No Brasil, mesmo após a legitimação da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, os questionamentos sobre possibilidade de adoção homoafetiva ainda pairam no âmbito social e jurídico. Apesar de conhecida, referida modalidade de adoção ainda esbarra na pior das burocracias, o preconceito.
De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 226, a família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado. Prevalece atualmente um novo conceito de família, através do qual o afeto foi inserido como base das relações familiares, motivo pelo qual não será necessário para a formação de uma família o caráter biológico. Tal conceito vem sendo utilizado desde a promulgação da lei de adoção em 2009 onde o bem jurídico tutelado é o afeto.
Ainda, em seu artigo 227, a Constituição Federal traz que deverá ser assegurado à criança e ao adolescente o convívio familiar, independentemente de quem exercerá o poder familiar.
No mesmo sentido, também o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 19, preceitua que é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
Ressalte-se que em nenhum dos dispositivos legais aqui citados, se faz qualquer menção ao gênero dos adotantes ou características que discriminem a formação da entidade familiar como hetero ou homoafetiva. A adoção está inserida como uma forma de convivência familiar, convivência esta baseada nos laços de amor e afinidade de maneira voluntária, respeitando assim, o significado da palavra originária do latim ´adaptare’ – escolher, perfilar, dar o seu nome a.
Do ponto de vista jurídico, com base na Lei 12.010/2009, a adoção é um procedimento legal consistente em transferir todos os direitos e deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para o adotando todos os direitos e deveres de filho. Salienta-se que a adoção, sendo medida de colocação em família substituta, somente acontece quando a criança ou adolescente não consegue ser novamente inserido em sua família biológica.
Dentre os princípios que norteiam o instituto da adoção temos como principal o PRINCÍPIO DO INTERESSE DA CRIANCA/ ADOLESCENTE, que deve ser sempre considerado em primeiro lugar, priorizando as reais necessidades.
Em dias atuais, é impossível não admitir a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Fato já reconhecido pelos tribunais superiores do País e pelo CNJ, que através da resolução 175 oficializou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, vedando expressamente a recusa da celebração de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ressalte-se que a união homoafetiva possui os mesmos objetivos que a união estável, qual seja: constituição de família, motivo pelo qual pode ser convertida em casamento a qualquer momento.
A professora Maria Berenice Dias, brilhantemente ensina:
“A família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, merecem ser reconhecidas como entidades familiares. Assim, a prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar de fora do conceito de família as relações homoafetivas.” (DIAS, Maria Berenice; 2001. P.102).
A adoção, por casais homoafetivos, passou por grandes dificuldades de aceitação diante do preconceito social. A situação parece estar sendo superada, embora não na velocidade que se espera. A hipocrisia e o preconceito ainda permitem que crianças e adolescentes permaneçam sem lar, ou entregues a lares onde sofrem toda sorte de violência física, psíquica e moral. Casais homoafetivos, por vezes, ainda têm sido preteridos na lista de espera. Quando conseguem a adoção, enfrentam o preconceito social nas ruas, nas escolas, nos parques. Uma triste realidade que precisa mudar.
Uma pesquisa do IBOPE mostra que 55% da população é contrária a adoção, a maioria são homens (62%), os maiores de 50 anos predominam e chegam a 70%. O grau de escolaridade também se destacou entre essa maioria: 67% dos contrários cursaram somente até a quarta série do ensino fundamental.
Permanecendo o quadro de preconceito, serão muitos os órfãos ou abandonados que perderão a chance de um lar com amor e afeto, residindo em abrigos frios, solitários e sem esperança.
E antes que se diga haver perigo de abuso na ocasião da adoção por conviventes do mesmo sexo, ressalta-se que o número de registros em autos de prisão em flagrante, ou boletim de ocorrência nas delegacias de polícia e de processos judiciais, cautelares ou não, por algum tipo violência, até mesmo sexual, majoritariamente o suspeito é um pai ou uma mãe heterossexual.
E antes que problematizem o fato de essa criança tornar-se LGBT por aprendizado e comportamento adquirido, sem entrar no debate de bom ou mau, eu apenas perguntaria: A maioria dos homossexuais não são filhos de casais heterossexuais?
Aldair Oliveira – advogado
Pós-graduado em direito civil.
33-33217581