“O humor compreende também o mau humor. O mau humor é que não compreende nada.” Millör Fernandes
Nesse fim de semana, a psicologia das emoções ganhou um Oscar com a animação ‘Divertida Mente’. Grande sucesso de público e crítica, esta animação não veio apenas para divertir, mas também veio para informar e educar. Conseguiu agradar não apenas o público em geral, mas virou sucesso nos sites e grupos de psicologia. A ideia foi genial, retratar de forma lúdica e descontraída como funcionam as emoções dentro do nosso cérebro, mostrando o papel regulador das emoções e o impacto delas nas nossas reações e comportamentos. Apesar de ser uma animação infantil possuindo as falas e vocabulários voltados para esse público, ‘Divertida Mente’ fez vários adultos compreenderem melhor o papel as primeiras lembranças infantis na formação das nossas personalidades.
O roteiro contém uma proposta consistente baseada em conceitos das neurociências e da psicologia, mas esse sucesso não foi obra de sorte ou pesquisas pela internet, o filme contou com a consultoria de um dos psicólogos mais reconhecido no campo dos estudos das emoções, Paul Ekman. Ele foi o responsável por viajar por todos os continentes do mundo identificando e decodificando as expressões faciais das emoções e apresenta suas conclusões dentro da chamada Psicologia Positiva, um ramo teórico relativamente novo dentro da psicologia.
Dentro do diversificado mundo das emoções temos emoções básicas e universais. Básicas, pois podem ser encontradas desde os primeiros anos do desenvolvimento humano, sendo consideradas como as primeiras emoções na nossa constituição. Universais, pois são as emoções compartilhadas com todos os seres humanos, independente da cultura. Paul Ekman encontrou demonstrações de Medo; Tristeza; Alegria; Nojo; Raiva e Surpresa de forma coletiva nas suas pesquisas e apenas a última emoção não entrou no filme.
Cada experiência significativa que vivemos tem por trás uma emoção predominante e essas experiências são armazenadas na forma de lembranças. Para facilitar a visualização o filme atribuiu cores distintas a cada tipo de sentimento. Os registros vividos ao longo do dia são devidamente arquivados durante a noite. Entretanto, algumas memorias são consideradas mais preciosas do que outras e transformam-se em memorias-base, sendo arquivadas em lugares de destaque em nosso cérebro. Porém outras memorias, não tão importantes, são diluídas com o tempo deixando espaço para novos registros. E por fim algumas memórias consideradas “perigosas” são escondidas dentro de um quarto escuro para ficarem inacessíveis a nossa consciência.
As memórias-base são agrupadas formando regiões denominadas de “ilhas” das lembranças. Estas ilhas representam nossas crenças centrais sendo formadas pelo acúmulo de circunstâncias da vida, vindo a sustentar e definir nossa personalidade. As coerências entre essas crenças vão predizer nosso grau de satisfação e de adequação com nós mesmos e com o mundo que nos cerca. Detalhes importantes da psicologia das emoções são apresentados despretensiosamente ao longo da trama, tornando clara a importância desse conjunto de emoções, lutando a todo o momento para serem ouvidas e levadas em consideração. Lutando pelo direito da própria existência.
A alegria é a emoção que predomina a vivencia emocional da personagem adolescente tentando estar no comando o tempo todo, com a finalidade de tornar a vida feliz. O medo funciona como um importante recurso para emitir sinais de alerta necessários para evitar problemas. O nojo é a emoção responsável por rejeitar situações, odores, alimentos entre outras experiências que não são agradáveis. A raiva apresenta-se como a emoção que aperta o botão da reação em situações que necessitam de pulso firme, mas não é muito explorada na trama. A emoção final é a tristeza, apontada inicialmente como uma emoção que deve ser evitada a todo custo pelas outras emoções para impedir a adolescente de se entristecer.
Entretanto, já está mais do que claro que todas as emoções são extremamente necessárias para nossas vivencias internas. Emoções como a raiva e a tristeza são construções básicas e, portanto, inevitáveis. A animação, de forma bem colorida e didática, nos ensina que ao evitarmos as emoções causamos uma desarmonia no equilíbrio entre elas responsável pelo sofrimento em busca do retorno a integração emocional. Percebam aqui o paradoxo que vivemos, uma vez que culturalmente alguns sentimentos são considerados inadequados e rejeitados socialmente, estimulando sua repressão, ou seja, a repressão de sentimentos básicos e universais da condição humana com a desculpa de promover a felicidade.
No entanto, a felicidade não acontece com a ausência de um sentimento considerado negativo; ela acontece no equilíbrio e o respeito entre as interações emocionais básicas e complexas.
Luciana Azevedo Damasceno – Neuropisicóloga e Terapeuta Cognitivo-Comportamental formada pela PUC Rio. Elogios, dúvidas e sugestões: [email protected]