- Eugênio Maria Gomes
Desde os primórdios de sua existência, o homem mantém uma relação de dependência e descaso com o principal elemento responsável por sua sobrevivência: a água. Já no início de sua caminhada neste Planeta, ele aprendeu a coletar e armazenar esse bem precioso, retirando-o dos rios e lagos ou captando-o das chuvas, sem o qual a civilização jamais poderia se desenvolver. Todavia, a partir de uma ideia errônea de desenvolvimento, o homem passou também a transformar esses mesmos rios e lagos que o mantêm vivo, em imensos depósitos para todos os resíduos produzidos por sua civilização!
Assim que começou a armazenar a água, o homem também deu início ao processo de sua autodestruição, contaminando os reservatórios com os detritos que produzia. No início, logo após inundar a sua habitação com toda espécie de detritos, o nômade se punha a caminho, em busca de outras terras, para ali desenvolver uma nova moradia, a qual, algum tempo depois, também era abandonada, entulhada de dejetos humanos e de lixo produzido pela tribo.
Aos poucos, o homem tornou-se sedentário, abandonando a prática de ficar vagando, sem rumo, de território em território, em busca de comida e de água. Foi quando ele decidiu fixar moradia em determinado lugar, dando início à construção das aldeias, das vilas e das cidades, sempre implantadas ao longo das margens de grandes rios ou próximas a grandes lagos, justamente pela dependência que tem de água. E, como ele teve dificuldade em diminuir a produção de resíduos e, também, em dar a destinação adequada àqueles que passou a produzir, poluía e continua a poluir mananciais, a deteriorar a água de que tanto precisa.
O homem faz, hoje, exatamente a mesma coisa que fazia à natureza nos primórdios da civilização, só que em uma escala infinitamente maior. No início, ele não produzia detritos e lixo suficientes para causar, por exemplo, alterações ambientais, como acontece nos dias de hoje. O homem aprendeu a produzir o necessário e o desnecessário; aprendeu a consumir tudo o que precisa e, também, o que não precisa; passou a sujar a natureza e tomou gosto por desmatar e poluir o meio ambiente.
Os hábitos do homem moderno, em relação ao uso e cuidado com a água, mudaram muito pouco em relação àqueles demonstrados pelos Incas e seus imensos canais utilizados para irrigar as terras áridas da Costa Peruana; dos Egípcios que desenvolveram técnicas sofisticadas para aproveitamento das enchentes do Nilo; dos Romanos e de seus aquedutos utilizados para abastecimento de suas termas e fontes… Sim, já naquela época, o homem que fazia com que a água chegasse de forma abundante às suas instalações, também despejava nos leitos dos rios, através da água da chuva, as muitas toneladas de fezes depositadas diretamente no solo. Também jogava terra, assoreando rios, já que praticava a aragem da terra sem o menor cuidado para que a terra não fosse levada pelas enxurradas… Nada muito diferente do que fazemos, ainda hoje.
Canalizamos a água, fizemos com que ela chegasse às nossas casas, passando a jorrar das torneiras, mangueiras e chuveiros; inventamos o vaso sanitário, a rede de esgoto e facilitamos o despejo de dejetos na água que precisamos usar; aprendemos a filtrá-la, a engarrafá-la e a mudar a sua temperatura de acordo com o nosso desejo… Só não aprendemos a protegê-la, a usá-la com parcimônia, a não jogá-la fora como se fosse algo infinito, que não acabasse nunca…
Aliás, muitos ainda não conseguem enxergar a possibilidade de finitude da água. Muitos se mantêm crédulos de que, já que a terra tem cerca de 70% de sua superfície coberta de água, a possibilidade de o homem ficar sem esse bem precioso é nula. Se a água pode ser encontrada nos mares, nos rios, nos lagos, nas plantas, nas nuvens, nos lençóis subterrâneos, nos animais e, até, no próprio homem, para que se preocupar com ela? Infelizmente, este tem sido o pensamento de milhões de pessoas, em boa parte do mundo, principalmente naqueles menos desenvolvidos…
Aos que assim pensam, vai aqui um importante registro: a população mundial cresceu muito nas últimas décadas e, este crescimento trouxe em seu bojo mais fábricas, mais consumo, mais irrigação. Além disso, a água, cada vez mais tem sido poluída e inutilizada para o consumo humano. O somatório do aumento de consumo e da falta de cuidado com a água faz com que, hoje, cerca de um bilhão de pessoas não tenham acesso à água de qualidade e, ainda, que cerca de dois bilhões de pessoas vivam sem as condições adequadas de saneamento básico. É bom lembrar que, nos últimos meses, presenciamos aqui, bem perto de nós, uma das maiores cidades da América – São Paulo -, sofrer com a falta de água, passar a utilizar o tal “volume morto” dos seus reservatórios naturais de água – de cor escura e cheiro fétido -, e a aprender, na marra, a fazer uso de forma um pouco mais adequada deste líquido sem o qual não poderia viver. Isso em um país que detém cerca de 16% de toda a água doce do planeta…
O homem, ao longo de sua história, conseguiu de alguma forma, transformar o ambiente em que vive, provocando secas em algumas regiões, inundações em outras, frio intenso em algumas áreas e calor insuportável em outras. Agora, caminha apressadamente atrás do prejuízo, desenvolvendo métodos de reaproveitamento da água utilizada – inclusive a dos esgotos -, enquanto não consegue frear a maior deterioração dos recursos naturais, provocada por ele, em toda a história da humanidade.
Na Bíblia, vamos encontrar inúmeras passagens a demonstrar a importância da água, presente já no início da Criação. Vamos encontrá-la na Libertação dos Egípcios, quando de sua travessia pelo Mar vermelho; ela foi o centro do Dilúvio e o reinício de uma nova humanidade; ela saiu do Édem, em forma de rio, que se desdobrava em outros rios: Fison, Geon, Tigre e Eufrates; esteve dentro dos muitos poços herdados por Isaac de seu pai e também esteve nos vários poços em que os patriarcas encontraram suas esposas; estava nas águas do Nilo que conduziram o cesto que guardava o pequeno Moisés; estavam nas águas do Jordão que se abriram para o povo entrar na terra da promessa; foi presença marcante na vida dos reis, banhou santos e santas; foi usada para batizar Jesus, João, discípulos, profetas e uma grande multidão de fiéis, de seguidores… Águas de Sabedoria… Águas de Libertação.
“… Assim, Jesus chegou a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José. Havia ali o poço de Jacó. Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por volta do meio-dia. Nisso, veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: ‘Dê-me um pouco de água’…”. (João 5, 5-7)
Um bem tão precioso, tão importante na história da humanidade e tão necessário para a continuidade da vida na Terra, precisa recebe de nós mais cuidado, mais respeito, mais proteção.
Dizem que o homem sempre é capaz de mudar. Quando se encontra à beira do abismo, à beira do fim, sempre encontra uma saída, uma alternativa à própria aniquilação.
Nesta quadra histórica em que nos encontramos, podemos afirmar que o mundo não será mais como antes. O modelo civilizatório que adotamos está próximo do seu fim. Esgotou-se. Destruiu, irremediavelmente, o meio ambiente. Iniciou um processo destrutivo sem paralelo que exigirá, para que continuemos a viver nesse planeta, um novo modo de vida, um novo modo de produção e de consumo, um novo modelo civilizatório.
Não sabemos o que virá. Mas sabemos que a vida neste Planeta, chamado de Terra, mas que na verdade, deveria chamar-se de Água, será impossível sem esse líquido precioso que durante anos foi desperdiçado na lavagem de calçadas e de carros; foi contaminado por todas as espécies de detritos; serviu de depósito para guardar as infindáveis inutilidades produzidas pelo homem, no afã de ganhar dinheiro e auferir poder!
Esqueceu-se o homem, de que a vida, no sentido mais elementar da expressão, depende desse líquido precioso que corresponde a cerca de 60% do corpo humano, 90% da massa total das plantas e que cobre 71% da superfície do Planeta, fazendo com que ele, visto do espaço, pareça um imenso globo azulado, flutuando, nas paragens do infinito, como uma gota, uma gota d’água…
Torçamos, então, para que a inteligência humana e para que a eterna luta pela sobrevivência, ainda possam fazer com que o homem mude o rumo das coisas, altere seu modo de vida, e passe a preservar esse bem finito e precioso.
Torçamos, então, para que o homem perceba claramente que são as águas escuras dos rios, que banham as aldeias, que levam a fertilidade aos campos, ao sertão… matando a sede da população…
Torçamos, então para que durante muito tempo ainda vejamos a água que o sol evapora, que pro céu vai embora, formando nuvens de algodão… E que depois em forma de gotas, voltam para o fundo da Terra…
Para o fundo da terra, desse imenso Planeta Terra, desse imenso Planeta Água!
* Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.