Naquela quentíssima tarde de outubro estávamos eu e meu avô Joaquim sentados no banco da porta da cozinha conversando sobre assuntos aleatórios.
Vovô estava adoentado. Não que possuísse alguma doença grave. Adoentado aqui não remete ao sentido literal da palavra. Vovô estava doente de animação. Há muito não saía de casa. A proibição de trabalho devido a idade e labirintite lhe roubaram a alegria. Ele sempre dizia que o trabalho enobrece o homem, sendo restrito desse, vovô sentiu-se pobre no quesito da realização pessoal.
Doía-me a alma vê-lo em tal situação e o fato de morar distante para estudar e trabalhar aumentava ainda mais minha dor. Então, sempre que podia, ia visitá-lo.
Vovô era do tipo antiquado. Sempre imponente e autêntico. Costumava ser teimoso e crítico com relação a tecnologias. Não era pra menos. A época em que crescera o privara de tal acesso. O pouco de contato que teve se resumia a máquinas fotográficas demasiado antigas que passavam para o papel formas em preto e branco.
Eu e vovô conversávamos quando meu priminho Miguel chegou perto de nós chamando-nos para brincar. Tanto ele quanto eu tentávamos levantar o ânimo do vovô. Foi quanto eu tive uma ideia.
Chamei Miguel para o quarto do vovô onde reviramos as gavetas da antiga cômoda de sucupira. Ignorando os brados nervosos e ao mesmo tempo divertidos de Vovó Iveta, tiramos tudo o que havia dentro delas até encontrarmos o que procurávamos.
Pegando a caixa de lata de tamanho mediano nas mãos, trocamos olhares ambiciosos ao imaginar o quão divertido seria entreter o vovô com aquele baú de tesouros.
Voltando aos pulos para a porta da cozinha. Sentamos ao lado de nosso amado velhinho para avaliarmos os tesouros da caixa juntos: fotografias antigas.
Não me cabe sentimento melhor do que sinto ao esmiuçar cada fotografia com olhos investigativos ao lado de vovô.
Analisando uma por uma, vovô relembrou de forma proporcional, às vezes propositalmente engraçada, cada um dos momentos que estavam registrados em tons de branco e preto nos papéis amarelado em suas mãos.
Ria dos antigos shorts que os jogadores de seu antigo time de futebol usavam, que eram demasiadamente curtos, deixando as pernas à mostra, o que ele enfaticamente chamou de “pernas seca de saracura”. Falou dos antigos familiares que deixaram inscrições atrás das fotografias como forma de lembrança e carinho. Falou do trabalho, da rotina e da adolescência, da infância sofrida e das lutas diárias. Mas em nenhum desses momentos demonstrou tristeza. A cada nova recordação um novo sorriso surgia.
Eu amava vê-lo sorrir. Faria de tudo para poder desfrutar daquele momento eternamente, até se possível trocar a minha felicidade pela dele. Sendo a alegria dele, a minha, também o sorriso dele é o meu.
Ele de fato amava aquelas relíquias. Olhava carinhosamente para as fotografias amarelas para logo em seguida nos dirigir um olhar terno acompanhado de um sorriso límpido e contagiante. Acariciava os sorrisos já apagados nos traços desbotados das imagens em suas mãos. Estava com seus tesouros em mãos. Como não podia trabalhar, seu enobrecimento vinha do desfrute de lembranças saudosas.
Meu olhos sorriam em vê-lo feliz. Miguel e eu trocamos um demorado olhar de contentamento de nosso amado velhinho feliz. Missão cumprida. Assim como vovô, também gostávamos de fotografias, mas diferente dele preferíamos essas que não são registradas em papel e sim em nossa mente. Fotografias de papel desbotam sorrisos e traços, já as de nossos olhos sempre guardarão a cores vivas e traços definidos de cada detalhe da bela imagem do vovô Joaquim sorrindo.
Andreza Eduarda Araújo Freitas
Aluna do 4° período do curso de Letras do Centro Universitário – UNEC