200 ANOS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

D. Pedro I e Imperatriz Leopoldina reunidos em retrato oficial - Arnaud Pallière via Wikimedia Commons

Edição especial aborda as causas e consequências desse fato e também traça os perfis da Imperatriz Leopoldina e do ‘patriarca’ José Bonifácio. Para isso ouvimos o professor Sebastião Ricardo Machado Meireles, o escritor Paulo Rezzutti e a historiadora Mary Del Priore. Enfim, ‘Independência ou Morte!’ foi mais do que um grito às margens de um rio

 

Por José Horta

CARATINGA – Hoje o Brasil comemora 200 anos de sua independência, ou seja, 73.048 dias desde que D. Pedro I bradou às margens do rio Ipiranga o famoso ‘”É tempo! Independência ou Morte! Estamos separados de Portugal!”

Ao longo desse tempo o país viveu uma história conturbada, com golpes, estado de sítio e ditaduras. Houve um período em que brasileiro nem podia eleger seu governante. O voto direto era proibido, um tempo triste que deixou suas marcas. Não é fácil mudar a mentalidade, mesmo após todo esse tempo. Até hoje vemos todos os dias atos provocados pelos reflexos do patriarcado e do coronelismo, além de ações de intolerância, racismo, dentre outras. A polarização perverteu a máxima onde brigam as ideias e não as pessoas. A cada dia mais, grupos extremos optam por ofensas e ataques agressivos na defesa de seu posicionamento político e se esquivam de diálogos responsáveis e construtivos.

Parafraseando a escritora belga, Marguerite Yourcenar, ao observar que “cada época escolhe o seu passado”. Podemos dizer que cada regime escolhe o seu passado. Houve um tempo em que as cores da bandeira eram associadas ao verde das matas e, o amarelo, ao do muito ouro encontrado no Brasil. Até hoje, muitas pessoas consideram como legítimos esses significados dados à bandeira. No entanto, o verde e o amarelo representam a união de D. Pedro I com a Imperatriz Leopoldina. O verde é uma homenagem à Casa de Bragança e, consequentemente, à família de Dom Pedro I. Vale frisar que o verde tem o mesmo tom da bandeira de Portugal. Já o amarelo-ouro faz referência à Dinastia Habsburgo-Lorena, à qual pertencia a imperatriz. A Casa dos Habsburgos, também conhecida como Casa da Áustria, foi uma das mais influentes na Europa entre os séculos XIII e XX.

Para celebrar tão especial data, o DIÁRIO fez uma edição onde aborda as causas e consequências desse fato e também traça os perfis de duas personalidades importantíssimas nesse processo, a Imperatriz Leopoldina e o ‘patriarca’ José Bonifácio. Para isso, conversamos com professor Sebastião Ricardo Machado Meireles, o escritor Paulo Rezzutti e a historiadora Mary Del Priore. Temos artigos de nossos colunistas Eugênio Maria Gomes e Walber Gonçalves de Souza. Tem ainda um artigo do estudante caratinguense Rafael Paiva, que cursa História pela Universidade Federal de Viçosa. A capa dessa edição é do artista plástico Camilo Lucas. Desta vez não abordaremos o papel de D. Pedro I, pois na edição número 7.614 de 5 de setembro de 2021, o próprio Rezzutti foi entrevistado e falou sobre a vida e a missão do imperador em todo esse processo de independência.

Enfim, ‘Independência ou Morte!’ foi mais do que um grito às margens de um rio. O verde e amarelo pertencem a todos os brasileiros e não pode ser usurpado por um determinado grupo. Confesso que agora me segurei para não citar aquela famosa frase do pensador inglês Samuel Johnson, que cabe feito luva neste momento em determinados casos. Ela tem a ver e está disponível no Google, mas muitos poderiam pensar que se trata de uma generalização.

Sendo assim, um conselho: estudem a História. Pois como disse o filósofo irlandês Edmund Burke, “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.

E você, qual grito daria neste 7 de setembro de 2022? Eu gritaria ‘Democracia e vida plena!!!’. Ou seja, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

A Independência do Brasil não foi algo fortuito. Fez parte de todo um processo, afinal os movimentos de independência na América hispânica estão diretamente relacionados à invasão napoleônica da Espanha em 1808 e à deposição do rei Fernando VII, que resultaram no estabelecimento de juntas de governos locais na América, iniciando um intenso e amplo período revolucionário.

Em 1808, a família real portuguesa veio para o Brasil. Isso porque Portugal estava prestes a ser invadido pelo líder militar francês Napoleão Bonaparte.

Pressionado para voltar a Portugal, junto com quase toda a corte, o rei Dom João VI deixou o Brasil nas mãos de seu filho, o príncipe-regente Dom Pedro I. Era o ano de 1821. Mesmo sem querer, Dom João abriu caminho para a independência do Brasil com base na prerrogativa de que o jovem príncipe defendesse os interesses da coroa diante de qualquer inimigo.

Ao longo dos 13 anos em que Dom João VI ficou no Rio de Janeiro, o povo português, lá em Portugal, enfrentou fome e sofrimento. Os lusos perderam meio milhão de habitantes, vítimas da miséria e das batalhas, além daqueles que deixaram Portugal em busca de melhores condições em outros países. Revoltas frequentes exigiram a volta do rei a Lisboa. A Revolução Liberal do Porto, em 1820, foi decisiva.

Assim, ameaçado de perder o trono português, Dom João VI retornou a Lisboa em abril de 1821. Dois dias antes de embarcar, o rei disse ao príncipe-regente: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros”. Isso se confirmaria em 7 de setembro de 1822.

Para falar sobre as causas e consequências da Independência do Brasil, entrevistamos Sebastião Ricardo Machado Meireles, historiador e coordenador dos cursos de História e Geografia do Unec (Centro Universitário de Caratinga). Ao contrário do que muitos pensam, o professor nos explica que o processo de independência brasileira não aconteceu pacificamente.

Outro ponto abordado por ele é que muita coisa ainda não mudou, mesmo passados 200 anos: “E a duras penas tentamos, ainda, romper com as amarras e heranças coloniais (racismo, patriarcado, intolerância, entre outros) que impedem de progredirmos e de nos reconhecermos como povo brasileiro”.

 

 

 

 

Quais as causas da Independência do Brasil?

 

Para entendermos as causas que levaram o Brasil a conquistar sua independência temos, de imediato, que compreender a independência como um processo lento e gradual, que teve início ainda no final do século XVIII quando deflagraram as Conjurações Mineira e Baiana, respectivamente. Pode-se dizer que essas duas conspirações foram precursoras de uma ideia de independência, mesmo que ambas não tivessem um projeto único que abrangia as demais províncias.

Já nos primeiros anos do século XIX esse processo rumo a independência ganha novos capítulos com a chegada da Família Real em terras brasileiras, uma vez que a então colônia passa por transformações econômicas, políticas e culturais bastantes significativas promovidas por D. João VI. Outro ponto importante nesse período foi a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves.

Com a Revolução Liberal do Porto as amarras que seguravam Brasil a Portugal começaram a se romper. Isso porque os liberais exigiram o retorno de D. João VI imediatamente, caso o contrário ele perderia o trono português. A saída, então, foi retornar a Portugal deixando o Brasil sob o comando de seu filho, Pedro. É famoso o conselho de D. João dado a Pedro antes da partida, no sentido de que se houvesse rompimento entre os reinos, Pedro deveria optar pelo Brasil.

Estamos ainda em 1821, pouco menos de um ano antes da proclamação. Nesse curto período, em meio a crises políticas e pressões das elites, Pedro de Alcântara é cada vez mais pressionado a retornar para Portugal. O que Pedro fez? Ficou! Essa decisão contrariou as cortes que não abriam mão de sua volta. Inclusive, historicamente esse dia ficou conhecido como o “Dia do Fico”, quando D. Pedro I disse: “se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”. Essa fala data-se do dia 09 de janeiro de 1822. Observem que essa data não é tão distante do dia 07 de setembro, quando de fato se efetivará a Proclamação da Independência do Brasil.

Além do que foi apresentado acima, é importante destacar como causas ou motivações, conflitos que aconteceram antes e, também, depois, que serviram para consolidar a independência. É o caso da Revolução Pernambucana de 1817, que objetiva a separação da Capitania de Pernambuco da colônia, chegando, inclusive, a instalar um governo provisório que proclamaria a república da capitania. Outros movimentos como a Independência da Bahia (esta iniciada antes mesmo da Proclamação da Independência); a Confederação do Equador; a revolta do Maranhão, por exemplo, foram marcantes para a consolidação da independência.

O fio que tracei foi um pouco longo, mas serve para refletir que a Independência do Brasil foi resultado de um longo e custoso processo que envolveram várias causas e/ou motivações. Jamais deve-se entender o dia 07 de setembro de 1822 como um dia isolado na História, mas sim como um resultado amplo e múltiplo de um processo construído a duras penas. Também não se deve entender que a independência foi construída somente por acordos entre as elites da época, uma vez que aconteceram conflitos, batalhas e mortes em várias províncias.

 

Esse processo foi motivado por algum movimento filosófico?

 

Sem dúvida, sim. O processo de independência do Brasil foi influenciado pelo pensamento iluminista. O Iluminismo, inaugurado em meados do século XVIII, trazia, entre tantas coisas, a ideia de emancipação, liberdade e reforma política e isso vai influenciar, sobretudo, nas revoltas emancipacionistas ocorridas no Brasil. Tanto as Conjurações Mineira (1789) e Baiana (1798) quanto a Revolução Pernambucana (1817) beberam na fonte do Iluminismo. Existem, inclusive, registros de panfletos espalhados na Conjuração Baiana que reforçavam ideais iluministas de liberdade e revolução.

Os envolvidos nos movimentos que antecederam a independência brasileira nutriam um forte sentimento de separação da metrópole e isso ia ao encontro do que pensava, por exemplo, o filósofo inglês John Locke, quando este afirmava que os cidadãos podiam e deviam fazer uma revolução para depor o representante do Estado.

 

Ao contrário do que muitos pensam, houve conflitos no Pará, Bahia, Maranhão e na Cisplatina, que se mantiveram fiéis a Portugal. Poderia nos resumir como foi essa resistência por parte de Portugal ao fato do Brasil de declarar independente?

 

O fato de você citar esses conflitos reforça o que eu disse, no início, de que o processo de independência brasileira não aconteceu pacificamente. De forma bastante resumida digo que Portugal resistiu por meio de repressão violenta a esses conflitos. Os militares portugueses combateram os rebeldes brasileiros, derrotando-os em várias províncias. Aliás, antes mesmo das revoltas pós-independência, a força militar portuguesa tinha o costume de reprimir violentamente os revoltosos, punindo-os severamente, como aconteceu com Tiradentes e com Frei Caneca, para citar só alguns.

 

 

Quando e por que Portugal admitiu que o Brasil se tornou independente?

 

Digamos que Portugal se deu como vencido somente em 1825, especificamente em 29 de agosto. Para isso, foi necessária uma ajuda da nossa “velha amiga”. A Inglaterra esteve à frente das negociações de reconhecimento da independência brasileira, negociações que se estenderam por quase três anos. Quando realmente Portugal cedeu, exigiu uma indenização de dois milhões de libras esterlinas. Como o Brasil não tinha esse dinheiro todo, a saída foi fazer um empréstimo com a Inglaterra. Observem que tão logo o Brasil alcançou sua independência política, já estava preso, economicamente à Inglaterra. Como é sabido, isso influenciará diretamente nas relações entre Brasil e Inglaterra.

Destaco aqui que antes do reconhecimento de Portugal, o Brasil já era reconhecido por importantes nações como os Estados Unidos da América, que se manteve fiel a ideia de independência de todas as colônias da América; o México e a França (o primeiro país europeu a reconhecer a independência).

 

 

 

Quais as consequências da Independência?

 

Provavelmente é consenso entre a maioria dos historiadores que as consequências, de imediato, foram: a) rompimento dos laços políticos com Portugal; b) ficou sob forte influência econômica da Inglaterra; c) continuou sendo dominada pela elite aristocrata rural. Isso de forma pragmática.

Ademais, destaco como consequência da independência política do Brasil, o início da nossa construção enquanto nação. A partir desse momento nos tornamos brasileiros, de fato. É a partir desse momento que começamos a construir a nossa identidade. É importante entendermos que essa construção se deu por meio de projetos que negligenciaram a participação indígena e excluía a participação dos negros escravizados como formadores do nosso povo, da nossa gente. E a duras penas tentamos, ainda, romper com as amarras e heranças coloniais (racismo, patriarcado, intolerância, entre outros) que impede de progredirmos e de nos reconhecermos como povo brasileiro.

  1. Leopoldina e o Conselho de Estado – 2 de setembro de 1822

 

Maria Leopoldina foi uma arquiduquesa austríaca conhecida por ter sido a primeira imperatriz do Brasil. Criada em uma das mais tradicionais monarquias da Europa, Leopoldina casou-se com Dom Pedro I. Ela ficou marcada por ser uma das grandes influências para que ele declarasse a independência do Brasil.

Algo que poucas pessoas sabem é a importância de Leopoldina na consolidação da independência do Brasil. Isso porque, até 1822, a influência da futura imperatriz do Brasil sobre seu marido era grande, e ela aconselhou-o frequentemente, enquanto a relação Portugal-Brasil azedava, entre 1820 e 1822. No entanto, a sua vida conjugal foi bastante atribulada devido às infidelidades de Dom Pedro I. Dessa união nasceram sete filhos.

A Imperatriz Leopoldina era muito culta e chegou a ser ridicularizada pela corte portuguesa por ter o hábito de ler.

Um dos melhores livros a respeito da imperatriz é “D. Leopoldina: a história não contada: A mulher que arquitetou a Independência do Brasil” (Ed. Leya Brasil – março 2017), de autoria de Paulo Rezzutti. No ano passado foi entrevistado pelo DIÁRIO e falou sobre a vida de Dom Pedro I. Agora ele é novamente entrevistado, mas fala sobre a Imperatriz Leopoldina.

Paulo Rezzutti é escritor e biógrafo. Vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura na categoria biografia em 2016 com a obra “Dom Pedro, a história não contada”. Também é autor das biografias de Dom Pedro II e da Marquesa de Santos. Sua carreira literária teve início em 2011 com a publicação de “Titília e o Demonão, cartas inéditas de d. Pedro à marquesa de Santos”, descobertas na Hispanic Society of America em 2010. É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do Instituto Histórico de Petrópolis e do de Campos dos Goytacazes. Rezzutti tem ainda um canal no YouTube.

 

Os casamentos entre as pessoas da realeza eram arranjados. Qual o interesse entre Portugal e Áustria nessa união de Pedro e Leopoldina?

 

Havia muitos. Portugal pretendia uma aliança com uma das grandes vencedoras de Napoleão, a Áustria, que, junto com a Prússia e a Rússia, criara a Santa Aliança para defender os tronos dos reis europeus das tendências liberais. A aproximação de Portugal com a Áustria visava se aproximar de um estado poderoso que pudesse contrabalançar a influência da Inglaterra nos negócios portugueses. Da parte da Áustria, esta se alinhava com a única nação absolutista na América, ao mesmo tempo que garantia para si e outros Estados germânicos a abertura dos portos brasileiros para essas nações.

 

A Áustria se sustentava politicamente com esses casamentos, inclusive a irmã da imperatriz Leopoldina foi a segunda esposa de Napoleão. Tem ainda Maria Antonieta. A Áustria procurava segurança e poder com esses casamento arranjados?

 

Entre os Habsburgos, havia um ditado que dizia: “Os outros que façam guerra, tu, Áustria Feliz, casa-te. O que os outros conquistam por Marte, tu ganhará de Vênus”. A política de casamentos dos membros da dinastia Habsburgo fez com que as possessões da família aumentassem com a inclusão de diversos estados herdados. A política de casamentos também podia servir para celebrar a paz e a aliança, como no caso da irmã de d. Leopoldina, a arquiduquesa Maria Luísa, que foi dada em casamento ao maior inimigo da dinastia: Napoleão Bonaparte. Ele havia invadido Viena duas vezes, feito a família imperial fugir da cidade em ambas, tomado diversos reinos que pertenciam aos Habsburgos e destronado a avó de d. Leopoldina, a rainha das Duas Sicílias, que teve que se exilar em Viena.

 

A família Habsburgo-Lorena era uma das mais tradicionais da Europa. Como foi a educação recebida por Dona Leopoldina. É verdade que ela foi aluna de Goethe e que conviveu com o compositor clássico Franz Schubert?

 

A educação dos arquiduques era a mais esmerada possível. Eles tinham aula de idiomas, de conversação, faziam teatro para aprender a falar e lidar com o público, tinham aulas de filosofia natural, que continha matérias como botânica, mineralogia, química e física. Também tinham aulas de pintura, cultivavam os seus próprios jardins, aclimatavam espécies etc. Enfim, tinha acesso a um nível de educação muito elevado. A mãe de d. Leopoldina, a imperatriz Maria Teresa, foi patrona dos irmãos Haydn, e Joseph Haydn dedicou a ela uma missa, chamada de Theresienmensse. Beethoven e o poeta Friedrich Schiller eram patrocinados pelo tio de d. Leopoldina, o arquiduque Rodolfo. Futuramente, a madrasta da arquiduquesa estabeleceria uma relação próxima com o escritor Johann Wolfgang von Goeth, e d. Leopoldina o conheceria também. Ela, em Viena, estava imersa em um ambiente frequentado pelos principais nomes do Romantismo alemão.

 

Dizem que Dona Leopoldina se apaixonou por D. Pedro I por meio de um retrato. Procede essa informação?

 

Ela recebeu do Marquês de Marialva, o embaixador enviado por d. João a Viena para resolver o casamento entre d. Leopoldina e d. Pedro, um colar de diamantes com um retrato em miniatura de d. Pedro também rodeado de diamantes. Em diversas cartas, antes de conhecer o príncipe pessoalmente, ela se diz apaixonada pela sua imagem.

 

E como foi o casamento de Dona Leopoldina com D. Pedro I? A festa foi uma forma de apresentar o Brasil à Europa?

 

Sim, a festa de casamento foi uma forma encontrada pelo marquês de Marialva de “vender” para a Europa que Portugal era um poderoso império e que o Brasil era a sua principal joia da coroa. Tanto que durante muitos anos em Viena a expressão “festa brasileira”, surgido por causa da festa suntuosa de casamento de d. Leopoldina, acabou se tornando um adjetivo para uma festa suntuosa.

 

Qual a reação de D. Pedro I ao ver pela primeira vez a esposa?

 

As reações de d. Pedro e de d. Leopoldina inicialmente foram de timidez, como relatou a dama de companhia de d. Leopoldina, a condessa Maria Ana von Kühnburg: “Ele estava sentado diante da nossa princesa, os olhos baixos os levantavam furtivamente de vez em quando sobre ela, e ela fazia o mesmo, naquele dia ela estava realmente bem”.

 

No Brasil ela colocou em prática sua paixão por botânica e a mineralogia. Quais atitudes ela tomou nesse aspecto?

 

Ela coletou diversos espécimes minerais, vegetais e animais, além de dar início ao próprio museu, trocando coleções com cientistas estrangeiros e com a própria família na Europa. Ela também auxiliou diversos pesquisadores, dando o suporte que conseguia para os membros da missão científica austríaca enviada ao Brasil pelo governo da Áustria.

 

Dona Leopoldina chegava a ser ridicularizada na corte por gostar de ler?

 

Sim, ela é vista como uma estrangeira, com outros costumes e outros modos. A corte portuguesa era muito diferente da corte austríaca, e houve um choque entre ela e os cortesãos portugueses. Acho que um dos principais exemplos foi quando ela tentou fazer com que seus filhos brincassem de jardinagem, começando a ter contato com a terra e as espécies vegetais. Os cortesãos portugueses acharam que isso era uma piada de d. Leopoldina, pois onde já se viu príncipes da dinastia de Bragança cavoucarem a terra como negros?

 

Qual a relação de Dona Leopoldina com José Bonifácio? Ele era seu único amigo no Brasil?

 

Não era seu único amigo, mas era alguém com uma vivência de Europa e uma carga de conhecimentos científicos e intelectuais, com quem ela conseguia conversar de igual para igual. Além dele, ela também teve amizade com Maria Graham, uma viajante inglesa, escritora e pedagoga, que chegou por algum tempo a ser preceptora da princesa d. Maria da Glória, filha mais velha de d. Leopoldina de d. Pedro I.

 

E sobre a relação com D. Pedro I, como era? Realmente a imperatriz chegou a sofrer agressões físicas?

 

Há uma carta, que d. Leopoldina teria ditado no seu leito de morte, onde ela teria mencionado um “horroroso atentado”. O original da carta nunca foi encontrado, só uma tradução que apareceu no Rio de Janeiro. Se a carta é legítima e as informações lá contidas são verdadeiras, pode ser que d. Pedro tenha efetivamente agredido ela de alguma maneira, mas eu acho improvável, ainda mais que ela estava grávida novamente. Houve, no começo do relacionamento, uma aproximação muito grande, mas alguns anos depois acabou havendo um distanciamento entre eles, em grande parte devido aos inúmeros relacionamentos de d. Pedro com outras mulheres.

 

A gota d´água foi o relacionamento de D. Pedro I com a Marquesa de Santos? Como Dona Leopoldina se sentiu com a amante do marido vivendo tão próxima?

 

Péssima. O problema maior disso tudo não foi ele ter uma amante, foi ele ter uma amante pública que frequentava a corte e tinha acesso aos aposentos dos imperadores, como dama de camarista da imperatriz. Isso dividiu o poder da imperatriz, que acabou tendo o seu poder e a sua influência sobre decisões governamentais compartilhados com a amante do marido. Domitila, muitas vezes, conseguiu que os seus apadrinhados fossem postos em cargos que a imperatriz queria para os seus protegidos.

 

Qual o papel de Dona Leopoldina na independência do Brasil?

 

Importantíssimo, ela foi uma pessoa que agiu dentro do ambiente íntimo do palácio para convencer d. Pedro a ficar no Brasil, por exemplo. Depois assumiu o governo durante a ausência do marido num dos momentos mais críticos do processo e agiu como uma aliada de primeira hora dos brasileiros sempre.

 

Fala-se que Dona Leopoldina morreu de tristeza. Realmente a imperatriz foi acometida pela depressão ou a causa de sua morte foi um aborto?

 

Sim, ela teve depressão seguida de febre tifoide, o que a levou a óbito. O aborto foi uma consequência da doença.

 

O corpo da imperatriz foi exumado. O que foi descoberto a partir da exumação?

Altura, compleição física, forma de tratamento usada para preservar o seu corpo durante o período em que ele foi exposto para o beija-mão antes do sepultamento, entre outras coisas.

 

Passados 200 anos da Independência do Brasil, qual o legado deixado por Dona Leopoldina?

 

Acho que uma das coisas que deve ser lembrada é que ela foi a primeira mulher a governar o Brasil e a ter uma grande influência na política nacional.

 

 

Segundo o dicionário, ‘patriarca’ é o chefe de família, aquele que, por ser o mais velho de uma grande família, merece respeito, obediência ou veneração. Aquele que chefia uma família, vivendo honrada e pacificamente. Sua etimologia deriva do latim “patriarcha; patriarches,es”, com o sentido de “chefe de família”. Esse foi o papel que José Bonifácio de Andrada e Silva desempenhou no processo de Independência do Brasil. Ele nasceu em Santos (SP) no dia 13 de junho de 1763 e morreu em Niterói (RJ) em 6 de abril de 1838.

E para saber muito mais sobre a vida de José Bonifácio, conversamos com Mary Del Priore, um dos maiores nomes quando o assunto é História do Brasil. Ela formou-se em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Seria o início de uma grande e reconhecida carreira. Continuando sua formação, concluiu seu doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. Depois, fez pós-doutorado na Ecole Des Hautes Etudes En Sciencies Sociales, de Paris. Mary Del Priore é autora de mais 50 livros. Dentre eles, “As Vidas de José Bonifácio” (Ed. Estação Brasil – março 2019). Ainda é vencedora de mais de vinte prêmios nacionais e internacionais, entre os quais quatro Jabutis. Colabora com jornais científicos e não científicos, nacionais e internacionais. É membro de instituições como a Academia Carioca de Letras, o PEN Clube do Brasil e o PEN International, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, além de órgãos internacionais como a Academia Real de História da Espanha. Ex-professora de História da FFLCH-USP e da PUC-RJ, atualmente leciona no curso de pós-graduação de História da Universidade Salgado de Oliveira.

Abro aqui um parêntese para falar sobre a troca de e-mails com a historiadora. Ao enviar suas respostas, escreveu: “Olá, José. Grata por ter esperado. Eu estava mesmo precisando de férias. Envio em anexo as respostas. Se estiverem muito grandes, fique à vontade para cortar. Forte abraço e obrigada pela lembrança de meu nome”. Quanta generosidade de alguém tão grandiosa. E, pensando bem, eu sou algum maluco de ‘cortar’ alguma resposta dela? Afinal, ela é Mary Del Priore.

 

 

Quanto tempo durou sua pesquisa para o livro “As vidas de José Bonifácio”. A quais tipos de documentos a senhora teve acesso?

Foi uma pesquisa de cerca de um ano, inspirada, sobretudo, pela curiosidade de compreender o que foi sua trajetória fora do Brasil. Portanto, visitei muita historiografia estrangeira. Já existiam, porém, muitas obras biográficas sobre ele, mas todas hagiográficas e pouco claras sobre os anos de estudo e de sua vida em Portugal. Nelas ele aparecia sempre como santo ou herói. Sabemos que na história, os protagonistas não são assim. Ao contrário, se parecem muito com a gente.

 

Durante essa pesquisa qual fato lhe chamou mais atenção?

 

Sua necessidade de dinheiro, de um posto como funcionário público e de promoções dentro da carreira. Ele parecia querer recuperar a desclassificação em que a família mergulhou.

 

Sabemos que ele é filho de uma família rica. Como foi infância e adolescência de José Bonifácio? Como ele se tornou um intelectual?

Na lista censitária de 1765, seu pai é a segunda fortuna da vila. Na de 1775, aparece com um plantel de 27 escravos e dono de uma única fazenda Seu avô administrou o contrato da dízima da Alfândega do Rio de Janeiro e Santos teve prestigio junto a realeza portuguesa. Depois, as coisas desandaram. E sabido que a São Paulo em que ele estudou tinha pouquíssimos professores e uma única e pobre biblioteca. Sua ida ao Rio de Janeiro, pareceu um estágio numa casa de negócios. Aos poucos percebi que ele almejava encontrar uma atividade que permitisse a família, que já era acusada de violências – um irmão assassinou um desafeto com facadas – recuperar seu prestigio e fortuna

 

Como o aprendizado obtido em Coimbra moldou José Bonifácio?

 

Por que não seguiu a carreira de magistrado, é um enigma. E interessante saber que havia muitos brasileiros estudando em Coimbra, inclusive afro-mestiços como o futuro Visconde de Montezuma, líder dos estudantes.  Os cursos eram considerados fracos. Suas notas foram médias. Seus irmãos moraram no Arco do Cego, tipografia onde trocavam hospedagem por trabalho. A situação já não era confortável o só aumentava o desejo de Bonifácio de se destacar numa carreira. Ele frequentou o curso de leis, matemática e filosofia natural que, como visto, era considerado fraquíssimo. Em 1787, bacharelou-se. Dois anos depois, perante o Desembargo do Paço, prestou um exame que o habilitava a exercer cargos de juiz de fora, ouvidor ou desembargador.

 

 

Fala-se muito das questões políticas de José Bonifácio, mas ele também era muito ligado à mineralogia? É verdade que tem minerais nomeados por ele?

 

Sim: a Petalita, o Espodumênio, a Escapolita e a Criolita

 

Ele passou por um período pela Noruega, Dinamarca e Suécia. Quais pesquisas ele desenvolveu na Escandinávia?

Jose Bonifácio não falava correntemente inglês ou alemão, comprovado por viajantes estrangeiros que cruzaram com ele no Brasil depois do seu retorno. Por isso, ele nunca se correspondeu com nenhum grande sábio ou com as Academias estrangeiras espalhadas pelo mundo.  E nessa excursão cientifica, realizada às custas do Real Erário, ele mais trabalhou no subsolo das minas do que em bibliotecas ou salas de aula. Fazia o que chamaríamos hoje de pesquisa de terreno.

 

Ele chegou a ser investigado pela inquisição portuguesa? Qual o motivo dessa investigação?

No reinado de D. Maria, a Inquisição tinha voltado, não mais para queimar pessoas, mas para controlar as publicações. Uma denúncia ao Tribunal do Santo Ofício o revelou envolvido em “práticas heréticas”, com colegas. Aluno do terceiro ano de Leis se juntou a Inácio José Aprígio da Fonseca Galvão, pernambucano, matriculado no segundo ano, José Álvaro Coelho Franco da Silva Bento, terceiro-anista de Leis, nascido em Peniche e o estudante de medicina Antônio de Carvalho, da ilha da Madeira. Diziam que era falso o mistério da Santíssima Trindade, não julgavam a alma imortal, julgavam a Monarquia ridícula além de danosa a nação, negavam a divindade de Jesus Cristo, a virgindade de Nossa Senhora ou a necessidade de confessar pecados. Bonifácio não estava só. Seu amigo Francisco de Mello Franco, futuro renomadíssimo medico mineiro.

 

É verídico que José Bonifácio chegou a assistir aulas ministradas pelo químico Antoine-Laurent Lavoisier?

Antoine Lavoisier era deputado suplente, “férmier general” e tinha proposto à Constituinte a substituição de títulos de pagamento, numa desastrada manobra financeira, que acabou com sua cabeça no cepo. Favorável a uma reforma profunda do Antigo Regime e à instauração de uma monarquia constitucional, foi um dos três comissários do Comitê de Finanças da Convenção encarregados de reformar o sistema de impostos. A operação não deu certo, e o pai da química moderna ainda teve que ouvir do presidente do tribunal revolucionário que o condenou à morte: “A República não tem necessidade de sábios ou químicos”. Foi guilhotinado aos 56 anos.

 

Ele ainda teria presenciado a Revolução Francesa nas ruas, mas, apesar de simpático às transformações introduzidas por aquele grande movimento de ruptura, porque ele ainda continuou monarquista?

 

Por que era um funcionário público da rainha de Portugal e do Brasil, D. Maria I, e tinha pavor de revoluções que mudavam sistemas de governo de alto a baixo!

 

Como ele influenciou Dom Pedro I para que fizesse a proclamação da independência do Brasil?

 

Importante entender que a Independência foi parte de um processo, que não terminou com um berro as margens do Ipiranga, mas com muitas revoltas sangrentas ao logo do Primeiro e Segundo Reinado. Bonifácio não estava só e fazia parte de um grupo que lutava contra a ideia de tornar o Brasil uma república.

 

 

É fato que o autoritarismo de José Bonifácio gerou severas críticas por parte da oposição e a perda de seu prestígio frente ao imperador? O que realmente aconteceu para que ele e Dom Pedro I estivessem em posições opostas?

 

A forma arrogante com a qual os irmãos Andrada tratavam seus inimigos políticos no Rio ou São Paulo. Até a surra dada no jornalista Augusto May, escurecia sua estrela. Eram cada vez menos populares. No dia 15 de junho de 1823 à noite, Bonifácio foi ao palácio de São Cristóvão. Ao chegar, o Imperador lhe mostrou as portarias expedidas pelo ministro da Justiça mandando cancelar a segunda devassa que se processava em São Paulo. O que sucedeu em maio, – argumentava D. Pedro – mais resultava de “rivalidades pessoais do que por intenção declarada contra a sua imperial pessoa e interesse da nação”. Bonifácio opôs-se. A discussão estalou. O Imperador acusou o ministro de arbitrário, de ordenar prisões sem seu consentimento; censurou-o por causa da devassa agora suspensa e responsabilizou-o pelos maus resultados da que fora feita no Rio, cujos réus, por falta de provas, tinham sido absolvidos a poucos dias; acusou-o por ter perdido as simpatias da Assembleia Constituinte. E pior, indicou um cunhado de Francisco Ignácio para Intendente-Geral de Polícia. Agia para afrontar seu ministro. Toda a cena se deu em presença de pessoas de serviço do Paço e visitantes. Humilhção dupla.

Inimigos de Bonifácio o intrigavam junto a D. Pedro e passaram a contar com uma aliada poderosa, a futura marquesa de Santos, com quem o Príncipe iniciara uma ligação amorosa. Sobre ela, contou um memorialista, confidente dos Andrada que Bonifácio teria dito a D. Pedro: “Ontem eu já esperei que V. M me falasse nisso. Estou informado que é empenho da Domitila e que essa mulher recebe para isso uma soma de dinheiro”. Gota d´água. Bonifácio considerou-se demitido naquela noite. E anotou: “Como sabia que eu não sabia dobrar o joelho, nem aviltar a dignidade de homem procurou estomacar-me”.  Martim Francisco caiu junto.

 

Que poder tinha José Bonifácio para ser nomeado tutor dos filhos de D. Pedro I, mesmo após ter iniciado um amplo movimento de oposição ao imperador?

  1. Pedro não tinha muitas alternativas. Um nome escolhido entre seus aliados não seria aceito pelo novo governo. Entregar aos filhos a quem o obrigara a abdicar, também não era solução. Bonifácio não podia ser acusado de “homem de D. Pedro”. Contava, sem dúvida, sua formação europeia e conhecimentos capazes de garantir melhor educação para as crianças. Ser tutor, sem ser parente, era situação delicada, tanto mais num país onde a monarquia vacilava e não tinha tradição.

 

 

Outra situação é que com dissolução da Constituinte, José Bonifácio, seus irmãos e alguns partidários, foram deportados para Europa. Porque foi tomada essa decisão?

       

        Um jornalista, ilhéu português de nascimento, Davi Pamplona, acusado de atacar os portugueses foi surrado por dois militares portugueses. Tal ofensa era também uma ofensa a nação, insistiam os Andrada. Punição já – clamavam os jornais. O Tamoio exigia penalidade e conclamava à luta. Na Constituinte, a comissão encarregada de examinar o caso considerou que era de competência de o Judiciário resolver o problema e não do Legislativo. Em reação, Antonio Carlos e Bonifácio bombardearam a Casa com discursos inflamados, acusando os deputados de omissão frente a um atentado à nação.

 

José Bonifácio era a favor da abolição da escravatura. Ele chegou a manifestar sobre esse tema?

 

Eram quatro os pontos que Bonifácio queria atingir com seu projeto: abolir a escravidão, integrar o indígena, promover a mestiçagem e civilizar povo e elite segundo padrões europeus. Era construir na América uma nação de padrão tal qual vira na Europa. Para isso, era preciso edificar um povo homogêneo, pois a mesma língua cultura e raça garantiriam o sentimento de pertencimento a uma comunidade maior. Com o jargão de mineralogista, sopesava, porém que a “amalgamação” seria difícil, pois o metal era heterogêneo: brancos, mulatos, pretos livres e escravos, além de índios. Mas era preciso promover a mestiçagem:

É tempo também que vamos acabando gradualmente com os últimos vestígios da escravidão entre nós, para que venhamos a formar uma nação homogênea, sem o que, nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes. É da maior necessidade ir acabando tanta heterogeneidade física e civil. Cuidemos, pois, em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo homogêneo e compacto, que não se esfarele ao toque de qualquer convulsão política”. Os mestiços eram uma geração mais ativa e nessa opinião acompanhava o inglês Thomas Pennat que os analisou favoravelmente numa região da Rússia. No projeto apresentado à Assembleia Constituinte advogaria em favor de casamentos mistos – uniões que, aliás, se realizavam há séculos. Prometia mesmo um prêmio pecuniário “a todo cidadão brasileiro, branco ou homem de cor, que se casas com uma índia gentia”. O sangue europeu integraria a mistura com o melhor: a civilização, a cultura, os hábitos e costumes. E valeria de tudo. Outros povos também poderiam participar do futuro do Brasil

 

Parece que no final de sua vida, ele ficou recluso em Paquetá. Como foram os últimos anos de José Bonifácio?

 

        Em março de 1838, ficou acamado. No começo foi só a falta de apetite. Seguiu-se a sensação de empanzinamento e as dores de estômago após a sofrida ingestão de alimentos. Por fim, sangramentos e vômitos. Foi tratado com sanguessugas atrás das orelhas e em torno do ânus. Tomou clisteres para induzir a evacuação e sulfato de quinina. Na época, receitas generalizadas procuravam tratar diagnósticos imprecisos. A triste carne desmanchando-se em tumores, adiantava o trabalho do túmulo.

Recebia os médicos e amigos. O general Labatut, depois de uma vida aventurosa entre os exércitos de Napoleão e os de D. Pedro I foi um deles. Martim Francisco era assíduo. Em visita, Bernardo de Vasconcellos percebeu as rasgaduras do lençol que o cobria e Bonifácio, irônico: “não te incomodes, Bernardo. Irregularidades do crivo, irregularidades do crivo…”. Os últimos dias foram passados em Niterói, onde os cuidados eram considerados melhores. Na Rua do Ingá, pernoitou doze noites e na tarde de a 5 de abril, às três horas, fechou os olhos. Falou-se em congestão cerebral e paralisia, mas, há uma hipótese de que morreu de câncer gástrico

 

Qual o legado que José Bonifácio deixa para a história do Brasil?

 

 

        Aprendemos que o Brasil não precisa de heróis ou ídolos, pois, bem sabemos, eles têm pés de barro. Mas que precisa conhecer a história de homens de carne e osso que nos ajudem a compreender tanto o seu percurso no passado quanto a época que os produziu. É a sua complexidade que os faz se destacar no cenário. Bonifácio foi além e quis atravessar o esquecimento. Ele construiu a sua própria história quando, nos Anais do Parlamento ou graças aos jornais amigos, se fez “timoneiro da Independência”, “pai da pátria”, ou como queria o visconde de Cairu, “Salvador do Império Constitucional da América”. Apesar do esforço, era amaldiçoado por muitos, não pelo que fez. Mas, pelo que foi.