TESTAMENTO – PRECISAMOS FALAR SOBRE A MORTE

A figura do testamento é uma das mais antigas formas de manifestação de vontade pelo indivíduo, no que tange à sua propriedade privada. Embora, durante muito tempo, tenha sido considerado um ato de egoísmo do testador, em detrimento aos herdeiros naturais, as primeiras manifestações testamentárias já apareciam na Grécia e Roma antigas, onde o fundamento decisivo para o reconhecimento foi a afirmação da propriedade privada.

No mundo moderno, os grandes códigos do mundo ocidental, França, Itália, Portugal, dentre outros, admitem o uso do testamento como a absoluta manifestação da autonomia privada, que garante ao titular a disposição de seu patrimônio em favor das pessoas indicadas. É indiscutível a importância de tal instituto ao nosso ordenamento jurídico, apesar de uma forma corriqueiramente utilizada para uma sucessão. Em que pese o nosso Código Civil de 2002 tenha destinado mais de cem artigos à sucessão testamentária, nosso cotidiano revela que os brasileiros não aderiram a essa prática.

A morte, embora seja a única e inexorável certeza do ser humano, configura-se um tabu. Assunto de pouca aceitação em uma sociedade que cultua somente a vida. Assim, qualquer manifestação de vontade para o pós-morte pode configurar um mau presságio ou um atropelo. Como nossa cultura religiosa tem a morte como uma inimiga cruel e implacável, sua chegada deve ser evitada ou retardada ao máximo. Como se quem não fizesse testamento não fosse morrer.

Outro motivo que leva a pouca utilização do testamento inclui fatores socioeconômicos. Os custos de sua elaboração e a grande solenidade envolvida em todo ato acomodam os testadores em potencial.  A ideia de que os possíveis beneficiários da herança, esposa e filhos, já estarão contemplados na sucessão faz parecer que o testamento não se faz necessário.

Todavia, o testamento é um dos meios de eficazes de planejamento sucessório, capaz de evitar desavenças familiares e injustiças no momento da partilha. Assim como a doação em vida, o testamento é a forma cabal de expressão de vontade do titular do patrimônio, que, via de regra, é mais aceita pelos herdeiros, evitando processos de inventários intermináveis e discussões judiciais acirradas em torno da divisão dos bens.

Embora seja senso comum que a finalidade precípua do testamento seja dispor dos bens para após a morte, pode o ato conter disposições sem cunho patrimonial, como o reconhecimento de filiação, a nomeação de um tutor ou curador para os filhos menores ou incapazes, favorecer determinado herdeiro que possui condições mais desfavoráveis, instituir bem de família, constituir fundação e, até disposição do corpo para fins altruísticos ou científicos para depois da morte.

Obviamente, os efeitos testamentários somente ocorrerão, efetivamente, após a morte do testador e por maior que possa ter sido o lapso temporal ocorrido entre a elaboração do ato e o falecimento, o testamento continuará eficaz, uma vez representar ele o ato de última vontade, obviamente, caso não tenha sofrido qualquer causa de revogação.

O testamento é essencialmente revogável, sendo inválida a cláusula que proíbe a sua revogação. A revogabilidade é da essência do testamento, não estando o testador obrigado a declinar os motivos de sua ação. Pode o testador, pois, usar do direito de revogá-lo, total ou parcialmente, quantas vezes quiser.

Não raro, nos deparamos com famílias desfeitas por disputas patrimoniais que poderia ser evitada com um planejamento sucessório, com a utilização de testamento ou doação em vida. Em outros casos, empresas sólidas são dissolvidas rapidamente pelo despreparo dos sucessores para dar continuidade ao trabalho do titular. O que também poderia ser evitado com disposições testamentárias que determinassem o administrador dos bens.

Várias são as formas de planejamento sucessório, destacando a doação, como já dito, e a formação de holding familiar. Entretanto, de todas as formas, a mais simples e eficaz ainda é o testamento, que dispensa a ocultação patrimonial e as dificuldades inerentes às demais modalidades, sem mencionar o custo, permitindo que através de um único ato jurídico uma pessoa possa planejar por inteiro sua sucessão patrimonial, alterando também, como já foi visto, a própria destinação da legítima

O que se conclui é que, embora seja o único animal da terra que tenha consciência da própria morte, o homem se abstém do uso dessa faculdade e recusa a se preparar para o momento inevitável.  Entrega aos sucessores os dissabores de decisões que poderia ter tomado. Entendo, assim, que todos nós devemos repensar o uso do testamento, permitindo que os bens materiais sirvam para garantir a segurança e qualidade de vida da família, e não como um fim em si. Passamos praticamente toda a nossa vida trabalhando em troca do patrimônio, devemos saber utilizá-lo adequadamente, impedindo que se torne instrumento de conflito e divisão familiar, como vemos corriqueiramente.

Aldair Oliveira

Advogado – pós graduado em Direito Civil

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