Este texto tem como base minhas observações e conversas com amigos, familiares e pacientes. Vocês já pararam para observar como estamos vivenciando todo processo em relação à pandemia? Quero trazer uma breve reflexão sobre o que é ficarmos presos em um ‘velho olhar.’ Sou consciente de que se trata de uma prisão necessária e contraditória, pois ao mesmo tempo que é uma necessidade, também traz grandes malefícios ao ser humano. Somos seres sociais e necessitamos de ‘contato’, ressalto sobre o contato físico, vivências concretas, pois precisamos do palpável, do sólido. E ainda ressalto o direito de ir e vir, que é libertador, todavia nossa liberdade foi engolida de forma injusta e angustiante. Eu diria que estamos literalmente em ‘outro mundo’.
Quando cito a expressão ‘outro mundo’ quero destacar o início de uma quebra de paradigmas, pois após tudo isso, não seremos mais os mesmos. Vivemos grandes mudanças no nosso cotidiano com danos psicossociais, trazendo uma vulnerabilidade na saúde física e mental. Na saúde física, nosso corpo grita, pede socorro, através de questões apresentadas que tem a influência do ‘velho olhar’. Na saúde mental temos a somatização caracterizada por queixas recorrentes, clinicamente significativas, embora não seja possível detectar nenhum transtorno orgânico, pois é gerado a partir de uma condição psiquiátrica ou psicológica, normalmente a depressão e a ansiedade. Uma das explicações mais antigas para a somatização é que é resultado da nossa incapacidade de lidar com o sofrimento psicológico, emocional e social.
Estamos adoecendo mesmo quando não contaminados pelo coronavírus, sentindo um medo que mobiliza, paralisa, é confuso deixando nossa alma e nosso corpo também confusos, trazendo um aperto no peito e tudo isso ressalta o quanto é prejudicial nossa falta de controle das coisas, que antes pensávamos que estavam sob nosso domínio; vivemos uma crise de significados e necessitamos da ressignificação.
Sabemos que as mudanças geram conflitos, considerando a quebra de paradigmas, estamos naquela fase onde tudo saiu do lugar e nós ainda não conseguimos uma adaptação para vivermos de forma mais harmônica, nosso grande engano é a tentativa de ajeitar tudo como era antes. Neste sentido, vejo que a dor que vivemos com relação às perdas, é completamente pedagógica, quem se foi, sabemos que nunca irá voltar, isto ensina uma lógica, ‘a vida só acontece no aqui agora’ e mesmo com tudo isso acontecendo, insistimos em não aprender. É tormentoso para nós enxergar o que há, pois vivemos ‘a morte de um velho olhar, ’ estamos de luto, usando como recurso o mecanismo de defesa da negação. A negação é um mecanismo de defesa que envolve, o não reconhecimento que um evento ocorreu, assim vejo que nosso comportamento com relação a tudo isso se torna bizarro.
Eu pergunto até quando vamos conseguir nos manter neste lugar? Estamos nos perdendo de nós mesmos, e, é urgente nos encontrar e encarar a nossa realidade. Neste momento, temos mais perguntas do que respostas e a certeza de que não temos o controle de nada, bate na nossa porta insistentemente, e mesmo assim, ainda queremos o controle. Eu pergunto controle de quê? Para quê? Qual o sentido de nos manter em um falso controle, se o futuro nos dá a lição da incerteza?
São interrogações necessárias, pois as respostas podem ser libertadoras e estão dentro de nós.
Rejane Nascimento
Psicóloga