Na semana em que se comemoram os doze anos de Lei Maria da Penha, o brasileiro continua acordando com as notícias de mulheres que “caíram” de varandas. Pasmo, indignado, mas impotente, assiste aos relatos crescentes da violência contra a mulher. Da barbárie que se instalou no país. Números absurdos colocam o Brasil na drástica 5ª colocação mundial em violência cometida contra as mulheres. Uma vergonha.
Ao fim do ano passado, um total de 10.786 processos de feminicídio – assassinatos de mulheres em função do gênero – aguardavam julgamento nos tribunais estaduais de Justiça do Brasil. O dado é de um levantamento do Conselho Nacional de Justiça. O volume de processos é maior que a capacidade da Justiça de julgar responsáveis pelos crimes. O ano de 2017 terminou com 10,7 mil processos de feminicídio sem solução da Justiça, destaca o relatório. O número é mais do que o dobro do registrado em 2016, que foi de 5.173.
Segundo o Atlas da Violência, divulgado no mês passado, os casos de feminicídio aumentaram 15,3% em uma década no Brasil, passando de 4.030 ocorrências em 2006 para 4.645 em 2016. Além disso, de acordo com as Nações Unidas, o Brasil é responsável por 40% dos crimes de feminicídio na América Latina.
O relatório do CNJ, que reuniu dados de 27 tribunais estaduais do país, expôs ainda uma gama de outras violências que atingem as mulheres. Somente em 2017, tramitaram na Justiça brasileira quase 1,5 milhão de processos referentes à violência doméstica e familiar, o que corresponde, em média, a 13,8 casos a cada mil brasileiras. Em relação aos crimes de violência contra a mulher, dados dos tribunais revelam a solução de 540 mil processos ao longo do ano passado, contra 908 mil que ainda ficaram pendentes de decisão judicial ao final de dezembro do mesmo ano.
Mas isso são apenas números, estatísticas. Não basta ao poder público mensurar, numerar as vítimas. Mais que isso, faz-se necessário a criação de políticas públicas não só do combate à violência, mas de prevenção, através da conscientização, da educação. Mudança de paradigmas.
A curva ascendente de feminicídios e a permanência de altos padrões de violência contra mulheres demonstram a necessidade de mudanças sociais, culturais, legais e políticas. Os altos índices de violência revelam a urgência com que o problema deve ser superado, é um verdadeiro desafio para o Estado e para a população. É preciso dar um basta nas diversas manifestações de violência contra as mulheres, sobretudo em sua forma extrema: o assassinato.
A casa já não é mais um lugar seguro para as mulheres. No país, os homicídios de mulheres apresentam padrões bastante específicos quanto ao local de ocorrência das mortes e a relação entre agressor e vítima. Eles acontecem majoritariamente no seio familiar, e não se restringem a determinada classe social, idade, região, estado civil, escolaridade ou orientação sexual. Dados revelam que 71,8% dos incidentes acontecem na própria residência da vítima, o que permite verificar que é no âmbito doméstico onde se gera a maior parte das situações de violência vividas pelas mulheres. Destaca-se que 41% das mortes femininas ocorreram dentro de casa e em 42,5% dos casos, o agressor é o parceiro ou ex-parceiro da mulher.
A vulnerabilidade da mulher é algo discutido há muito tempo, trata-se da concepção do “sexo frágil”. Contudo, dentro da discussão sobre o feminicídio a interpretação desse termo muda. A partir de uma relação desigual de poder entre homem e mulher dentro das relações familiares, a mulher torna-se mais vulnerável e subordinada aos mandos masculinos, o que se observa é a persistência de formas de dominação e exercício de poder e controle dos homens sobre as mulheres. Operam de modo articulado elementos de subordinação de gênero, raça e de situação socioeconômico. Essa cultura machista e misógina precisa ser combatida.
A herança maldita, de uma sociedade sexista, machista, só será descartada através da educação. Somente as leis, por mais duras que sejam, não terão o condão de alterar essa triste realidade. A violência de gênero representa uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos. A premissa de que todos são iguais, não deve ser apenas perante a lei, mas também perante a religião, a família, a sociedade como um todo.
O feminicídio configura a última etapa de um ciclo de violência que a mulher vem sendo submetida há algum tempo. O homicídio é caracterizado por sua não acidentalidade e não ocasionalidade, o homem comete abusos, agressões e chega até a matar de forma consciente, premeditada e intencional, e possui caráter estrutural, uma vez que é produto letal da violência de gênero. Os casos de assassinato são precedidos por eventos de violência física e psicológica, é uma expressão da ordem social e desigual de gênero.
A superação da violência contra as mulheres é um dever de todos. A violência, qualquer que seja ela, enfraquece o ideal de igualdade entre sexos e favorece e impulsiona a discriminação. Enquanto não for erradicada, a violência contra as mulheres nos deixará mais longe do podemos chamar de civilização. Mais longe do que chamamos de humanidade.
Aldair Oliveira – Advogado
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