Promotor do caso Eliza Samudio atua em Caratinga

Promotor de Justiça Henry Wagner Vasconcelos de Castro é natural de Natal, no Rio Grande do Norte e está em Minas Gerais há quase 22 anos

Henry Wagner Vasconcelos de Castro destaca trajetória profissional e perfil da comarca

CARATINGA- Desde o mês de janeiro de 2024, o Ministério Público de Caratinga conta com o promotor de Justiça Henry Wagner Vasconcelos de Castro. Henry é natural de Natal, no Rio Grande do Norte e está em Minas Gerais há quase 22 anos.
Ele chegou ao Estado no início de 2003, vindo da cidade de Brasília/DF. Na época, trabalhava como procurador federal na Advocacia Geral da União. Já em solo mineiro, ingressou no Ministério Público em 16 de agosto de 2004.
Mas, foi em entre 2012 e 2013 que o promotor Henry ganhou notoriedade, ao atuar como promotor do caso Eliza Samudio, que teve grande repercussão nacional.
Em entrevista ao DIÁRIO, ele destaca sua ligação com a cidade de Caratinga, aspectos de sua trajetória profissional e perfil da comarca.

O senhor é natural de Natal/RN, mas, historicamente atua em comarcas mineiras. Praticamente um mineiro…
Logo que finalizado o curso de formação, atuei como promotor de justiça titular pelas comarcas de Resplendor, inicialmente, aqui mesmo, no Vale do Rio Doce, comarca de Primeira Entrância. Logo adiante, comarca de São Francisco, no norte de Minas. Então, fui para a comarca de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha; Comarca de Itabira, no quadrilátero ferrífero. Voltei para o norte de Minas, para a comarca de Montes Claros, onde permaneci por quatro anos, depois, em meados de 2012, fui para a Comarca de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde trabalhei durante 7 anos e meio. Em novembro de 2019, fui para a Comarca de Belo Horizonte, onde trabalhei pouco mais de quatro anos, até vir, em janeiro de 2024, para a Comarca de Caratinga, assumindo as funções da 7ª Promotoria de Justiça da Comarca.

E já conhecia a cidade?
Já conhecia a cidade, a minha esposa é caratinguense. Não obstante nós tenhamos nos conhecido na região metropolitana de Belo Horizonte, especificamente, em Contagem ainda, tão logo iniciamos nosso relacionamento, passei a visitar frequentemente a cidade de Caratinga.

O senhor teve atuação destacada no caso do ex-goleiro Bruno e demais envolvidos na morte de Eliza Samudio. Como foi trabalhar em um caso como esse de grande repercussão nacional?
Foi muito difícil e, naturalmente, como toda dificuldade, arrasta aprendizados. Um caso que me proporcionou um grande crescimento profissional, na medida em que tive que lidar não somente com pontos muito complexos do caso em si, como também com profissionais até então muito mais experientes do que eu atuando especialmente na defesa dos acusados.
O resultado foi satisfatório?
O resultado foi muito satisfatório, não obstante alguns pontos que o Ministério Público questionou em recursos como, por exemplo, o reconhecimento de que o acusado, Bruno Fernandes, teria confessado os crimes, recebendo, em razão disso, uma suave atenuação das penas dele. Na verdade, ele nunca confessou, ele apenas afirmou que, imaginando que algo estivesse a ser tramado por Macarrão e por pessoas próximas a ele em desfavor de Eliza, teria deixado que esse plano tramado por tais pessoas próximas a si se executasse. Não desejava que nenhum mal acontecesse a ela, mas, teria terminado por aceitar que isso acontecesse. Entendo que isso não é confissão. Todavia, essa confissão, entre aspas, foi reconhecido o benefício dele e algo que até hoje eu questiono. De todo modo, no geral, os resultados dos julgamentos foram muito positivos para a sociedade e para a memória da vítima, sobretudo.

Um caso como esse que o corpo não foi encontrado, trazer à luz os elementos técnicos é muito importante.
Sim. O corpo, infelizmente, somente o executor do crime naturalmente tem conhecimento de onde o corpo tenha sido depositado ou onde restos desse corpo, se é que esse corpo existe, teriam sido descartados. Mas, nós temos no processo alguns elementos probatórios muito robustos, indicativos de que Eliza Silva Samudio foi sequestrada na cidade do Rio de Janeiro, violentamente, e trazida para Minas Gerais, onde veio a ser mantida em cativeiro, um cativeiro sucedido por um desaparecimento. E nós bem sabemos que não existe desaparecimento que se siga um sequestro, que não coincide exatamente com a morte.

Esse foi o caso mais desafiador da sua carreira até então?
Não, não foi, mas muito desafiador, de fato. Mas há outros casos que, não obstante, não tenham contado com a mesma repercussão, porque não envolventes de pessoas renomadas, por exemplo, no mundo esportivo; também foram desafiadores, até mais desafiadores.

Gostaria que o senhor falasse sobre o papel do Ministério Público, até tirar aquela impressão que está ali só para condenar o réu. Não é bem assim, né?
Não. O Ministério Público desempenha uma constelação de atribuições na defesa da sociedade. De maneira que simplifique, podemos dizer que o Ministério Público é o advogado da sociedade, o advogado do interesse público, do interesse social. No que diz respeito ao processo penal, processo por meio do qual se viabiliza que pessoas que eventualmente tenham cometido crimes venham a ser julgadas e eventualmente condenadas, cabe ao Ministério Público exercer duas tarefas. Uma delas é a de, defendendo a sociedade, dando voz aos interesses da sociedade, acusar aquele que, cometendo um crime, tenha violado valores da sociedade e também fiscalizar a retidão da aplicação da lei penal. O que significa que o Ministério Público, não obstante seja uma parte do processo penal e, portanto, atue com parcialidade, ele igualmente atua com impessoalidade, a impessoalidade que é a tônica da atuação de todo e qualquer servidor público. Então, o Ministério Público, não obstante seja um advogado comprometido com uma parte do processo que é a sociedade, que por ele se faz representar, não busca soluções e não deve buscar soluções que discrepem do direito. Então, nessa perspectiva é também comum que o Ministério Público aqui e acolá reconheça benefícios, aspectos legais que terminem por, de alguma forma, favorecer aqueles que sejam acusados. E até, em casos em que se depare com uma carência de provas, busque a absolvição daqueles que tenham sido inicialmente acusados.

E quais têm sido as suas impressões em relação à comarca de Caratinga e o seu perfil?
A comarca de Caratinga é uma comarca que é muito extensa, é uma comarca multifacetária. Nós temos 11 municípios na comarca, temos municípios muito próximos à Ipatinga e que, portanto, têm repercussões naturais dessa proximidade. Nós temos municípios que têm características ainda muito rurais. Nós temos, aliás, uma extensa zona rural, uma comarca que é cortada por uma das maiores rodovias do país, a Santos Dumont, também conhecida popularmente como Rio-Bahia e que, obviamente, não poderia deixar de ser, sofre os impactos desse trânsito de tantas pessoas provenientes dos mais variados ambientes do país. Então, tudo isso faz com que a comarca de Caratinga tenha muitas tarefas, inclusive na seara criminal. Infelizmente, nós estamos numa comarca, especialmente numa cidade em que, apesar de se tratar de uma cidade interiorana, há muita violência, inclusive, infelizmente, entrelaçada com a dinâmica, com a lógica, das disputas do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.

Inclusive, em algumas palestras que o senhor realizou anos atrás, falou a respeito da descriminalização da maconha e que era totalmente contra. O senhor mantém essa opinião?
Não, não mantenho da mesma forma tal opinião. Entendo que o uso da maconha arrasta muitos problemas ainda. A maconha é, de fato, a porta de entrada para o acesso a outras drogas mais daninhas. Compreendo hoje que o acesso a compostos provenientes de extratos da maconha, sobretudo, para fins medicinais, é algo que deve ser viabilizado, facilitado àqueles que necessitem disso. Tenho restrições, todavia, ao uso recreativo da maconha. Com relação a esse uso recreativo e a liberação, infelizmente, nós tivemos uma descriminalização, ainda que mantida a ilicitude do uso, mas, considero ainda daninho. Naturalmente, nós não podemos, como aplicadores do direito, nos posicionar como ilhas e ignorar que é uma decisão do Supremo Tribunal Federal que descriminaliza, em grande medida, o uso de tal substância.

O senhor poderia explicar melhor sua atuação na comarca de Caratinga?
Nós temos três promotorias criminais na comarca de Caratinga. Uma delas, uma delas compete a atuação nos casos que envolvam crimes dolosos, crimes intencionais contra a vida e, portanto, no Tribunal do Júri. Mas, nós atuamos, me permita assim simplificar, em um terço de todas as demandas criminais dos mais variados tipos. Então, se nós pudéssemos colher num balaio todas as situações de crimes, um terço desses casos vem para esta Promotoria de Justiça. Um terço para a 3ª Promotoria de Justiça, que acompanha os casos da 1ª Vara Criminal. Um terço para a 2ª Promotoria de Justiça, que acompanha os casos que compitam a 2ª Vara Criminal, sendo que também a 2ª Promotoria de Justiça concerne os casos de violência doméstica familiar contra a mulher, desde que esses casos não sejam casos de crimes dolosos contra a vida, quer dizer, feminicídios tentados ou consumados. Feminicídios tentados ou consumados são da competência do Tribunal do Júri, portanto, cabe a mim neles atuar. A 3ª Promotoria de Justiça, que a 1ª Vara Criminal, atua também nos casos das execuções penais, ou seja, aqueles cidadãos que já tenham uma condenação pelo menos provisória e que devam, pelo menos provisoriamente, cumprir uma pena.

Quais são suas considerações finais?
Me sinto muito feliz como promotor de Justiça em exercício na comarca de Caratinga, atuando especialmente aqui no Tribunal do Júri. Compreendo que o júri tem um papel de ampliação da civilidade numa sociedade. Me sinto muito comprometido, portanto, com essa tarefa de contribuir para o reforço dos valores civilizatórios na cidade e comarca de Caratinga. Sinto-me a viver, na verdade, uma oportunidade muito grande, não somente de enriquecimento pessoal, de me nutrir profissionalmente com tal vivência, mas também de muito contribuir com esta comunidade.