Psicóloga Eulaliene Moraes comenta obsessão por bebês reborn e alerta para os riscos emocionais
CARATINGA – Casos recentes divulgados pela mídia de mulheres levando bonecas hiper-realistas para tomar vacina, passear em carrinhos e frequentar locais públicos como se fossem crianças reais chamaram a atenção do país. O fenômeno dos bebês reborn — bonecas confeccionadas com aparência idêntica a recém-nascidos — ultrapassou o colecionismo e virou tema de debates sobre saúde mental. Para entender melhor os limites entre afeto, fantasia e os possíveis prejuízos à convivência social, o jornal conversou com a psicóloga Eulaliene Moraes, que analisa o impacto desse comportamento e o que ele revela sobre a sociedade atual.
Para começar: por que algumas pessoas desenvolvem um apego emocional tão intenso aos bebês reborn, tratando-os como se fossem crianças de verdade?
Esse apego, antes de tudo, reflete aspectos profundos da nossa sociedade. Embora ainda não tenhamos muitos casos clínicos relatados oficialmente, os relatos que a mídia vem divulgando e que circulam nas redes sociais merecem atenção. Esse comportamento, a meu ver, revela uma dificuldade crescente das pessoas em lidar com a realidade e estabelecer vínculos afetivos reais. Os bebês reborn acabam funcionando como uma espécie de refúgio emocional, onde a pessoa exerce controle total sobre a situação, sem o risco do imprevisível que as relações humanas reais impõem. Claro que o ser humano precisa de uma dose de fantasia para suportar as angústias da vida — isso é natural e saudável. Mas quando essa fantasia toma o lugar da realidade e começa a interferir na rotina, nos vínculos e no convívio social, é um sinal de alerta.
Em que momento esse cuidado com um bebê reborn pode começar a prejudicar a vida social ou emocional do cuidador?
O sinal mais evidente é quando a fantasia passa a interferir na dinâmica cotidiana. Se a pessoa deixa de participar de atividades sociais, isola-se da família, evita compromissos profissionais ou deixa de investir em relações reais por conta do tempo e da energia dedicados a esse objeto, temos aí um prejuízo claro. Outro ponto preocupante é quando essa relação ultrapassa o espaço íntimo e invade ambientes públicos exigindo que os outros também tratem aquela boneca como uma criança real, como, por exemplo, no caso de mulheres que levam o bebê reborn para tomar vacina ou exigem atendimento prioritário em filas. Nesse momento, há um descompasso entre a fantasia particular e as normas coletivas, o que pode gerar conflitos e até situações constrangedoras.
O que leva uma pessoa a buscar esse tipo de vínculo tão forte com um objeto inanimado?
As motivações podem ser variadas. Em alguns casos, isso pode estar ligado a traumas não elaborados, perdas significativas, solidão, dificuldade em estabelecer vínculos afetivos ou até medo de se relacionar com pessoas reais. Há também quem busque no bebê reborn uma forma de preencher carências emocionais, um substituto simbólico para aquilo que lhe falta. Não podemos esquecer que vivemos tempos de relações cada vez mais líquidas, frágeis e voláteis, onde as pessoas se afastam do convívio físico e mergulham em vínculos virtuais ou simbólicos, que exigem menos emocionalmente. O bebê reborn se encaixa nesse contexto como um objeto de afeto controlável, que nunca contraria, que está sempre disponível e que não impõe desafios relacionais.
Quais os sinais que indicam que o apego a um bebê reborn pode estar prejudicando a vida social ou emocional da pessoa?
Um sinal claro é o isolamento social. A pessoa deixa de se relacionar com amigos e familiares, perde o interesse por atividades que antes lhe davam prazer e passa a investir seu tempo e afeto exclusivamente naquele objeto. Outro indício é quando começa a se comportar publicamente como se a boneca fosse uma criança real, o que pode gerar reações negativas do meio social. Além disso, prejuízos na rotina de trabalho, dificuldade em estabelecer ou manter relacionamentos afetivos e afastamento progressivo da realidade também são sintomas de que algo não está bem emocionalmente. Esses sinais não devem ser subestimados, pois podem indicar um sofrimento psíquico que precisa de atenção e acolhimento.
E como os familiares e amigos costumam reagir diante dessa situação?
As reações são diversas. Alguns inicialmente acham graça ou tratam como excentricidade, mas, com o tempo, podem se preocupar ao perceber que isso está interferindo na rotina da pessoa. Outros tendem a se afastar, especialmente se houver dificuldade de dialogar sobre o assunto. É importante que familiares e amigos estejam atentos aos sinais de isolamento e tentem estabelecer conversas cuidadosas, sem julgamento, mas com escuta atenta. Em alguns casos, pode ser necessário buscar ajuda profissional para compreender melhor as motivações por trás daquele comportamento e encontrar caminhos para lidar com a situação de forma mais saudável.
Para encerrar, qual reflexão esse fenômeno dos bebês reborn provoca na sociedade contemporânea?
Eu vejo isso como um sintoma de uma sociedade cada vez mais desconectada emocionalmente. Vivemos tempos em que os vínculos reais são difíceis, e as pessoas buscam refúgios emocionais em vínculos virtuais, objetos ou fantasias. Os bebês reborn são um exemplo simbólico disso. Eles revelam tanto o desejo humano de cuidado e afeto quanto a dificuldade de lidar com a imprevisibilidade das relações humanas. Não se trata de demonizar quem tem um bebê reborn, mas de refletir sobre os excessos e os riscos de se substituir o contato humano pela fantasia. Um pouco de fantasia é essencial para a vida, mas é preciso equilíbrio para que isso não se torne uma fuga que isola e adoece.
- Psicóloga Eulaliene Moraes analisa o impacto desse comportamento e o que ele revela sobre a sociedade atual
- “O sinal mais evidente é quando a fantasia passa a interferir na dinâmica cotidiana”, explica a psicóloga