QUALIDADE DE MORTE!

 * José Antonio Martins Júnior

Você deve estar assustado com a temática deste artigo, mas peço-lhe coragem para lê-lo, pois com certeza, ele levará a fazer uma reflexão profunda sobre a vida, pois, no final, entenderá porque “QUALIDADE DE MORTE”.

Há 17 anos, venho desenvolvendo um trabalho com a Terceira Idade, e nestes anos, muitas das minhas alunas foram convidadas pelo Supremo Arquiteto do Universo, que é Deus, a morar no céu. E diante dessas situações aprendi a ter uma intimidade com a “Morte”, e comecei a buscar entender o real significado da mesma, o que vou tentar explicar nos parágrafos que estarão por vir.

Era uma manhã de uma terça-feira, no ano de 2010, e havíamos marcado nossa aula no asilo. Chegamos lá por volta de 8 horas da manhã, e começamos a entrar em cada quarto para levar um pouco de carinho, de respeito e de amor aos internos dessa instituição. Em cada abraço, um sorriso. Pessoas que há muito tempo não tinham contato com pessoas de fora, naquele dia tinham seus quartos invadidos por muitas alunas, revigorando sua autoestima e, por alguns minutos, sendo contagiadas por muita solidariedade e atenção. E essa situação foi repetida várias vezes, quarto por quarto, até chegarmos ao último. Quando percebemos que nossa missão estava concluída, aconteceu a surpresa: estava subindo a escada para o terraço, quando a enfermeira me retrucou, “professor no terraço está acontecendo o velório de uma interna nossa. Não tem ninguém lá”. Nesse momento eu subi até o final da escada e, com muita dor no coração, percebi que a frase da enfermeira estava correta: “não tinha ninguém lá”. E realmente não tinha! Havia sim, um caixão, uma pessoa falecida, sozinha, sem nenhuma companhia. Não me hesitei, desci a escada, reuni as alunas, expliquei a situação, e logo em seguida subimos todos para o terraço. E, naquele momento, o terraço que estava vazio, ficou lotado, com a presença de mais de 40 pessoas. Fizemos uma oração, ficamos vários minutos ali diante do velório de uma pessoa que não conhecíamos, mas fizemos questão de no momento de partida desta, que de alguma forma, veio ao mundo, construiu uma história e na hora de partir, ir embora de forma tão triste, tão sozinha. Não seria justo com a história que ela construiu.

Ao sair de toda aquela situação, da visita ao asilo e do desfecho naquele terraço, aproveitei para fazer uma relação com a vida. O quanto somos importantes, mas ao mesmo tempo, o quanto somos desvalorizados! Pois é: a morte mais uma vez, nos ensinando sobre a vida.

Mas voltando à nossa aula, fiz algumas correlações da necessidade de existir a morte, pois ao entender sua essência e sua certeza, começamos a valorizar mais a vida. Existem pessoas que morreram em vida, e muitas vidas que vivem em morte! Qual dessas possibilidades podemos escolher para viver? As alunas ficaram perplexas sobre a conclusão da bipolaridade e da necessidade do amor existente entre a vida e a morte, e o quanto valorizamos mais a vida, quando entendemos a essência da morte. Nesse momento final de aula, uma aluna levantou a mão e pediu para dar um exemplo: “professor, há exatamente 5 (cinco) meses, perdi meu pai com câncer. Ele ficou 8 (oito) meses na minha casa com essa doença, em estado terminal. Eu tenho uma irmã, que mora em Belo Horizonte, e papai reclamava o tempo todo querendo vê-la. Eu perdi a conta de quantas vezes eu liguei à minha irmã, contando sobre o pedido de papai. Toda vez ela adiava para a semana seguinte, pois muito eram os afazeres profissionais e pessoais que impediam-na de vir visitar papai. Só que num belo dia, (nesse caso dependendo da forma que encaramos a morte, pode ser um horrível dia), papai faleceu! Minha irmã teve de vir ao velório. Chorava muito durante o tempo todo, pedia desculpa o tempo ao para o papai, mas o pior aconteceu no momento do sepultamento de papai. Minha irmã queria entrar na cova dele, tiveram de juntar 4 (quatro) homens para segurá-la. Agora compreendo professor, que, na verdade, quem morreu não foi papai e sim minha irmã, que em vida, não tirou um tempo para realizar o desejo que meu pai queria de vê-la, e vai viver com esse peso na vida, até chegar seu momento de partir.”

Nesse instante, caro leitor, a morte nos demonstra o quanto ela é cruel para quem não percebe que o contrário de morrer é estar vivo, e a única certeza que temos é que um dia vamos morrer, e se isto é uma certeza, por que não vivemos intensamente nossa vida? Por que deixamos de dizer eu te amo, para aqueles que amamos? Por que não perdoar quem amamos, ou quem por motivo banal magoamos? Se isso é uma certeza, QUALIDADE DE MORTE é viver intensamente a vida, pois, ao morrermos, SERIA INTERESSANTE NINGUÉM SENTIR DOR PELO FATO DE NÃO TER FEITO NADA PARA A GENTE EM VIDA!

 

*José Antônio Martins Junior, Professor titular do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) mantida pela Fundação Educacional de Caratinga (FUNEC). Coordenador e professor do Curso de Educação Física do UNEC. Mestre em Ciência da Motricidade Humana na Universidade Castelo Branco – RJ (2003), Especialista em Atenção Primária em Saúde da Família pelo NESCON/ Faculdade de Medicina da UFMG (2013), Licenciado em Educação Física UNILESTE (1999)

 

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