Walber Gonçalves de Souza
Entre outras características o ser humano pode ser percebido como um ser de necessidades, curioso e aventureiro. Estas três características estão ligadas diretamente ao seu processo de desenvolvimento e evolução. Elas se tornam os pilares que possibilitam o desenvolvimento da própria espécie.
Suas necessidades, tanto de aspectos biológicos, socais, emocionais, que apresentam fatores diversos, despertaram a curiosidade que se concretiza nas aventuras de conhecer o espaço por ele habitado ou outros espaços que possíveis necessidades o faria habitar. Formando assim um ciclo eterno entre as características acima mencionadas.
Pode-se perceber que paralelamente, o conhecimento sobre a própria vida vai se formando. O ser humano quer buscar alternativas para suas necessidades, respostas para as suas curiosidades e melhores condições para aventurar-se. Pois assim conseguirá adaptar-se às condições.
A formação do conhecimento humano sobre o mundo a seu redor nasce justamente de uma pergunta: onde estou? Conhecer o espaço vivido permitiu o ser humano fixar-se, resolvendo algumas de suas necessidades, e ao mesmo tempo impulsionou a busca por outros lugares, aguçando e motivando o espírito aventureiro. A aventura é a chave das conquistas.
Mas só isto não foi o suficiente, queríamos mais, pretendíamos também descrever o espaço habitado, registrar as aventuras vividas. Assim, paulatinamente vão surgindo os primeiros relatos que caracterizam a paisagem e as interferências do ser humano sobre o meio vivido e em outros casos a interferência do meio no próprio ser.
Ao relatar começam a surgir estilos, as formas literárias de descrição, criando diversas abordagens, algumas mais focadas em características locais, com maior zelo pela descrição mais minuciosa e detalhista do espaço e outras apresentando descrições mais gerais e com uma visão mais ampla, regionalizando as informações que serão apresentadas através dos textos e mapas.
Ao longo dos séculos, em consonância com a própria evolução humana, estas formas de descrever, presentes nas diversas formas de abordagens adotadas, que podem apresentar características mais locais ou regionais, detalhistas ou não, passaram a sofrer outras influências de caráter econômico, religioso, cultural, militar, dentre outros; que foram decisivas para a formação de correntes geográficas distintas e que em muitos casos criaram uma distância enorme entre si, justamente por apresentarem formas diferentes de mostrar o espaço habitado.
Poderíamos citar, como exemplo, a influência militar romana na antiguidade, que usou o conhecimento geográfico para o seu processo de expansão, portanto com fins militares; e dos povos cristãos, chineses e árabes durante a idade média. Cada um destes povos, com suas respectivas identidades culturais, proporcionaram características peculiares aos conhecimentos geográficos.
Já nos tempos modernos, época do renascimento, do iluminismo e de tantos outras transformações culturais e científicas, surgem como consequências destas mudanças duas escolas que serão consideradas como clássicas para os estudos geográficos: a alemã e a francesa. Escolas que possibilitaram na época uma organização sistemática de todo o conhecimento geográfico produzido até então.
Contudo, com o advento de novas técnicas, instrumentos e as consequências promovidas pela Revolução Industrial, a percepção do meio habitado e conhecido passa a ser descrito com olhares diferentes e novas formas de abordagens, neste momento inicia-se um processo contundente de fragmentação dos saberes geográficos.
Alguns geógrafos defendem uma geografia mais teórica e científica, com uma abordagem mais quantitativa e técnica; outros que se intitulam de uma visão mais crítica, passam a defender uma geografia que se envolve na descrição de problemas de ordens sociais, como a fome e a desigualdade. O livro “A geografia da fome” do geógrafo brasileiro Josué de Castro é um exemplo deste tipo de geografia voltada para as questões sociais. Entretanto, observamos que neste momento histórico, iniciado após a Revolução Industrial até o século XX, estas duas abordagens, apesar de serem totalmente opostas passam a servir a interesses políticos, econômicos e parecem se afastar do seu verdadeiro objetivo: os interesses geográficos.
O século XXI despertou nos geógrafos uma nova percepção sobre o seu papel e importância, tanto no mundo acadêmico, quanto para a sociedade. Estamos vivendo um momento de tentativa da unificação entre a forma de pensar e agir da geografia. Uma tentativa de conciliação entre os geógrafos que defendem abordagens de ordem física com os geógrafos que estimulam o desenvolvimento de estudos que envolvem uma abordagem mais próxima das ciências humanas. Esta abordagem é conhecida como “geografia humanista”.
Como vivemos na era do conhecimento e conhecimento também é sinônimo de poder, o risco que se corre sempre é a quem o conhecimento serve: ao ser humano ou a quem detém os mecanismos de poder, sendo eles, militar, político, religioso ou econômico. O viés de unificação do conhecimento geográfico passará pela resposta a esta inquietação, a quem serve o saber.
Enfim, a crise de identidade vivida pela geografia na atualidade é um espelho da crise da própria humanidade. A unificação do pensar geográfico seria um dos primeiros passos que daríamos para tentar colaborar com o fim da própria crise humana na qual estamos mergulhados. A unificação da geografia sinalizaria a urgente e necessária união do próprio ser com o espaço, com o ambiente em que ele vive. Voltando assim, ao começo, quando a necessidade, a curiosidade e o espírito de aventura eram as forças motivacionais que motivavam os seres humanos e por consequência proporcionavam a formação e acumulação do seu conhecimento.
Walber Gonçalves de Souza é professor do Ensino Fundamental, Médio e Universitário na Fundação Educacional de Caratinga/MG. Graduado em História, Especialista em Ciências do Ambiente, Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade e Doutorando em Geografia – Tratamento da Informação Espacial pelo Dinter PUC-MG/UNEC.
Mais informações sobre o autor: www.lattes.cnpq.br/3301696192374172