Professor Amédis Germano analisa o fato e descreve sobre sua importância para o Brasil
DA REDAÇÃO – Na última quarta-feira (15) foram comemorados 128 da Proclamação da República no Brasil, ocorrida em 1889 e assinada pelo primeiro presidente do país, Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892). O evento representou o início da Era Republicana e o fim da Monarquia Constitucional Parlamentar no país, instaurando um novo regime de governo presidencialista. Esse tipo de governo (regime republicano) vigora até os dias atuais no Brasil com participação da população na escolha do presidente, governadores e senadores.
No entanto, um evento de tal importância tem sido esquecido pela maioria dos brasileiros. A data se tornou apenas mais uma feriado. Para fazer um análise da Proclamação da República e de seu contexto histórico, o DIÁRIO entrevistou o professor Amédis Germano dos Santos, que dentre tantas qualificações, é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2005), mestre em História da Ciência pela PUC-SP (2000), graduado em Ciências Políticas e Sociais (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1984). Atualmente é professor adjunto I do Instituto de Ciências, Engenharia e Tecnologia (ICET), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM/Campus Mucuri -Teófilo Otoni).
Frisamos aos nossos leitores que essa entrevista era para ter sido veiculada na edição de quarta-feira (15), mas houve um contratempo, sendo publicada somente hoje.
Então, vamos a mais uma aula com o professor Amédis Germano.
Qual é a importância da comemoração dessa data no Brasil?
O 15 de Novembro nunca foi tão significativo nas efemérides brasileiras quanto o fora no período da Ditadura – quando então teve caráter de comemoração mais militar que cívica. Deveríamos ter mais atenção para com essa data se tivéssemos tido uma participação popular no movimento que transformou o país de uma Monarquia moribunda, sôfrega e ultrapassada para uma República destituída de planejadores com visão de estadistas. O que tivemos foram oportunistas de última hora engajados nos ideais de alguns republicanos, forjados nos discursos de fazendeiros e acadêmicos paulistas, altamente comprometidos com o capital inglês nos trilhos da São Paulo Railway Company Limited, criada em 1867, para levar o café de Jundiaí ao porto de Santos.
Fora isso, tornou-se um dia como outro qualquer, travestido de feriado cívico sem que a sociedade saiba exatamente as causas e consequências de seu significado e desfechos. É um dia muito bom para dar prejuízos produtivos à Nação e paralisar a máquina pública contrariando os desejos e necessidades dos cidadãos pagadores de impostos.

Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil (Reprodução)
Professor Amédis Germano (Foto: Arquivo)
Tendo como base as transformações políticas na América Latina, como o senhor analisa o processo de implantação da República no Brasil? Houve alguma diferença nesse processo em relação a outros países?
A República Brasileira pode ser vislumbrada de várias maneiras: a)- uma quartelada, na visão daqueles que veem nela uma imposição dos militares contra um regime já desgastado e corroído; b)- a derrocada da última “flor exótica” das américas, pois fomos o último povo sul-americano a abolir a monarquias, quando todos os demais países já o haviam feito – ao sabor de sangue e muito suor. A nossa, foi uma grande negociata, um evento “fake” – na linguagem bem mais atualizada, uma farsa mesmo.
Os demais países vizinhos conquistaram a liberdade em lutas ferrenhas e derramamento de muito sangue, principalmente dos índios e dos renitentes colonizadores, o que não foi o nosso caso. Da mesma forma que a nossa Independência envolveu negociações – verdadeira compra de status quo político, já que pagamos à Inglaterra a dívida de Portugal para que nos fosse concedida a (In)dependência – a República também foi negociada. Os nossos vizinhos se quiseram a liberdade, tiveram que conquistá-la a ferro e fogo. Não quero dizer com isso que não tenhamos lutado para a conquista da Independência ou a República, até porque a nossa história está plena de dezenas de revoltas para livrar-nos do jugo dos inimigos externos: portugueses, franceses, espanhóis, holandeses, paraguaios, bolivianos etc. A nossa história é muita rica em sublevações externas, mas também internas contra negros, índios, paulistas, capixabas etc. Nós temos eventos muito mais significativos historicamente para a Nação brasileira que propriamente a República: a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana, a Revolução Pernambucana e a Praieira em Pernambuco, a Confederação do Equador, a Guerra do Prata, a Revolução Farroupilha, a Cabanagem no Pará, a Sabinada na Bahia, a Balaiada no Maranhão, dentre outros. Esses movimentos desenharam ou ratificaram o Brasil no cenário internacional de forma inusitada, mas suas datas nem sempre dizem pelo que representaram para a formação da Nação brasileira.
Quais foram os maiores desafios da transição de um Brasil monárquico para um Brasil republicano?
O Brasil saiu de uma monarquia agrária retrógrada, cristã e escravista, para uma República transitando para o capital que se assentava na exportação cafeeira do Oeste paulista, através dos trilhos das ferrovias implantadas pelo capital inglês. As velhas carroças monárquicas e tropas coloniais começaram a ceder espaço para os trilhos; a Igreja perdeu o monopólio do poder estatal e o regime escravista cedeu espaço para a mão de obra paga.
O modelo exportador baseado apenas no café fez surgir uma elite agrária que necessitava do espaço do poder, enquanto a monarquia se sustentava numa elite bizarra – portadora de títulos de nobreza comprados às custas do escravismo, mas sem o “pedigree” da nobreza de sangue, desajeitada e desarticulada. Ao perder os escravos para o abolicionismo, os monarquistas ficaram desamparados, o que deu chance para as ideias republicanas paulistas disseminar o seu projeto de poder – tudo isso com o apoio dos militares inconformados com os civis bajuladores do monarca, desde a Guerra do Paraguai.
Alguns historiadores dizem que a Igreja Católica teve grande influência no reinado de D. Pedro II? É possível afirmar que a falta de apoio contribuiu para o enfraquecimento da monarquia?
Não há como dissociar a Igreja da Monarquia porque ela era a imagem do poder na forma de Estado. Mesmo tendo um quarto poder nas mãos, o monarca necessitava das ideias divinas como forma de coerção psicológica sobre a sociedade como meios de ditar as normas de conduta e moralidade que guiavam a massa amorfa da sociedade escravista brasileira. Não podemos esquecer que a Igreja exercia também um poder de polícia, pois regra geral as câmaras municipais e cadeias coexistiam no mesmo espaço da sede da Igreja. Na ausência de um Direito Civil, era o Direito Canônico que se fazia prevalecer perante a tudo e a todos – resquício ainda dos processos inquisitoriais.
Historicamente, a Maçonaria contribuiu muito mais para a derrocada da Monarquia que a ausência de apoio da Igreja.
Outra tese é que D. Pedro II equipou o exército brasileiro para a Guerra do Paraguai. E justamente o exército que o tirou do poder. O senhor compartilha dessa tese?
Equipar o Exército é contestável porque os nossos militares não estavam armados como deveriam naquelas circunstâncias. Entre a tropa, havia muitos escravos nas fileiras, sem preparo algum, por uma simples promessa de alforria caso retornassem vivos.
Dizer que foi justamente esse o Exército que o alijou do poder não demonstra contradição como sugere a pergunta porque entre o Monarca e o Exército nada havia em comum. Aliás, Pedro II esteve sempre distante das tropas, muito diferente de seus semelhados na Europa; o Palácio no Rio de Janeiro sequer tinha uma Casa Militar para auxiliar o monarca nas questões belicosas.
O retorno do Exército brasileiro com a vitória na Guerra do Paraguai, esperava-se que a monarquia cumprisse sua promessa de reconhecimento e remuneração digna de heróis da batalha, mas nada disso ocorreu.
Assim, não é de se estranhar que tenha sido justamente o Exército tirá-lo do poder. Não havendo amabilidades, os militares tomaram posição. O que justifica a partida do monarca para Portugal sem que tenha existido derramamento de sangue – sorte de Pedro II – é que ele era tinha força alguma para resistir, com ou ser armas.
O monarca começou a perder o poder a partir do momento em que as ideias republicanas começaram a ser disseminadas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e pelas decisões do Congresso Republicano de 14 de julho de 1887, quando decidiram que nenhum republicano poderia ter escravos – daí para o 13 de maio de 1888, foi um passo, sem mais nem menos.
Quais foram as principais transformações da República no cenário político e social brasileiro?
Politicamente as províncias tornaram–se em Estados, a Constituição separou o Estado da Igreja e a República preconizou ares de mais liberdade – mais teórico que prático. Até a queda de Washington Luís em 24 de outubro de1930, a Primeira República permanecia atrelada ao poder oligárquico cafeeiro sob o domínio do Estado de São Paulo e o leite de Minas Gerais – a despeito da industrialização incipiente imposta pela 1ª Guerra Mundial.
Se a abolição libertou muitos negros da escravidão, a inexistência de indústrias manteve a sociedade na mesma forma produtiva agrária de outrora, exceto no Oeste paulista cortado por várias ferrovias a serviço do café: a Companhia São Paulo Railway C. L (1867), a Companhia Paulista (1868), a Companhia Ituana (1870), a Companhia Mogiana (1872), a Companhia Rio Claro (1880). A Companhia Sorocabana (1872) foi a única criada para o escoamento do algodão. Assim, o Estado de São Paulo passou a deter 5/6 do PIB nacional. As grandes modificações no cenário brasileiro como um todo só começaram a aparecer após a crise da década de 30.
Qual a sua avaliação da primeira Constituição da República, promulgada em 1891?
A nossa Primeira Constituição teve muito das constituições da Argentina, Estados Unidos e da Suíça. Da influência americana herdamos o poder conferido aos Estados como entes da Federação e a autonomia dos Municípios; garantiu a eleição dos membros dos poderes Executivo e Legislativo e eliminou a bizarrice do quarto o Poder – o Moderador, exclusivo do Monarca. Institucionalizou o Regime Presidencialista com mandato de quatro anos, eleito por via direta em 1º de março e posse em 15 de novembro. Separou a Igreja do Estado, criou os Cartórios de registro de casamento, nascimento e morte e criou os cemitérios públicos – independente do credo religioso. Criou as escolas públicas para o ensino fundamental e intermediário, o que irritou bastante a Igreja, fazendo com que esta tornasse a maior aliada da Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas. Extinguiu os títulos de nobreza, os brasões nobiliárquicos e as ordens honoríficas imperiais.
A nossa República adota o sistema presidencialista. Ainda tem pessoas que defendem para que passemos para o parlamentarismo. Qual sua avaliação desses sistemas?
Na confecção da Constituição ora em vigor, tivemos um breve momento histórico, entre junho de 87 e março de 88, em que os ideais constituintes sinalizavam para o Parlamentarismo – notadamente influenciado pelos senadores Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso e o deputado federal Nelson Jobim. Na votação da Comissão Sistematizadora, o Centrão impôs a derrota do parlamentarismo, definindo de vez pelo presidencialismo até o plebiscito marcado para 1993, quando então o presidencialismo venceu nas urnas com 63% dos votos –infelizmente.
Particularmente, sempre defendi o parlamentarismo porque é o regime que permite uma maior aproximação do eleitor com o seu representante. A título de exemplo, temos em Minas Gerais 53 deputados federais que são definidos por uma matemática populacional de conformidade com o TSE.
No regime presidencialista, um determinado candidato obter o voto de qualquer eleitor do seu Estado, o que acaba tornando o sistema perverso porque todos os candidatos têm o direito de serem votados em qualquer parte do Estado, e não representar parte alguma dele – os chamados candidatos paraquedistas.
No regime parlamentarista, um candidato só pode obter os votos dos eleitores de determinada região de seu Estado, pré-estabelecida pelo TSE e TRE de seu Estado. Este modelo aproxima o candidato de seu eleitor e evita que certas regiões fiquem sem representantes nas esferas legislativas. O problema do parlamentarismo está no Congresso que, tomado por raposas de plantão, jamais deixariam passar um emenda constitucional alterando o regime ora em vigor, o presidencialismo de coalizão.
Com tanta coisa que é dita hoje, até mesmo alguns pedem a volta dos militares ao poder. A República do Brasil está em perigo?
Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Não corremos o risco do retorno da ditadura militar ao poder da forma que ocorreu em março de 64. A conjuntura de hoje não é a mesma, como também as pessoas, os partidos, os eleitores, os componentes das Forças Armadas também não são os mesmos – como não são os mesmos as aspirações dos militares do momento.
O mundo de hoje é outro, a economia é outra, a comunicação é outra, as tecnologias são outras. O mundo da década de 60 girava em torno do poder do Estado-Nação; o poder no mundo de hoje está configurado nos mercados regionais: Alca, MCE, Asian, Mercosul, Nafta, Sacu e um poderoso mecanismo de controle econômico denominado O.M.C. Evidente que tudo isso não inibe um golpe ditatorial, mas deixa qualquer pretendente em uma situação muito desvantajosa perante o mundo – como a Venezuela por exemplo ao insistir no bolivarianismo.
Dito isso, o que podemos concluir é que o Brasil não corre o risco de uma volta à ditadura à lá 64. Também nada impede que as eleições de 2018 traga de volta as aspirações de uma direita reacionária, já que a esquerda visionária nada acrescentou no cenário político internacional que vem se desenhando mundo afora.