Ex-ministro do Meio Ambiente do governo FHC falou com exclusividade ao DIÁRIO e abordou a questão da Amazônia
DA REDAÇÃO – Nas últimas semanas, a questão da Amazônia tomou conta dos noticiários nacionais e internacionais. A situação chegou a uma dimensão tão grande que até causou mal-estar entre os presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) e Emmanuel Macron (França). Mas quem tem razão neste imbróglio? Para entendermos o que se passa, o DIÁRIO entrevistou José Carlos Carvalho, reconhecidamente como um dos maiores nomes da área ambiental no Brasil.
Ele foi ministro do Meio Ambiente do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, de 5 de março de 2002 a 1º de janeiro de 2003. José Carlos Carvalho representou o país em eventos globais sobre sustentabilidade. Foi ainda secretário-executivo do Ministério de Meio Ambiente, secretário de Governo de Meio Ambiente de Minas Gerais e diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF).
Atualmente é proprietário de uma consultoria especializada e realiza também palestras pelo Brasil. José Carlos Carvalho é enfático sobre a questão da soberania da Amazônia e disse ainda que “precisamos inserir a dimensão ambiental no planejamento estratégico do país”.
A questão do desmatamento na Amazônia ganhou grande repercussão nacional e internacional. O senhor tem vasta experiência nessa área. Como analisa as críticas à política do governo para a Amazônia?
O desmatamento, as queimadas e os incêndios florestais na Amazônia não são um problema de hoje, já tivemos no passado situações iguais ou piores. O que ocorre agora é a abordagem dada pelo governo a um problema que é recorrente. Ao invés de encarar o desmatamento e as queimadas como uma questão que se repete a cada ano, com maior ou menor intensidade, a primeira reação das autoridades foi totalmente atabalhoada, tentando identificar bodes expiatórios, ignorando a dimensão da tragédia, terceirizando as responsabilidades. Assim acabou sendo atropelado pelos fatos e acabou dando uma resposta tardia.
Dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apontaram uma situação, mas o governo disse que eles estavam errados. Quem está com a razão nessa questão?
Os dados do INPE são reconhecidos nacional e internacionalmente, inclusive pela NASA, com quem o INPE tem projetos em parceria. Diante do desconforto dos números, de uma notícia ruim, as autoridades preferiram condenar o mensageiro, demitindo o dirigente da instituição. Os dados do DETER (Nota: levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, feito pelo INPE) criticados pelas autoridades indicam tendências, é um instrumento para apoiar a atuação preventiva do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e dos órgãos estaduais de meio ambiente. Os dados apurados por essa metodologia correspondem a um aviso. Ignorar essas informações é apostar na devastação.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a Amazônia precisa de ‘soluções capitalistas’. Como o senhor avalia essa declaração?
O Brasil é um país capitalista, adota uma economia de livre mercado. Logo, não é surpreendente o que diz o Ministro. Reconheço que somente as medidas de comando e controle do Estado, embora necessárias, não são suficientes para o enfrentamento dessa questão. Por isso, é fundamental adotar políticas de uso sustentável da floresta e da terra, produzir riqueza e bem estar para a população da Amazônia com a floresta em pé, a partir da bioeconomia e não somente como uso alternativo do solo para as atividades agropecuárias.
O discurso em favor da regularização de atividades econômicas na Amazônia não estimula a exploração irregular da região?
A grilagem das terras públicas é a causa principal do desmatamento e das queimadas. Os grileiros agem em parceria com madeireiros e pecuaristas que optam deliberadamente pela ilegalidade, apostando na inércia do Estado e na fragilidade da fiscalização.
Nesse contexto, a anistia e a regularização fundiária das terras griladas são sim um estímulo à ocupação desordenada e predatória da região, um aval a exploração predatória que predomina. Urge ações integradas da União com os Estados, visado o ordenamento territorial o zoneamento ecológico e econômico para disciplinar o melhor aproveitamento das riquezas amazônicas.
Houve relaxamento em relação à fiscalização feita na Amazônia?
O Governo emitiu reiterados sinais de leniência com a degradação, ao criticar a fiscalização, desmoralizar os órgãos gestores e assim, estimular a sanha degradadora. A Amazônia vive em estado de pressão antrópica latente, de interesses organizados em torno da ocupação ilegal. Ao desacreditar os órgãos de controle, as autoridades levaram a um relaxamento da fiscalização, mais do que isso, inibiram a atuação dos fiscais, numa espécie de assédio moral inadmissível.
E como o senhor analisa a questão garimpos na Amazônia, inclusive em terras indígenas?
Inaceitável, mas renitente. Essa é outra questão recorrente, que não começou nesse governo. Mas, também nesse caso, os sinais emitidos de Brasília estimulam o garimpo ilegal não só nas terras indígenas, mas também nas unidades de conservação. O aproveitamento sustentável e meticuloso das riquezas naturais da Amazônia deve ser considerado, mas como as coisas tem sido colocadas, se passa a ideia que seria possível implantar uma “Serra Pelada” nas áreas indígenas, o que deplorável.
Parece que há um desejo de ambientalistas do Brasil e do exterior e também de governos, especialmente na Europa, de transformar a Amazônia em “patrimônio da humanidade”. O que o senhor pensa sobre essa proposta?
O Brasil não pode e não deve abdicar em nenhuma hipótese à sua soberania na Amazônia ou em qualquer outra parte do nosso território. Considero essas insinuações inaceitáveis. Contudo, não devemos exercer a nossa soberania de forma predatória, porque de nada adianta exercer uma soberania nas ruinas de um território. Cabe a nós, brasileiros, defender e proteger a região. Afinal, o meio ambiente, caracterizado pelo nosso imenso patrimônio natural, é o nosso principal ativo no contexto das nações e o nosso maior cacife geopolítico nas relações internacionais.
Por fim, no Brasil ainda existe aquele estigma de que o meio ambiente atrapalha a produção? Por que dessa concepção?
Para aqueles que desejam implantar e manter atividades econômicas predatórias, de fato o meio ambiente é um “empecilho”, pois querem extrair o máximo de recursos, ignorando as futuras gerações. O que precisamos é de inserir a dimensão ambiental no planejamento estratégico do país, adotar uma economia sustentável, que assegure o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente e a inclusão social. Vários setores da nossa economia já atuam dessa forma, demonstrando que é possível uma nova forma de produção.
É fundamental considerar um modelo de desenvolvimento que não se subordina à tutela do poder econômico, nem ao sectarismo dos movimentos ambientalistas mais radicais.
Ex-ministro do Meio Ambiente do governo FHC falou com exclusividade ao DIÁRIO e abordou a questão da Amazônia
“O Brasil não pode e não deve abdicar em nenhuma hipótese à sua soberania na Amazônia ou em qualquer outra parte do nosso território”, disse José Carlos Carvalho (Foto: Arquivo)
DA REDAÇÃO – Nas últimas semanas, a questão da Amazônia tomou conta dos noticiários nacionais e internacionais. A situação chegou a uma dimensão tão grande que até causou mal-estar entre os presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) e Emmanuel Macron (França). Mas quem tem razão neste imbróglio? Para entendermos o que se passa, o DIÁRIO entrevistou José Carlos Carvalho, reconhecidamente como um dos maiores nomes da área ambiental no Brasil.
Ele foi ministro do Meio Ambiente do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, de 5 de março de 2002 a 1º de janeiro de 2003. José Carlos Carvalho representou o país em eventos globais sobre sustentabilidade. Foi ainda secretário-executivo do Ministério de Meio Ambiente, secretário de Governo de Meio Ambiente de Minas Gerais e diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF).
Atualmente é proprietário de uma consultoria especializada e realiza também palestras pelo Brasil. José Carlos Carvalho é enfático sobre a questão da soberania da Amazônia e disse ainda que “precisamos inserir a dimensão ambiental no planejamento estratégico do país”.
A questão do desmatamento na Amazônia ganhou grande repercussão nacional e internacional. O senhor tem vasta experiência nessa área. Como analisa as críticas à política do governo para a Amazônia?
O desmatamento, as queimadas e os incêndios florestais na Amazônia não são um problema de hoje, já tivemos no passado situações iguais ou piores. O que ocorre agora é a abordagem dada pelo governo a um problema que é recorrente. Ao invés de encarar o desmatamento e as queimadas como uma questão que se repete a cada ano, com maior ou menor intensidade, a primeira reação das autoridades foi totalmente atabalhoada, tentando identificar bodes expiatórios, ignorando a dimensão da tragédia, terceirizando as responsabilidades. Assim acabou sendo atropelado pelos fatos e acabou dando uma resposta tardia.
Dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apontaram uma situação, mas o governo disse que eles estavam errados. Quem está com a razão nessa questão?
Os dados do INPE são reconhecidos nacional e internacionalmente, inclusive pela NASA, com quem o INPE tem projetos em parceria. Diante do desconforto dos números, de uma notícia ruim, as autoridades preferiram condenar o mensageiro, demitindo o dirigente da instituição. Os dados do DETER (Nota: levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, feito pelo INPE) criticados pelas autoridades indicam tendências, é um instrumento para apoiar a atuação preventiva do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e dos órgãos estaduais de meio ambiente. Os dados apurados por essa metodologia correspondem a um aviso. Ignorar essas informações é apostar na devastação.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a Amazônia precisa de ‘soluções capitalistas’. Como o senhor avalia essa declaração?
O Brasil é um país capitalista, adota uma economia de livre mercado. Logo, não é surpreendente o que diz o Ministro. Reconheço que somente as medidas de comando e controle do Estado, embora necessárias, não são suficientes para o enfrentamento dessa questão. Por isso, é fundamental adotar políticas de uso sustentável da floresta e da terra, produzir riqueza e bem estar para a população da Amazônia com a floresta em pé, a partir da bioeconomia e não somente como uso alternativo do solo para as atividades agropecuárias.
O discurso em favor da regularização de atividades econômicas na Amazônia não estimula a exploração irregular da região?
A grilagem das terras públicas é a causa principal do desmatamento e das queimadas. Os grileiros agem em parceria com madeireiros e pecuaristas que optam deliberadamente pela ilegalidade, apostando na inércia do Estado e na fragilidade da fiscalização.
Nesse contexto, a anistia e a regularização fundiária das terras griladas são sim um estímulo à ocupação desordenada e predatória da região, um aval a exploração predatória que predomina. Urge ações integradas da União com os Estados, visado o ordenamento territorial o zoneamento ecológico e econômico para disciplinar o melhor aproveitamento das riquezas amazônicas.
Houve relaxamento em relação à fiscalização feita na Amazônia?
O Governo emitiu reiterados sinais de leniência com a degradação, ao criticar a fiscalização, desmoralizar os órgãos gestores e assim, estimular a sanha degradadora. A Amazônia vive em estado de pressão antrópica latente, de interesses organizados em torno da ocupação ilegal. Ao desacreditar os órgãos de controle, as autoridades levaram a um relaxamento da fiscalização, mais do que isso, inibiram a atuação dos fiscais, numa espécie de assédio moral inadmissível.
E como o senhor analisa a questão garimpos na Amazônia, inclusive em terras indígenas?
Inaceitável, mas renitente. Essa é outra questão recorrente, que não começou nesse governo. Mas, também nesse caso, os sinais emitidos de Brasília estimulam o garimpo ilegal não só nas terras indígenas, mas também nas unidades de conservação. O aproveitamento sustentável e meticuloso das riquezas naturais da Amazônia deve ser considerado, mas como as coisas tem sido colocadas, se passa a ideia que seria possível implantar uma “Serra Pelada” nas áreas indígenas, o que deplorável.
Parece que há um desejo de ambientalistas do Brasil e do exterior e também de governos, especialmente na Europa, de transformar a Amazônia em “patrimônio da humanidade”. O que o senhor pensa sobre essa proposta?
O Brasil não pode e não deve abdicar em nenhuma hipótese à sua soberania na Amazônia ou em qualquer outra parte do nosso território. Considero essas insinuações inaceitáveis. Contudo, não devemos exercer a nossa soberania de forma predatória, porque de nada adianta exercer uma soberania nas ruinas de um território. Cabe a nós, brasileiros, defender e proteger a região. Afinal, o meio ambiente, caracterizado pelo nosso imenso patrimônio natural, é o nosso principal ativo no contexto das nações e o nosso maior cacife geopolítico nas relações internacionais.
Por fim, no Brasil ainda existe aquele estigma de que o meio ambiente atrapalha a produção? Por que dessa concepção?
Para aqueles que desejam implantar e manter atividades econômicas predatórias, de fato o meio ambiente é um “empecilho”, pois querem extrair o máximo de recursos, ignorando as futuras gerações. O que precisamos é de inserir a dimensão ambiental no planejamento estratégico do país, adotar uma economia sustentável, que assegure o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente e a inclusão social. Vários setores da nossa economia já atuam dessa forma, demonstrando que é possível uma nova forma de produção.
É fundamental considerar um modelo de desenvolvimento que não se subordina à tutela do poder econômico, nem ao sectarismo dos movimentos ambientalistas mais radicais.