecer comentários sobre este assunto, ela o é ao transformar a realidade e dar ao cotidiano outro sentido que foge das interpretações comuns, e acabo parafraseando Souza (2015) nesse parágrafo.
Assim, além da prosa de Clarice, adentrei-me aos relatos sobre a Inteligência Artificial técnica e histórica em SANTOS, Marco Aurélio da Silva. “Inteligência Artificial”; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/informatica/inteligencia-artificial.htm>. Nele o autor cita que: “A inteligência artificial é um ramo de pesquisa da ciência da computação que busca, através de símbolos computacionais, construir mecanismos e/ou dispositivos que simulem a capacidade do ser humano de pensar, resolver problemas, ou seja, de ser inteligente. O estudo e desenvolvimento desse ramo de pesquisa tiveram início na Segunda Guerra Mundial”. Os principais idealizadores entre os anos 50 e 60 foram os cientistas Hebert Simon, Allen Newell, John McCarthy e vários outros, que, com objetivos em comum, tinham a intenção de criar um “ser” que simulasse a vida do ser humano.
Refiro-me, agora, retornando aos temas computação e simulação nos idos de 1968 e retornando à crônica de Lispector “Cérebro eletrônico: o que sei é que é tão pouco”, na qual ela retratava questionando sobre a arquitetura do hardware refletir uma questão, na sua prosa relativa ao discurso de que “Os dados da pessoa ou do fato estão registrados na linguagem do computador (furos em cartões ou fitas). Daí vão para a memória: que é outro órgão computador…” -, a forma de processamento – “a partir de um desenho feito em um papel magnético a máquina (ou o cérebro) pode reproduzir em matéria de desenho…” etc. (|SOUZA, 2015) Ainda com intuito de integrar a pesquisa aos comentários atuais, cito dados da imersão que fiz na crônica especial de Pedro Doria em um especial para O GLOBO, de 27.5.2018, p. 44. 1968: O ano que não terminou – 50 anos depois. Vide mais em TURNER, Fred. The Democratic Surround: Multimedia and american liberalism from World War II to the psychedelic sixties, 2013.
As leituras me inspiraram, principalmente os relatos do pensar livre e sobre as novas formas de investimentos de capitais de riscos terem sido de extrema importância para aqueles jovens nerds pioneiros, criadores do atual universo cibernético. Daí Doria (2018) afirma ter sido o evento mais importante daquele ano que não acabou, relembrando o lançamento do primeiro mouse e os dois cliques tradicionais, quando, então, o professor Douglas C. Engelbart (1925-2013) ligou seu computador a um telão e abriu uma janela (window), clicou um link em um slide para ensinar como fazer uma lista de compras, no dia 9 de dezembro de 1968 (às 16:00), no Civic Auditorium, em São Francisco, no campus da Universidade Stanford.
A evolução do mouse é uma história à parte, muito além do que contamos até agora. As origens dos precisos modelos atuais de computadores, internet, telefonia e mídias eletrônicas, podem ser encontradas no “X-Y Position Indicator for a Display System” (Indicador de posição X-Y para um sistema de exibição), criado pelo citado cientista Doug Engelbart em 1963, tratavam-se de cartões perfurados e mouses de madeira: conheça a origem do PC no Brad Chacos, PCWorld USA.
Entre os variados eventos, fatos, revoluções, modismo e diversidade em 1968, todos eles, explodiram em fortes ondas, ora iluministas ora minimalistas, divisores de águas, ou, sobre a falência de um modelo carcomido, que por acaso teve um novo amanhecer cultural e tecnológico. Era um final de década ainda contaminado e continuou pela divisão do mundo em dois polos: o capitalista e o comunista, nesse caso, as escolhas dos jovens dos quatro cantos do planeta eram ou ser pró-governo, anticomunistas, estudantes de tempo integral para fugir da convocação para a guerra, pelo menos, no Vale do Silício, ou fugindo da ganância material enfileiravam a contracultura – os hippies e os gênios de uma pressuposta nova tecnologia (embriões de uma nova revolução industrial e da comunicação) etc.
Mudanças, factualmente, faziam-se necessárias para efetivar a libertação da obscura tendência do Pós Segunda Guerra Mundial, apesar da florescente inspiração da ciência e tecnologia dela proveniente. Aí, surgem os microprocessadores, ou seja, a solução no universo micro inserido no universo macro? Não sei. Mas, naturalmente, está presente na realidade contemporânea. Forçosamente nos tornamos ciborgs cuja linguagem e modos retratam a simulação desejada pela cibernética, modernidade, tendências etc. Confirmou-se a profecia do pós-humano: a união entre a contracultura e a cibercultura.
Após décadas de pesquisas pela conduta científica conjugadas às habilidades técnicas, jovens cientistas, intentaram simular o pensamento humano – a idealização de um cérebro artificial –, o computador. Tudo isso mais parecia, a gosto da época, que as mentes se afastavam do centro do corpo dos meios e eixos dos planos reais, dividindo o corpo em duas partes simétricas, devido aos costumes da contracultura parecia uma conspiração alienígena, abduções. 50 anos após toda essa celeuma criativa volta a rondar o imaginário coletivo histórico que, na época, fechava-se esse ciclo com a alunissagem da missão Apollo 11; e o astronauta Neil Armstrong (1930-2012) se tornara a primeira pessoa a caminhar na Lua, em 16 de julho de 1969.
* João B. A. dos Reis – Doutor e Mestre em História da Ciência – PUC/SP. Pesquisador em Filosofia, Epistemologia e História da Ciência. Físico, Especialista em Meio Ambiente e Gerenciamento de Recursos Naturais FAFIC/UFMG. Pesquisador e Professor do Ensino Superior – UNEC/Caratinga-MG
Mais informações sobre o autor, acesse: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4700987P7