‘A música me salvou e é minha razão de viver’, afirma maestro João Carlos Martins
*Por Nohemy Peixoto
Sabe aquelas incríveis histórias de superação, que são tão surpreendentes que custamos a acreditar? Assim é a história de João Carlos Martins, considerado um dos maiores intérpretes de Bach do século XX pela crítica internacional. Natural de São Paulo; iniciou os estudos de piano aos oito anos de idade com o professor José Kliass, aos 13 a carreira no Brasil e aos 18 já começava a se consolidar no exterior.
Parecia uma história perfeita, no entanto, uma sequência de tragédias pessoais afetou seriamente o movimento de suas mãos e o impediu de se dedicar plenamente à sua grande paixão: o piano. Por seis vezes, João Carlos não viu outra opção a não ser abandonar a carreira e ávido pela recuperação, fez 20 cirurgias em busca do pleno movimento das mãos. Até que, mesmo aos 64 anos de idade, ele não se entregou e para não ter que se afastar definitivamente da música, decidiu se tornar maestro. Apresentou-se com sucesso em Londres, Paris e Bruxelas como regente convidado, trazendo em suas interpretações o mesmo talento de quando era pianista.
Em 2006, mais uma página para sua história. Idealizou a Fundação Bachiana, tendo por tema a arte e sustentabilidade. Hoje, aos 76 anos, construiu uma sólida carreira com a “Bachiana Filarmônica SESI-SP”, a primeira orquestra brasileira a se apresentar no Carnegie Hall.
Nesta entrevista concedida ao DIÁRIO DE CARATINGA, maestro João Carlos relembra os momentos de sua vida em que precisou tomar importantes decisões e mostra o porquê é considerado o ‘Indomável’, como foi caracterizado em uma crítica do “The New York Times”, e que empresta título a esta reportagem.
O senhor foi submetido a uma cirurgia de retirada de um tumor benigno do pescoço, quando tinha apenas cinco anos de idade. Foi um período difícil e seu pai decidiu lhe presentear com um piano. O que esse gesto representou para um garoto em recuperação?
Foi muito importante para mim esse gesto do meu pai, além de todo o cuidado e carinho, o piano se tornou meu melhor amigo, minha paixão e razão de viver pela música.
O senhor dedicou-se como pianista, mas um acidente lhe comprometeu os movimentos do lado direito do corpo, trazendo outras complicações que lhe impossibilitavam de tocar piano com as duas mãos. Como enfrentou este período até sua volta aos palcos?
Foi um momento muito difícil, mas digo sempre que a música me salvou. Voltei a tocar com a mão esquerda e consegui manter a mesma qualidade, o que me deixou muito feliz e realizado.
Após se reerguer, um novo golpe. Um assalto e a descoberta de um tumor na mão esquerda lhe trouxeram o diagnóstico de que nunca mais tocaria piano. O senhor decidiu se tornar maestro imediatamente? Como foi essa decisão?
Não foi imediatamente, foquei em outras coisas, mas um dia tive um sonho com o maestro Eleazar de Carvalho, que me recomendou estudar regência. Depois daquele sonho, no dia seguinte, o maestro Júlio Medaglia me deu a primeira aula de regência. Eu já tinha 63 para 64 anos quando comecei a estudar. No início, foi devastadora a interrupção da carreira como pianista, mas o que prevaleceu foi, apesar de alguns percalços, o amor à vida e antes de tudo o amor à música.
Na carreira de maestro, o senhor criou uma orquestra de profissionais e outra de jovens talentos, alguns recrutados na periferia de São Paulo. O senhor acredita que a música é uma ferramenta para a reabilitação social?
Com certeza. Tenho dedicado minha vida a isso. Continuo com minhas atividades, viajando o Brasil, para mostrar que a música une gerações, nações, comunidades, sendo um dos melhores segmentos em nosso planeta para inclusão social.
O que a música representa para o senhor?
Não tenho palavras para descrever o que a música significa para mim. Ela transcende qualquer explicação. A música me salvou e é minha razão de viver.
História de cinema
Em breve, a história de João Carlos Martins será relatada no cinema. O longa “João” está previsto para estrear no ano de 2017 e quem vive o pianista nas três fases de sua vida são os atores Davi Campolongo (infância), Rodrigo Pandolfo (juventude) e Alexandre Nero (fase adulta). O roteiro e direção é de Mauro Lima (“Meu Nome Não É Johnny” e “Tim Maia”)