Violência Doméstica e a perda do Poder Familiar

Uma boa novidade no combate à violência doméstica. Em 24 de Setembro (2018) foi sancionada a Lei nº 13.715, que dispõe sobre a hipótese de perda do poder familiar pelo autor de determinados crimes contra quem possui o mesmo poder familiar, ou contra os filhos, tutelados ou curatelados.  Ou seja, na prática, se um pai, ou mãe, for condenado por crimes contra o outro, ou contra os filhos, além das penas próprias do crime, perderá também o poder familiar sobre os filhos ou dependentes. Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa dos filhos menores, sobretudo guarda e educação.  Perder tal atributo é, sem sombra de dúvidas, a mais drástica das consequências, possibilitando inclusive a adoção deste menor por terceira pessoa. Nada mais natural que retirar o poder de quem se mostra inapto a exercê-lo.

A novidade trazida na lei sancionada significa retirar do genitor que comete, por exemplo, feminicídio o poder familiar em relação ao menor cuja mãe era a vítima daquele crime.

Assim, passa a ser causa de destituição do poder familiar do pai ou da mãe que praticar contra filho, filha, outro descendente ou o outro pai ou mãe:

  1. a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
  2. b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.

Nestes casos não é necessário mais o ajuizamento da ação de destituição do poder familiar ou de destituição do curador ou tutor.  O próprio juiz criminal já tornará as pessoas incapazes para o exercício deste poder, necessitando constar da sentença a razão pela qual está decretando a incapacidade. Evidentemente que a parte interessada e o próprio Ministério Público poderão requerer a aplicação deste efeito da sentença criminal, que repercutirá, após transitada em julgado a sentença criminal, na esfera cível.

O objetivo da norma é evitar que condenados pela prática de delitos que contrariam a natureza do poder familiar mantenham seu exercício em detrimento dos interesses de quem está submetido a esse poder.

Na forma do art. 1.634, CC aquele que não detém o poder familiar não poderá, por exemplo, ingerir na criação e educação dos filhos menores, nem exercer guarda ou reclamar os filhos de quem ilegalmente os detenha. Se o genitor demonstra ter comportamento agressivo ou manipulador a ponto de caracterizar-se a violência doméstica delineada pela Lei Maria da Penha, justifica-se a destituição do poder familiar de forma a resguardar o melhor interesse do menor, de acordo com o art. 227, caput, CF e art. , ECA.

Ressalte-se que, no caso da destituição do poder familiar, o genitor não se desobriga de pagar alimentos, assim como o filho não perde seu direito sucessório, senão isto representaria verdadeira premiação para o genitor agressor.

A referida lei não trata apenas de hipótese de perda do poder familiar os casos de feminicídio ou violência doméstica contra a mulher. Caso a mulher mate ou tente matar o pai de seus filhos, de igual forma pode vir a ter decretada contra si a perda do poder familiar.

Pela redação anterior do art. 92, II, CP, só ocorreria a perda do poder familiar quando o crime fosse cometido contra o próprio filho, tutelado ou curatelado. Assim, um pai que estuprasse a filha de 8 anos, poderia perder o poder familiar em relação a ela, mas manteria em relação às outras filhas menores de idade. Agora, com a alteração legislativa, houve uma maior proteção dos incapazes, resguardando seus interesses de bem viver e desenvolver, punindo com maior gravidade e fora da seara criminal aquele que praticar este tipo de crime em face da pessoa com quem divida o encargo.

Excelente novidade, esta que deu competência ao juiz criminal para decretar a incapacidade para o exercício do poder familiar, curatela ou tutela, eis que, primeiro: quem pratica tais atos não podem mesmo exercer o poder familiar, a curatela e a tutela. Segundo: era de difícil compreensão admitir que, depois de uma sentença criminal, a questão ainda tinha que ser debatida na Vara da Infância ou Juventude ou na Vara de Família, enquanto o agressor mantinha sob seu poder a própria vítima ou os outros filhos. Imagine um pai, condenado por estupro de uma filha, mantendo o poder familiar e a guarda de outras filhas ou filhos. Absurdamente inimaginável.

Em tempos de intolerância e machismo, o legislador ouviu o clamor da sociedade e trouxe mais uma garantia em especial à mulher vítima de violência doméstica, mais um motivo para não deixar de registrar sua ocorrência policial e levar os fatos ao conhecimento do Judiciário. Paremos nós de tentar resolver fatos tão graves dentro de quatro paredes. É caso de segurança e de saúde públicas. E nisso devemos sim meter a colher.

 

 

Aldair Oliveira – Advogado

Pós-graduado em Direito Civil

aldairoliveira.advogado@gmail.com