*Flávio Abreu Radamarker
Desde bem cedo minha mãe me abençoou com o convívio com os livros. Em casa sempre havia uma estante cheia deles, de todos os assuntos. Os que mais me fascinavam eram os de história e geografia, que ela recebia da editora por ser professora e trabalhar na direção de um colégio da rede estadual. Alguns eram livros novos, daqueles de versão do professor, com comentários em letras vermelhas. Outros, os meus preferidos, eram livros velhos e de páginas já amareladas, com o cheiro característico da batalha da celulose contra o tempo.
Um desses meus livros preferidos eram os da coleção Globerama: O Mundo Através do Tempo, uma enciclopédia ilustrada que tinha o perfeito subtítulo “Tesouro de Conhecimentos Ilustrado”. Minha mãe os havia ganhado de seu tio avô quando ela estava ainda no ensino fundamental. Na minha infância, nos anos 80, muito do conteúdo destes livros já estava ultrapassado, pois se tratava de uma publicação dos anos 50-60, mas para mim – em minha imaginação – eram uma fonte de conhecimento universal ilimitada, o que o Google viria a ser para as gerações atuais.
Destes livros o conhecimento me fascinava, mas o que me hipnotizava por horas a fio eram as ilustrações. Altamente detalhadas, ricas, tecnicistas, mas elegantes, como só o traço francês – origem destes livros – sabe ser.
Conquistado pela fusão leitura-ilustração, o passo seguinte nesta jornada também foi incentivado pela minha mãe. O meu primeiro material de leitura, de minha propriedade, só meu, foram as revistas em quadrinhos.
As do Maurício de Souza eram muito legais. Eu podia estar imerso em um mundo de fantasia e desenho com paralelos incríveis com o meu entorno. Turminha da rua, jogar bola, pegar frutas no terreno do vizinho, invenções e planos infalíveis. Maurício de Souza acertava em cheio ao levar para o papel fragmentos da infância que muitos brasileiros viveram e viviam.
Mas nesta primeira infância as publicações que me pegaram de jeito foram as da Disney. Os temas e roteiros não eram nada adaptados ao mercado brasileiro, muito pelo contrário. As histórias eram repletas de lendas e modo de vida americanizado, com seus costumes, referências históricas e climas. Imagino hoje o esforço que os tradutores aqui no Brasil faziam na época para adaptar o roteiro ao nosso entendimento.
Mais uma vez, agora com a Disney, o traço das publicações chamou minha atenção. Só que de uma forma diferente. Eu agora era atraído pelo background, os desenhos que servem de fundo à cena do quadrinho. Os da Disney se destacavam, para mim, por mostrarem os cenários e ambientes cheios de detalhes, sombras e uma combinação de cores atraentes. Eu não sabia, ainda, mas o que fixava meu olhar naqueles desenhos, que para os outros era secundário, era a sua precisão arquitetônica. Eram perspectivas que nos transportavam para dentro da história e davam a dimensão precisa do que o roteirista e o autor queriam dizer naquele exato momento. Eu não podia ver a hora de chegarem as férias escolares para minha mãe comprar o Almanaque de Férias Disney, que trazia, além das melhores histórias da temporada, muitas atividades como cruzadas, caça-palavras, enigmas e tudo mais que as crianças, como eu, na década de 80 podiam se divertir e não precisavam de pilha ou wi-fi.
Desta época sinto muita saudade também do Globinho. Um encarte que vinha aos domingos no jornal O Globo e que trazia tirinhas do Zé do Boné, Hagar, Recruta Zero, Dick Tracy e Calvin e Haroldo. Eu ainda posso sentir o cheiro da tinta e do papel jornal destes gibis.
Na pré-adolescência eu descobri, além de outras coisas, os Comic Books, os quadrinhos de heróis. Na casa de um primo mais velho, que tinha estas e outras revistas escondidas embaixo da cama.
Nesta fase eu lia todos. Todos os que, por graça de Odin, chegavam à região metropolitana do Rio de Janeiro na década de 80. Os que me encantavam mais eram os do Batman e do Homem de Ferro. Estes dois heróis não tinham força sobre-humana, poderes sobrenaturais, ou uma linhagem da qual deveriam cumprir o legado. Eram homens que desafiavam os vilões da fantasia com ideias.
A idade adulta chegou e com ela vieram muitos boletos e grandes responsabilidades (já avisava o tio Ben). A descoberta de novos interesses de conhecimento, a fase da busca e acúmulo da bagagem técnica profissional, enfim, fui descobrindo como todos o outro lado da fronteira de nossas pequenas cidades, mas nunca deixei de admirar o Homem de Ferro.
Até que, no ano de 2008, uma notícia encheu os velhos jovens nerds de alegria. Chegaria ao cinema, com toda a tecnologia disponível em nosso tempo, o filme do Homem de Ferro. Foi um sucesso tremendo. Que deu origem a nada mais nada menos que 19 filmes que nos últimos 10 anos foram os maiores sucessos de público e faturamento do cinema mundial.
Foi uma grande alegria ver um super-herói que, de super, só tem o seu intelecto e sua vontade, ser representado no cinema em uma posição de protagonismo e liderança. Isto é, em minha opinião, bastante simbólico para as gerações atuais.
Algumas características que os criadores do Homem de Ferro, em 1963, lhe deram e que o tornam tão humano e o aproximam de um homem comum: Tony Stark não tem identidade secreta, todo mundo sabe quem ele é e onde mora; Ele é rico, por herança, mas entendeu o impacto das atividades do pai na sociedade e mudou completamente a empresa da família, inclusive multiplicando em muitas vezes esta fortuna; Antes de encarar as empresas do pai e o combate ao crime, estudou muito, alcançando mestrado em engenharia elétrica e física no MIT; Enfrentou problemas com álcool e depressão, tendo na sequencia superado e procurado ajudar outras pessoas com o mesmo problema; Ele tem problemas de relacionamento, não conseguindo por consequência do seu temperamento e da sua entrega ao trabalho, formar uma família; Ele utiliza os meios de que dispõe para construir soluções que o auxiliam e aos outros a enfrentar grandes desafios, e quando estas soluções causam danos colaterais, ele se apresenta como responsável e encara as consequências.
Enfim, Tony Stark, o Homem de Ferro, com sua soberba, arrogância, inteligência, bom-humor, patriotismo, fidelidade e honra, tem muito a nos ensinar com seus erros e com seus acertos.
O que me motivou escrever este texto foi um presente incrível que ganhei. Minha amada esposa Jocinéia e minha nerd filha Lara me presentearam com uma edição especial da revista Tales of Suspense nº 39 de 1963, que é nada mais nada menos que a primeira aparição do Homem de Ferro nas histórias em quadrinhos. Um tesouro que não empresto e não vendo.
Esta história não tem fim. Termina e recomeça sempre que quisermos e precisarmos. Mas como no final de todo quadrinho, aqui cabem os créditos e agradecimentos.
Em toda essa epopeia agradeço a minha mãe Lurdinha, por ter me deixado mexer em todos os livros; ao meu pai Odilon por ter me ensinado a gostar de jornal; a minha esposa e filha por aturarem e compartilharem estes gostos; e a Stan Lee, por ter criado este e tantos outros personagens que nos divertem ensinando e nos ensinam divertindo.
E, parafraseando o encerramento dos textos deste mestre da fantasia dos quadrinhos, eu não poderia perder a oportunidade de um dia escrever:
– Excelsior!
FLÁVIO DE ABREU RADAMARKER é formado em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ e extensão internacional em Marketing pela Youngstown State University – Ohio. É Arquiteto especialista em design de varejo e Perito Judicial. Membro da Loja Maçônica Joaquim Rodrigues D´Abreu Nº 1921 – Niterói – RJ e Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas-AMLM.