Walber Gonçalves de Souza
Alguns temas sempre estão presentes nas discussões, nas rodas de conversa, na mídia. Como diria o ditado popular, ao falar de alguma coisa parece “chover no molhado”, ou seja, não resolve nada. Há muita prosa e pouca ou quase nenhuma ação. Mas, dizem também que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Como prefiro acreditar na essência deste ditado, vou neste artigo tratar, mais uma vez, das águas do Rio Caratinga, rio que está morrendo debaixo dos nossos olhos, que praticamente estamos vendo sua agonia e não estamos fazendo nada.
Algumas boas vezes por semana; busco e levo minhas filhas para a escola. Sempre passo pela ponte da Rua Dona Julica e a cena se repete praticamente todos os dias, eu e minhas filhas paramos para ver o rio e alguns inevitáveis comentários surgem: “Olha lá papai, um peixe tentando respirar com a boca pra fora”; “Credo papai, que fedor”; “Nossa papai, o rio está parecendo um esgoto”; “Olha lá papai, tem gente que não tem educação, pois joga lixo no rio”… E assim vai, citei apenas alguns dos comentários que ouço quase todos os dias, como se fosse um mantra.
Quem passa por ali já deve ter observado também que uma garça praticamente faz parte da paisagem do rio. Todos os dias, lá está ela tentando capturar a sua sobrevivência. Um dia desses recebi via Whatsapp uma foto no mínimo socialmente constrangedora: olhando da ponte é possível observar uma grade de refrigerante que foi jogada no leito do rio, o refrigerante é de uma marca famosa, acredito que a mais famosa do ramo. Na foto, a garça em questão aparece toda pomposa, pousada sobre a grade. Poderia ser uma foto qualquer; como tantas outras, mas esta se tornou reveladora. Pois, se o rio se encontra daquele jeito uma das causas, e talvez seja a principal delas, é justamente o consumo desenfreado e desorganizado que tomou conta da vida de todos nós, ditos seres humanos.
Percorrendo o leito do rio, dos pontos que é possível observá-lo, notamos a presença de tantos canos jorrando esgoto a todo instante. As águas não se fazem cristalinas há meses, pelo contrário, estão escuras, fétidas. O estilo de vida consumista predador parece ter nos cegado, não estamos vendo a morte ao nosso lado. Pois a morte do rio representa também a nossa.
Ao longo dos milhares de anos, os seres humanos sempre procuraram se desenvolver no entorno dos rios ou lagos. Pois nós sabemos que sem este precioso líquido nada acontece, dele tudo emerge e desenvolve. Ainda na Grécia Antiga, o filósofo Tales de Mileto defendia uma tese de que o princípio de tudo que existe é água. Aprendemos também nos bancos escolares que “onde há água, há vida”. Somos batizados pelas águas. Ela está presente em nossa vida incondicionalmente, queiramos ou não.
E é justamente por isso que não dá para entender o tamanho descaso com o líquido mais precioso, o mais vital que temos. Não é minha intenção neste artigo abordar a falta ou não da água, pois sei que existem pessoas que defendem teses diferentes. Proponho nossa reflexão sobre a qualidade dela. Há muito tempo estamos transformando esgoto em água tratada, estamos transformando secreções humanas e de animais em água tratada, estamos transformando água pura em água cheia de centenas de agentes químicos e chamando-a de água tratada.
Quando abrimos as torneiras que estão presentes em vários pontos das nossas casas, na verdade, estamos permitindo que um pouco do nosso esgoto, que se juntou a milhões de outros, retorne novamente para os nossos lares, para os nossos copos, nossas jarras de suco, nosso banho. Será que ainda não nos demos conta disto?
A morte do Rio Caratinga, ou a agonia pela qual ele está passando representa na verdade o descaso com nós mesmos, o fim do rio representa o nosso fim. Sem água não somos nada! Tire uns minutos do seu dia e percorra o leito do rio, procure ver o seu estado. Uma certeza eu tenho: o cenário é triste e desolador.
Que este artigo sirva mais uma vez como um grito de socorro, do rio e nosso. Que cada um de nós veja como pode contribuir de forma individual em prol do coletivo e, ao mesmo tempo, que os órgãos públicos não brinquem de ser públicos, que tomem as atitudes que devem ser tomadas, já não há mais tempo para delongas, é preciso agir, já. A garça, o peixe que está com a boca aberta, simboliza o grito pela vida que não quer morrer. Que os nossos ouvidos sejam capazes de ouvir este grito.
Walber Gonçalves de Souza é professor.