José Geraldo Batista
Há poucos dias, ouvi a seguinte afirmação: “odeio literatura, decorar aqueles nomes de autores, as datas de nascimento e morte de cada um, os nomes e as datas de publicação das suas obras não é nada fácil”. Então, fiquei pensando em como o dono da afirmativa não foi nem um pouco feliz na sua caminhada básica de formação. Nenhum membro da família, amigo ou professor, ninguém soube iniciá-lo na literatura de maneira adequada. Fico preocupado: estamos, cada vez mais, necessitados de bons professores de literatura e de que a educação básica privilegie mais os estudos literários. É através da literatura que nos habilitamos melhor para o contato com as demais áreas do conhecimento.
Quando estudamos Literatura (aqui com inicial maiúscula), ou melhor, quando somos iniciados nesta disciplina, na escola básica, geralmente, nossos professores nos dão a oportunidade de decorarmos quem é o autor de determinada obra, em que ano o livro foi publicado, a qual período literário o livro pertence, quais são os personagens do enredo, em que ano o autor do livro nasceu e morreu, se ele pertence ou não a Academia Brasileira de Letras. Podemos elencar uma série de itens que fazem parte de nosso currículo de teste de memória, porém, vamos parar por aqui, pois acredito já ter ficado claro o que estou questionando. Quem consegue memorizar todos estes itens dentre outros será que tem muitas vantagens sobre os demais? Um pouquinho é claro, pois terá um histórico da literatura decorado. Porém, isso não prova que uma pessoa tenha conhecimento amplo a respeito de Literatura.
Estudar Literatura é muito mais do que ter as informações supracitadas todas decoradas. Elas devem ser assimiladas, como consequência, por aqueles que têm por hábito estudar Literatura. Assim, vem à baila uma prova de que a Literatura, em si, tem sua parte histórica, e, aqui, já percebe-se sua interdisciplinaridade.
Ensinar e/ou estudar Literatura é muito mais do que os equívocos mencionados até aqui, ao contrário, é compreender os processos pelos quais uma sociedade ou um indivíduo passou para produzir um texto. Tais processos normalmente incluem o estado psicológico, as condições antropológicas, as condições socioculturais no contexto de produção e por aí afora. Isto tudo vai influenciar o estilo, vai traçar a estética da obra literária. Então, estudar Literatura não é decorar datas e nomes, é sim ampliar de forma vasta os horizontes do nosso conhecimento, e só vai conseguir colocar isto em prática e proliferar tal hábito entre os alunos da educação básica um professor bem preparado.
Acredito que, da maneira pela qual se ensina Literatura na escola básica hoje, os estudantes perdem muito tempo. Aliás, o objetivo talvez não deva ser ensinar e sim conquistar os jovens para o fruir do texto literário: descobrir o prazer do e no texto, como diria Roland Barthes, um pesquisador francês neste assunto. Faz-se mister ressaltar, aqui, que estamos falando de escola básica, pois quando se tratar de graduação, principalmente de Letras e Artes, nesse caso o aluno deve estudar um número bem abrangente de autores e textos por tratar-se de formação de professores especialistas na área. Os alunos de escola básica, enquanto estudam autores que apresentam as mesmas características, poderiam também estudar textos de autores da Literatura Universal, mas não, ao contrário ficam entrevados, dedicando-se a textos e autores muito parecidos, simplesmente, porque tais escritores fazem parte de um contexto que contribuiu para a formação do Estado Nação, já que foi desta forma, no século XIX, que a história da Literatura surgiu no Brasil. E seu surgimento, como disse Willian Cereja, foi “vinculado a duas esferas e em cumprimento a dois objetivos básicos: na esfera acadêmica, participando do projeto nacionalista romântico a definir e documentar as expressões da identidade nacional; na esfera escolar, assumindo um papel didático, e não menos ideológico, de formar os jovens brasileiros a partir dos textos considerados fundadores da cultura brasileira”.
Estudar e/ou ensinar Literatura tem sido uma forma de privar o aluno de aprender e conhecer sua cultura, pois a literatura popular, de massa, que se manifesta e conquista nossos jovens hoje, a considerada literatura “menor” ou de margem, esta não é apresentada na escola. Assim, a literatura estudada na escola torna-se obrigação, algo “dolorido” e nada prazeroso, quando deveria ser o contrário. Estudar os clássicos também, mas antes é necessária uma preparação. Com o advento diversificado das mídias faz-se necessário fazer esse percurso diferente de outrora. Ainda de acordo com Cereja, pode-se afirmar que “um dos problemas da historiografia clássica é a pretensão de abarcar todos os textos e autores considerados importantes e quase sempre obedecendo a critérios de cânone discutíveis e mutáveis. Privilegiando a quantidade e a diversidade, ela acaba oferecendo uma visão difusa do conjunto, no qual as obras de maior importância estética – aquelas que representaram, por exemplo, a ruptura ou a renovação de uma tradição – costumam ter, na descrição de um período, a mesma importância de obras menores, que só fizeram repetir o conhecido e o desejado pelo público médio de cada época”.
Assim digo que a Literatura deve ser estudada e será aprendida desde que esteja dentro de um contexto. É aí que se acentua a questão da interdisciplinaridade: professor bem preparado e alunos antenados aos fatores internos e externos do texto literário, pois temos uma cultura no Brasil que pulula, aliás, uma multicultura. O terreno é apropriado para o cultivo e proliferação da cultura de massa aliada ao cânone, contudo estamos sendo vencidos por imperícia e incompetência. O que é uma pena, pois poderíamos sair da condição de exóticos e pleitearmos uma vaga de modelo a ser seguido.
Portanto, caro leitor, sinta-se livre e à vontade, leia de tudo, principalmente aquilo que gosta, não fique preocupado em decorar nada, seja um leitor de literatura diversificada, mas não deixe de ler os clássicos, mesmo porque, para opinar e dizer que não gosta de algo, faz-se necessário conhecer e tê-lo experimentado, e só se conhece a literatura lendo, então leia muito e desfrute do prazer literário. Depois de respeitadas estas recomendações, tente responder a seguinte pergunta: “Você gosta de Literatura?”
*José Geraldo Batista é Professor universitário do Centro Universitário de Caratinga – UNEC. E-mail: [email protected]
Mais informações sobre o autor: http://lattes.cnpq.br/4880280760796122