O plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou no dia 30 de agosto, por 7 votos a 4 a terceirização irrestrita do trabalho. Na prática, a decisão autoriza que empresas, privadas ou públicas, possam contratar, via terceiros, funcionários não só para atividades correlatas, mas, agora também, para atividades fins de seus negócios.
A medida já havia sido posta em prática após a sanção do presidente Michel Temer ano passado. Porém, como ainda havia milhares de ações esperando ser julgadas pelo TST, o atual entendimento do STF bate o martelo e põe fim à discussão.
A despeito do que reza a CLT e os mais básicos princípios de dignidade no sagrado exercício do trabalho, por vontade da maioria simples de 11 magistrados, o Brasil agora passa a autorizar oficialmente uma das formas mais modernas de exploração de sua classe trabalhadora. Em que pese a Organização Internacional do Trabalho já, há muito tempo, chamar atenção para as novas configurações da milenar tradição do regime escravocrata, a nossa mais alta corte não só as apoiaram, como as tornaram legais.
Poder terceirizar – e em alguns casos, até quarterizar – as principais atividades de setores importantíssimos da economia resultará inevitavelmente não só na piora da atividade laboral de seus funcionários quanto, e por causa dela, da qualidade dos serviços prestados a sociedade.
É o tipo de “evolução” que, à exceção de uns poucos, todo mundo perde.
O ministro Marco Aurélio de Mello, um dos votos vencidos, afirmou em seu voto que “a terceirização de atividades por empresas fere o princípio constitucional da isonomia entre trabalhadores e deve ser proibida”. Ainda, segundo o Ministro, “o sistema revela preocupação do constituinte com a tutela dos trabalhadores. A proteção deixou de encontrar fonte apenas na disciplina legal e adquiriu envergadura constitucional, mediante a passagem da Consolidação das Leis do Trabalho para a Constituição”.
Já a ministra Rosa Weber, que também votou pela inconstitucionalidade da terceirização, entende que o Estado Democrático de Direito se assenta na sólida proteção ao trabalho e liberar a terceirização total é prejudicial ao trabalhador, pois precariza os postos de trabalho.
Os manuais de administração que “ensinam” como aplicar a terceirização, destacam os ganhos de produtividade e qualidade e passam uma visão idealizada (ou de classe?) desse processo, bem distinta do processo real. Na prática os ganhos advindos com a terceirização são decorrentes da redução do custo do trabalho com a piora generalizada das condições, das relações de trabalho e da vida dos trabalhadores.
Se adotarmos o ponto de vista dos trabalhadores e analisarmos como os processos de terceirização ocorrem na vida real, diária, não resta dúvida: a terceirização é um contrato de trabalho precário e o Estado deve sim impor limites a ganhos empresariais oriundos de uma ampliação da exploração.
O que se conclui pela análise dos votos e dos argumentos utilizados pela maioria é a tendência da Corte Suprema em prestigiar a “livre iniciativa e a liberdade aos agentes econômicos” – expressão utilizada no voto do ministro Celso de Mello – em detrimento de direitos sociais e garantias trabalhistas, trazidos como fundamentais pela Constituição Federal de 1988.
Isso porque, ao se analisar dados estatísticos e estudos sobre o impacto da terceirização no Brasil, verifica-se que há disparidade entre a remuneração, a jornada de trabalho e os afastamentos por acidente dos terceirizados em relação aos contratados diretamente.
A principal discrepância entre os terceirizados e os de contratação direta está na remuneração dos trabalhadores. Segundo um estudo realizado pelo Dieese, os salários nas atividades terceirizadas são, em média, 23,4% menores do que nas atividades de contratação direta.
É possível destacar, de antemão, algumas consequências práticas da terceirização irrestrita aos trabalhadores. Na terceirização, o trabalhador perde seu vínculo empregatício com uma empresa de grande porte e bem estruturada e passa a fazer parte da empresa prestadora de serviços terceirizados. Em decorrência desta realidade, no caso do inadimplemento de verbas trabalhistas o empregado só poderá exigir o pagamento dos seus direitos perante a empresa tomadora (a que contratou a terceirizada) após esgotados todos os meios executórios contra a empresa terceirizada. Isso porque a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços, no caso da terceirização, é subsidiária, ou seja, ela só será chamada a responder e arcar com as verbas trabalhistas após esgotadas as chances de receber da empresa terceirizada.
Como se nota, o que houve na prática com a aprovação legislativa – e agora judicial – da terceirização irrestrita é a escolha de um valor social em detrimento de outro, qual seja, o da livre iniciativa sobre o do trabalho, o que demonstra uma recente e bem perceptível mudança de interpretação constitucional por parte da atual composição da Corte Suprema brasileira.
Aldair Oliveira – Advogado
Pós-graduado em Direito Civil
33-3321.7581