* José Celso da Cun
Acidentes em serviços de engenharia são percebidos pela sociedade, em todo mundo, quando são divulgados pela mídia tradicional ou, mais recentemente, através das redes sociais. Sem solução dentro da ética, o espetáculo da tragédia e da busca imediata de culpados antecipa a razão, deixando a verdade muitas vezes afastada do interesse coletivo.
Para a Engenharia, a exigência de segurança nas estruturas das construções está historicamente relacionada não somente com a capacidade destas em resistir aos esforços e deformações impostas pelas ações e carregamentos, com boa margem de garantia – prevista no projeto e na construção –, mas também com o comportamento da construção frente aos fenômenos ligados ao tempo. No caso específico de obras de concreto armado as condições severas a que efetivamente são submetidas frente aos carregamentos, intempéries e à variabilidade das propriedades intrínsecas dos materiais com o tempo, (aço e concreto), podem reduzir essa segurança com o passar dos anos, ainda que suas estruturas estejam submetidas às mesmas ações ou esforços originais previstos no projeto e na construção. A determinação efetiva da influência do ambiente e do tempo, quanto à durabilidade, somente foi inserida no meio técnico como requisito obrigatório ao projeto das estruturas nos últimos anos. No nosso caso, através de normalização própria da ABNT, (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
Como a tecnologia do uso do concreto armado nas estruturas é evolutiva ― exigindo o emprego de novos materiais para atender arranjos arquitetônicos mais arrojados ―, a engenharia compreendeu que além da segurança, medida e determinada com o que se dispõe mais à mão no projeto, seria também necessário pensar-se em confiabilidade. Modernamente, não basta dizer que a segurança das estruturas está garantida, considerando-se apenas este velho preceito da engenharia. Enquanto a primeira, a segurança, baseia-se em condições estatísticas e cálculos probabilísticos recorrentes ― ao permitir estimar em projeto o quanto uma estrutura resistiria em condições mesmo severas de carregamento ―, a segunda, a confiabilidade, exige ainda que essa segurança seja colocada à prova em condições mais objetivas, dentro de uma visão moderna, por vezes holística, imposta aos profissionais de engenharia.
É necessário que a segurança prevista na engenharia, de forma objetiva, como prerrogativa, se estenda à compreensão da sociedade de forma clara e definitiva, no que agora chamamos de confiabilidade estrutural. Ou seja, que as construções sejam consideradas seguras e confiáveis também na percepção das pessoas. Por mais estranho que possa parecer, compreendemos que é para isto que são feitas as normas técnicas em todo mundo; para sua proteção. Tais normas permitem à sociedade, através do que preconizam seus procedimentos, exigir do engenheiro o seu cumprimento, responsabilizando-o quando isso não for observado, com amplo direito de defesa. Elas devem ser consideradas, portanto, como instrumento de proteção desta mesma sociedade. Em defesa do consumidor, para não sair do jargão conhecido. E ao engenheiro, conhecedor dessas prerrogativas, oferecer instrumentos técnicos eficientes que permitam proporcionar segurança e confiabilidade às construções, quando observadas na sua aplicabilidade, com conhecimento e ética profissional.
Mas como a sociedade, ou mesmo um indivíduo leigo da construção, pode interferir no processo ― considerado à primeira vista como coisa de engenharia ―, de forma a que requisitos de segurança e confiabilidade sejam garantidos em sua obra?
O mecanismo para esta interferência positiva da sociedade, compradora dos serviços da engenharia, é previsto agora por essas mesmas normas técnicas, (a mais recente está em vigor desde 2014), ao exigir que qualquer projeto de engenharia de estruturas deve ser reavaliado tecnicamente por terceiro, através de um instrumento conhecido como CQP, (Controle de Qualidade de Projeto). Ou seja, fazer saber a todos que qualquer projeto de Engenharia de Estruturas, obrigatoriamente, deve ser analisado e revalidado por outro engenheiro com capacidade técnica comprovada, pago pelo contratante com o objetivo de minimizar acidentes de qualquer natureza nas obras. Este trabalho de engenharia, com registro próprio junto aos órgãos de classe, deve conter relatório técnico conclusivo, atestando que determinado projeto de estruturas atende aos requisitos de qualidade, segurança e confiabilidade exigidos em norma. Cabe ao engenheiro contratado para o projeto da estrutura alertar ao contratante, ou ao proprietário, sobre essa nova exigência normativa obrigatória, exigindo dos órgãos de classe a sua fiscalização.
Incoerências, divergências ou incompatibilidades técnicas, de qualquer natureza, quando existirem, ou observadas durante o processo do CQP, devem ser resolvidas entre os profissionais envolvidos, de modo que, sanadas, confiram à construção, a partir desse procedimento, requisitos de segurança e confiabilidade esperados. O CQP para ser eficiente deve ser realizado antes do início da construção. De preferência, concomitantemente com a fase do projeto.
No caso das obras antigas, projetadas e construídas antes dessas novas exigências normativas, cabe à sociedade ou ao poder público atentar para o problema, promovendo inspeções periódicas em suas construções com vistas à defesa e à proteção de todos. Edificações construídas no passado, públicas ou mesmo privadas, devem ser preventivamente reavaliadas sob essa nova ótica da confiabilidade. Em caso de falhas ou de condições técnicas observadas que não atendam às novas premissas normativas, quando for o caso, sugerem-se intervenções de reforço nessas construções. Prefeituras das principais cidades brasileiras, com base nessas novas exigências, exigem que edifícios antigos, públicos ou privados ― como também diferentes construções urbanas como pontes e viadutos, com acesso de pessoas ou veículos ―, sejam periodicamente inspecionados por especialistas. Espera-se com isto reduzir riscos de acidentes tão comuns nessas construções, seja pelo uso indevido, com reformas e adaptações não previstas em projeto, como também pelas condições inerentes à durabilidade pouco explícitas nas normas anteriores. Ou seja, pensar-se na reavaliação das condições de projeto e construção das obras construídas no passado, com manutenção preventiva, realçando a confiabilidade, sempre que estiver em questão a segurança do patrimônio e das pessoas.
Finalmente, promover seminários e debates sobre o tema, com base nesta nova normalização da ABNT junto às Faculdades de Engenharia, ao setor público e aos órgãos de classe. Na mesma direção, incentivar a discussão dessas novas prerrogativas com o apoio das mídias, para a compreensão da sociedade de que há em sua defesa instrumentos de controle da engenharia quando estiverem em jogo a segurança e a confiabilidade nas construções contratadas. Dessa forma, com o passar dos anos, espera-se que tragédias de engenharia ocorram com menor frequência, prevalecendo a ética nos anúncios midiáticos com informações mais objetivas e respeitosas para todos.
* Doutor José Celso da Cunha. Membro da Academia Caratinguense de Letras. É Engenheiro civil, autor de Livros de ficção, Engenharia e história das construções