– E aí? – Perguntou como quem não quer nada e, ao mesmo tempo, espera por tudo.
O “e aí” era marca registrada dela. Apenas duas palavras representavam o início de uma nova travessia em busca do conhecimento mais trabalhoso para se conquistar: o autoconhecimento.
Mais uma vez, eu estava ali, sentado no sofá do consultório, de frente para ela. Todo início de sessão era difícil, mesmo no segundo ano de terapia. A sala continuava igual: uma estante com livros, uma mesa, algumas cadeiras com design moderno e, claro, o querido e pequeno sofá com almofadas. A única novidade era o vaso com suculentas que agora estava na janela. As plantas eram pequenas e pareciam estar se esforçando para crescer. O sol as iluminava e parecia oferecer uma direção para elas seguirem.
– Está tudo bem eu acho.
Ela sorriu levemente, olhou para mim por cima dos óculos e não disse nada. Eu já havia compreendido. Faltavam detalhes.
– O ano passado se foi. Durante o recesso fiz aniversário, agora estou mais velho que antes. Parece bobo, sabe? – Olhei para ela procurando descobrir se estava no caminho certo. – Não sei se isso é bom ou ruim. Não sei se estou ganhando ou perdendo tempo.
– Você…
– Eu disse que era bobo. – Interrompi sua fala sem pensar.
– Por acaso refletir sobre a vida é “bobo”? – Disse com um sorriso, sem parecer estar surpresa com a interrupção.
Desviei o olhar um pouco envergonhado. De fato, não havia problema algum em refletir sobre a vida e sobre a existência, afinal, cada reflexão originava um texto e escrever sempre me fez bem.
– Como eu dizia, você está muito preocupado com o futuro e com o passado, não acha?
– Eu tenho planos para o futuro, e o passado…
– Já passou. – Ela disse sem tirar o sorriso do rosto.
– Sim, o passado já passou, mas algumas coisas me incomodam e não posso fazer nada com elas.
– Claro que pode – Disse me olhando por cima dos óculos –, você pode compreender as que te impedem de evoluir para esquecer, finalmente, o passado e seguir para viver o agora. Veja bem, eu disse viver o agora e não o futuro.
Certa vez uma autora que gosto muito disse que não vale a pena mergulhar nos sonhos e esquecer de viver. De fato, os planejamentos para o ano novo e para os próximos anos eram, por enquanto, sonhos. A terapia continuou, entre perguntas, respostas e análises, descobri que a vida que eu poderia viver naquele momento, era o presente.
– Sexta-feira, no mesmo horário? – Ela disse, aguardando por minha resposta.
Pelo visto, era a primeira de muitas outras sessões que aconteceriam naquele ano.
– Claro. Até lá.
Tudo o que havia acontecido no ano passado, era passado. Do passado, caro leitor, só devemos levar os aprendizados. Era o início de um novo ano, eu tinha muito tempo para aproveitar a vida e colher as alegrias que ela ofereceria. Tempo para ser feliz, não somente nos primeiros ou nos últimos dias do ano. Em meio ao caos da vida cotidiana, decidir ser feliz todos os dias é um ato de amor próprio.
– Até semana que vem. Tenha um ótimo final de semana.
Encerrou-se assim a primeira sessão do ano. Eu ouviria muitas outras vezes o “e aí?” e faria o possível para crescer, assim como as plantas que estavam na janela do consultório. Faria o possível para crescer e ser feliz em dias de céu azul e também em dias cinzentos.
Daniel Dornelas
Escritor e criador de conteúdo literário
@lendocomdaniel
Um comentário
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É Daniel, essa nossa dificuldade em lidar com o tempo…Seria tão bom viver cada minuto como
se fosse o último .Queremos que o tempo voe sem saber que ele escorre por entre os nossos dedos…Texto bem reflexivo ,Parabéns!😀😘👏🏽👏🏽👏🏽