*Eugênio Maria Gomes
No último feriado de novembro, tivemos a oportunidade de ir a Montes Claros, quando participamos das comemorações dos 50 anos de vida religiosa de uma querida tia, irmã de meu pai, membro do Instituto Sagrado Coração de Maria de Berllar. Fomos recepcionados pelas irmãs e ficamos hospedados no Colégio onde residem e mantêm uma escola de altíssima qualidade na cidade. Em cada quarto uma identificação e, na cabeceira da cama, um cartão de boas-vindas e um presente. Café às 7 da manhã, almoço às 12 horas e jantar às 19 horas. Em um dos almoços, a presença do Arcebispo de Montes Claros, Dom João Justino, que também presidiu a celebração da Eucaristia. No meio disso tudo, passeios, alegria, confraternização, bate papo saudável e muito carinho das irmãs, que se esmeraram na acolhida.
A Irmã Leda – para nós, sempre a Tia Leda -, depois de anos atuando na área educacional, na condição de professora, supervisora, orientadora e diretora de escola, aposentou-se das atividades escolares. Desde garoto, a Tia Lêda sempre foi uma referência positiva para mim e, com certeza, para todos os seus sobrinhos. Alguém que estudou em uma época onde tudo era muito difícil, principalmente para as mulheres. Além disso, ela teve a coragem de dizer NÃO ao costumeiro caminho preparado para as moças do interior e disse SIM à Vida Consagrada, respondendo livremente ao chamado de Cristo.
Meus pais sempre tiveram um carinho muito especial por ela e, a contrapartida, sempre foi um cuidado e um grande amor dela para conosco, além do respeito e de uma verdadeira reverência que ela sempre demonstrou aos meus pais. Cada vez que a Tia Lêda anunciava sua chegada à nossa casa, a rotina se transformava, ficava tudo muito movimentado e a ansiedade tomava conta de todos. Ainda é assim: em todos os lares, de todos os parentes e amigos, em que a Tia Leda chegue, o quarto é especial, o cardápio é cuidadosamente preparado e as conversas se prolongam por muitas e muitas horas. Como é bom bater um bom papo com a Tia Lêda!
Bem, com a tia Leda aposentada, estava previsto que, em Montes Claros, teríamos muitas horas para colocar a conversa em dia. Que nada! Lá estava a Tia Leda envolvida com projetos sociais e com a comunidade da qual faz parte. Seus olhos brilhavam enquanto falava das atividades desenvolvidas no Centro de Convívio Madre Teresia Vermeylen. O Centro é um oásis no meio de uma comunidade muito pobre, denominada Vila Castelo Branco. O mais interessante é saber como surgiu a ideia do projeto: as irmãs desenvolviam atividades de orientação a adolescentes, em outra comunidade, quando se deram conta de que a maior parte das adolescentes grávidas era provenientes da comunidade Vila Castelo Branco e, por isso, decidiram criar o Centro de Convívio lá.
E foram com força total, com coragem, buscando ajuda do Serviço Social, fazendo parcerias diversas. Construíram uma estrutura de fazer inveja a muitos clubes sociais e colocaram todo o aparato a serviço da comunidade local. Lá tem capela, cozinha, refeitórios, brinquedoteca. Cheguei a pensar que certamente era mais um complexo de ajuda paliativa e orientação às pessoas, como tantos por aí. Não, lá a coisa é diferente. As crianças brincam, recebem orientações, se alimentam, aprendem enquanto as mães estão nas oficinas de geração de renda, aprendendo a costurar, pintar, bordar, a fazer artesanato e a confeccionar enxovais. O Centro oferece, ainda, aula de espanhol e outros cursos de qualificação.
O mais legal dessa história foi o entendimento das irmãs de que não bastava falar para as adolescentes não se prostituirem ou “puxar a orelha” das mães para não as deixarem “soltas” pela vida. Elas visitaram as famílias, conheceram suas histórias e perceberam que era preciso mais para livrar aquelas crianças do relacionamento sexual prematuro, em troca de dez, quinze reais. Elas viram que, algumas mães, sentiam alívio quando uma adolescente conseguia um homem para sustentá-las, pois seria um estômago vazio a menos. Era preciso mais. Era preciso envolver a família no projeto e é o que vem acontecendo. Ainda há muito o que fazer, mas o passo certeiro está sendo dado.
Tivemos a oportunidade de ver pessoalmente como é difícil e sofrida a vida daquelas pessoas e de constatar como um trabalho de dedicação, de entrega, de solidariedade e de profundo amor ao próximo é capaz de atenuar o sofrimento das pessoas e de contribuir para resgatar-lhes a dignidade. O projeto desenvolvido naquele Centro de Convívio fez bater forte aquela sensação que às vezes temos de que, na verdade, muitos de nós desperdiçamos nosso tempo com coisas fúteis, com atividade e afazeres improdutivos, que nada nos acrescentam e que tanto consomem a nossa energia. Uma breve visita àquele local faz-nos perceber, que muitos de nós levam uma vida egoísta, vaidosa, mostra-nos de uma forma vívida a nossa falta de respeito ao próximo, e o nosso profundo narcisismo. Uma simples visita ao Centro de Convívio é o suficiente para nos mostrar a necessidade de cultivarmos, cada vez mais, as virtudes.
A solidariedade, a Caridade, o Amor ao próximo. Nada pode ser mais gratificante e mais enriquecedor do que fazermos o Bem. Do que utilizarmos nossos dons, nossos talentos, nossa energia e nosso trabalho em prol dos nossos semelhantes.
“Todos aqueles que se doam, mesmo que seja apenas um pouco de si pelo Bem, estão semeando flores. Cada gesto de caridade e de amor é uma semente, e cada semente, uma flor. Se todos nós fizéssemos isso, apenas por uma pequena parte do nosso tempo, faríamos da terra em que vivemos, em pouco tempo, um imenso jardim…” (Irmã Dulce – a Santa Dulce dos Pobres).
- Professor, escritor, funcionário da Funec e sobrinho da Irmã Leda.