Após quase 17 anos a frente do Lar das Meninas, Irmã Penha se despede e fala sobre o futuro da entidade
CARATINGA – Uma casa. Uma vida dedicada ao serviço. Após quase 17 anos à frente do Lar das Meninas, Irmã Ana da Penha Ribeiro se despede do trabalho. Ela vai para Itapólis, interior de São Paulo. Lá esperam outras crianças, que encontram na religiosa toda a acolhida necessária.
Irmã Penha, como é conhecida, é natural da vizinha cidade de São Sebastião do Anta. Aos nove anos já pensava em ser irmã de caridade. “Aos três anos conheci uma religiosa do Instituto das Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de Fátima, me senti chamada por Deus. Mas, eu tinha dois irmãos de colo. Achei que deveria esperá-los crescerem, porque a caridade se começa em casa”, conta, demonstrando que já tinha vocação para cuidar de crianças.
Foi aos 18 anos que ela deixou a família e fez nove meses de experiência no Lar das Meninas. Logo seguiu para uma missão no Rio de Janeiro e, posteriormente, passou uma temporada em Portugal. Foram anos de idas e vindas, passando também pela Itália. Em 1999 foi transferida definitivamente para o Lar das Meninas, para um trabalho com crianças abandonadas. Ali permaneceu até agora. “Só aqui parece que encontrei a missão pela qual eu procurava. Mas, em tudo fui me realizando e procurando ser sempre fiel a Deus”.
Nesta entrevista, ela fala sobre este período, os desafios da adoção e suas principais mudanças e do futuro do Lar das Meninas.
De 1999 para 2015, a estrutura do Lar das Meninas teve grandes mudanças. Como foi este processo?
Mudou muita coisa. Dei uma geral na casa toda, desde o pomar. Nem a entrada é a mesma, não tinha esse varandão. Era um paredão. Quando iniciei, as dificuldades eram ainda maiores, agora são financeiras, para manutenção. A lei é muito mais exigente agora do que antes, exige o quadro de profissionais completo, pedagogo, psicólogo, assistente social e mesmo que tenha uma criança só tem que pagar todo este pessoal.
É comum os pais voltarem para pegar os seus filhos?
Aqui é como se fosse um rodízio, vão entrando umas e saindo outras. No momento estamos apenas com nove crianças, porque saíram 10 a um mês. Todas elas voltaram para os seus pais biológicos, porque tinha grupos de três ou quatro irmãos. É o que mais acontece, porque a lei é a favor da família, acompanha e fica tudo a favor da família. Mas, existem casos extremos, mães que às vezes já foram adotadas, não tiveram uma família. Elas não têm equilíbrio para ter sua família, cuidar dos seus filhos. Amam de mais as suas crianças, porque toda mãe ama os seus filhos, mas não têm condições de cuidar e o Fórum resolve a passar a famílias substitutas.
Durante esse tempo, a senhora já viu casos felizes de adoção?
Sim, muitos. Para dizer a verdade fico mais feliz quando vejo que vai para a adoção, do que quando volta para as famílias, devido à situação que as crianças chegam. Têm crianças aqui que chegam a uma situação que o médico não dá uma esperança, mas quem são eles diante de Deus para limitar a vida de um ser humano? Ficamos atentos e conseguimos, nunca teve caso de falecimento de crianças aqui dentro desta Casa.
O Lar conta com verba federal?
Não. Não temos verba federal e nem estadual. Só temos ajuda do município e da comunidade. Quem mantém isso aqui é a comunidade. Quero aproveitar para agradecer de coração todo o apoio que a comunidade tem dado pra nós. Se não fosse a comunidade, essa casa tinha acabado porque o munícipio é pouquíssimo. A verba do Fórum vai ser anual, para pagamento daquilo que é mais necessário, que no momento é manter a equipe técnica, juntamente com todos os funcionários. Mas, dura apenas três meses para pagar tudo isto.
Qual a maior necessidade hoje?
Roupas e alimentação não são, porque a comunidade toma conta. Seria mesmo a manutenção da casa, dos funcionários e equipe. A equipe é formada pela assistente social, psicólogo, pedagoga, que é voluntária; e tem duas funcionárias, uma da cozinha e outra da lavanderia. Precisamos de uma da limpeza, porém o prefeito prometeu, talvez chegue. E duas cuidadoras, o prefeito vai arrumar uma.
Há determinado período que chegam mais crianças?
Este é um período de poucas crianças. A partir de julho é período de poucas crianças, porque já entraram no início do ano e já têm os seis meses de acompanhamento das famílias e tentam resolver. No finalzinho do ano começam a chegar de novo.
Como funciona a visita das famílias às crianças?
Geralmente, qualquer dia que chegarem e em horário comercial, a gente deixa entrar. A prioridade é da família, não perder o vínculo com os seus filhos. Porém há casos excepcionais que a promotora que nos orienta como receber. Nós colocamos para a organização, um dia de 15 em 15 dias; que seria quarta-feira, parte da manhã.
Geralmente, quais são as alegações dos pais que deixam seus filhos no Lar? O atendimento é regional?
Aqui tem de tudo. Mas, a maioria, são alcóolatras e drogados. Aparecem outros casos também. Hoje recebemos somente do município. Pela lei deveria ser só de Caratinga, porém, tem as necessidades de outros municípios que não tem abrigo. Nós conversamos com a promotora, e ela sugeriu que recebêssemos, porém que eles fizessem convênio para nos ajudar. Só um município fez convênio conosco. Só querem manter quando tem criança da comarca, quando não tem, não querem. E a casa não é só para quando tem criança. Tem de estar disponível, 24 horas. Os profissionais também.
Há um limite de idade e de permanência das crianças no abrigo?
Pelo nosso estatuto é de dois aos 12 anos. Porém, há muitas exceções. No momento estamos com uma menina de um ano. Mas, já tivemos muitas exceções, por exemplo, mês passado voltou uma adolescente para a casa, que tinha acabado de completar 17 anos. Voltaram ela e as duas irmãs para a casa da avó. Pela lei seria uma casa de passagem, 72 horas, encontrou a família das crianças, devolve. Porém, não é bem este o caso, a realidade de agora não é essa. Há casos de crianças ficarem aqui, um ano, até dois anos. Às vezes a criança vai para adoção, guarda provisória e a não se adapta à família, retornando, como tivemos este ano o retorno de cinco.
Mas, a intenção é de que as crianças não permaneçam tanto tempo nos abrigos?
Sim. Os abrigos estão acolhendo provisoriamente, não pode mais criança ficar, como já aconteceu de ficar aqui até 10 anos. Hoje não pode mais, no máximo dois anos, de acordo com a lei, mas eles não querem deixar dois anos, querem deixar o tempo mínimo, para a criança não criar vínculos conosco e com o local; e não haver outros traumas. Faço tudo para o bem da criança. Essa casa tem o objetivo de ser uma solução e não mais um problema.
É um trabalho que exige muita dedicação. Como a senhora se sente deixando o Lar das Meninas?
Exige uma paixão constante. Por Deus, em primeiro lugar e depois pelas crianças, em defesa delas. Essas crianças que não têm culpa de ter nascido e nem de estar passando por esta situação. São crianças muito sofridas. Recebemos casos aqui, que a gente até hoje pensa nas crianças. Sempre quando sai a gente pensa, como é que está, será que a mãe cobriu à noite, será que deu mamadeira, água, para a criança que não sabe pedir, que não sabe ainda se defender. Isso aqui pra mim é o mundo. Estou sentindo como se estivesse entregando Caratinga. Como se eu fosse um prefeito, colocando a cidade na mão de outro prefeito. Não quero sair, mas preciso sair para descansar. Tem 25 anos que não tiro férias. Essa comunidade é muito boa. Porém, estou indo feliz porque tudo correu bem durante 16 anos. Não é brincadeira fazer dar certo todos os dias. Graças a Deus só tenho a agradecer, a louvar a Deus por isso. Vamos ter uma missa em ação de graças, no domingo, às 10h e quem quiser vir, está aberto ao público.
Há comentários de que o Lar das Meninas pode fechar. O que a senhora tem a dizer sobre isso?
Nós não queremos fechar o Lar das Meninas. Nós temos intenção de continuar. Porém há uma situação, que era para ter sido em 2009, mas é tudo muito lento diante da lei e está acontecendo agora. A lei de 2009 determinava que o abrigo se adequasse, colocando todas as idades, rapazes e moças de 0 a 18. Nós não concordamos, porque não temos irmãs que deem suporte a isso. Agora, o estado começou a liberar as verbas, que seriam R$ 5 mil mensais para manter a situação de pessoal para orientar este público. Nós estamos ainda com dificuldade, apesar da obra estar pronta, tem que manter. Mas, não estamos recebendo esta verba desde o início do ano. Está repassando para a entidade que está se preparando para atender os meninos. No caso da nossa, não aceitamos de maneira nenhuma rapazes e moças juntos, porque isso não dá certo, neste mundo de hoje, principalmente. Então está em estudo, diante da resposta da madre geral ao promotor, advogados estão no caso. Não sei ainda qual é a resposta, mas não fecharemos a casa, pode acontecer de mudar a atividade social, caso chegue a esse ponto. Mas, desejamos entrar em um acordo, para manter o abrigo, que é a necessidade da comunidade.
Há uma previsão de uma resposta definitiva ao futuro do abrigo?
Não adianta em nada encher isso aqui de rapazes e moças e não darmos conta. A promotora havia concordado que poderíamos receber apenas as meninas de 0 a 18. Ainda ficou muito difícil, porque não temos condições de misturar todas essas meninas. Outra dificuldade é se tiver irmãos. A lei não quer que separe e suponhamos que tenha uma menina de oito anos, com um irmão de 19, ele teria que vir para cá. A resposta ainda está no ar. Poderá acabar ou continuar. Ainda não sabemos. Caso não se decida por não receber essas meninas, elas vão para o outro abrigo e seguiremos com outra atividade.