Professor Sebastião de Oliveira Pedra
Prezado leitor, hoje iremos discutir sobre a reforma do Ensino Médio. Foram instituídas políticas de fomento à implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, pelo Ministério da Educação (MEC), através da Medida Provisória Nº 746, de 22 de setembro de 2016. Esta lei também está sendo chamada de Lei Mendonça, pois foi assinada junto com o presidente Michel Temer (PMDB) e o atual ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho (DEM).
O texto da MP trouxe alterações significativas na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN), e na Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).
A flexibilização do currículo é uma das principais alterações defendidas. Norteados pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC), ainda em processo de definição, os conhecimentos gerais deverão ocupar no máximo metade das 2.400 horas obrigatórias do ensino médio. Os chamados “itinerários formativos” deverão ocupar o restante o tempo, com ênfase em cinco áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. O Ministério da Educação (MEC) projeta que as mudanças sejam implementadas e atinjam os alunos a partir de 2018.
Para enriquecer esta discussão, apresento abaixo entrevista realizada com o Professor Doutor Fernando Gaudereto Lamas. Nosso entrevistado possui em seu currículo o título de Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), atualmente exerce as funções de professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão da Escola Pública (CAED) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
- Entrevista:
Professor, o senhor entende que é realmente necessária uma reformulação do Ensino Médio? Por quê?
Sim, uma reformulação do Ensino Médio é necessária, especialmente para atender as necessidades da geração atual de estudantes. Da forma como está organizado atualmente, as disciplinas não dialogam entre si e também não dialogam com as necessidades dos estudantes, que vivenciam um mundo dinâmico, aonde a informação corre em alta velocidade.
Com a sua experiência, qual a principal diretriz que deve nortear uma reformulação no Ensino Médio?
Dois aspectos são importantes: um de ordem financeira e outro de natureza pedagógica. Em relação ao aspecto financeiro, o pagamento do Piso Nacional é de suma importância. Não teremos uma boa escola sem professores bem remunerados. Nenhuma reforma funcionará se este aspecto não for levado em consideração. Do ponto de vista pedagógico, a reforma deve priorizar o diálogo interdisciplinar. A criação de eixos norteadores, nesse sentido é importante. Dimensões como trabalho, tecnologia e sexualidade, podem promover relevantes diálogos interdisciplinares e criar outra dinâmica no ensino Médio.
Existem modelos semelhantes em outros países. O senhor concorda da forma como a proposta de reforma foi realizada no Brasil? Não seria necessário discutir mais?
Sem sombra de dúvidas, há a necessidade de mais discussão sobre a MP 746/2016. Nenhuma reforma funcionará sem um diálogo aprofundado com os atores sociais que estão envolvidos nessa reforma, ou seja, sem dialogar com professores, gestores, estudantes e pais. Em outras palavras, uma reforma do Ensino Médio precisa levar em conta todos aqueles que estão diretamente envolvidos com o mesmo.
Sobre a possibilidade de sociologia, filosofia, artes e educação física deixarem o currículo obrigatório do ensino médio, o senhor acredita que isso ocorra?
A MP 746/2016 recebeu várias emendas e o relatório final, realizados após o debate sobre estas emendas, optou pela permanência das disciplinas de Educação Física e Artes no currículo do Ensino Médio. Portanto, ambas devem ser mantidas. Quanto às disciplinas de Filosofia e Sociologia, o relatório manteve a retirada das mesmas. É uma perda e tanto, pois ambas atuam no sentido de colocar discussões e debates que em outras disciplinas dificilmente podem aparecer. Mesmo em disciplinas da área de Humanas como História e Geografia os temas filosóficos e sociológicos aparecem apenas tangenciando as discussões e não com a mesma forma e a mesma proposta. Logo, perdem os estudantes do Ensino Médio com a ausência dessas disciplinas.
Alguns estudiosos afirmam que proposta poderá levar a uma precarização do ensino, com a ênfase maior em uma formação tecnicista, em oposição a uma formação crítica dos estudantes. O senhor concorda com esta afirmação?
Como foi dito acima, a ausência das disciplinas de Filosofia e Sociologia certamente vai diminuir o acesso ao senso crítico e nesse sentido ocorrerá uma precarização da formação dos estudantes. A questão maior é seguinte: a MP 746/2016 mantém uma organização positivista do currículo, ou seja, não abre a possibilidade de um diálogo interdisciplinar, uma vez que impõem como obrigatórias, nos três anos, apenas as disciplinas de Matemática, Português e Inglês e submete as demais disciplinas à aceitação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). O currículo pode até não ficar tecnicista, mas poderá ficar mais empobrecido, o que não é bom.
Como o senhor observa a participação dos professores neste processo? Existe uma necessidade da reformulação do currículo? E quanto às práticas e autonomia do professor em sala de aula? São necessárias também modificações em relação ao modelo de ensino?
Mudar a forma de lidar com os estudantes atualmente é tão ou mais importante do que mudar a estrutura curricular. Os professores são formados, no Brasil, em um modelo que não dialoga mais com as necessidades dos estudantes. A estrutura curricular é engessada, é verdade, e acaba determinando a permanência de alguns comportamentos, mas a formação inicial dos professores não oferece muitas alternativas didáticas, pois as Licenciaturas estão mais preocupadas em formar pesquisadores em suas áreas do que professores. Falta, portanto, um diálogo maior entre as Licenciaturas e as Faculdades de Educação.
Uma das propostas é oferecer ao aluno a possibilidade de obter o diploma do ensino técnico junto ao do ensino médio. Ele cursaria um ano e meio de currículo regular e um ano e meio de formação técnica. O senhor vê isso como um avanço ou retrocesso? Por quê?
Já vigorou no Brasil um modelo semelhante. A ideia de cursos técnicos profissionalizantes não é essencialmente ruim. O problema é a forma como isso poderá ser feito, pois a MP 746/2016 abre uma possibilidade para que os estagiários sejam tratados como mão de obra barata para as fábricas brasileiras e estrangeiras. Formar para o mercado de trabalho não é negativo, mas formar para uma inserção precária é, não somente ruim, como perigoso.
Agradeço ao Professor Doutor Fernando Gaudereto Lamas pela entrevista. Espero que este artigo possa contribuir para o melhor entendimento pela sociedade sobre o Ensino Médio. Não podemos nos deixar levar por aparências. Belas imagens, textos montados, dentre outros; são veiculados nas mídias. Entretanto, a realidade é sempre mais difícil. Aliado a instituição de políticas públicas, que por vezes não são frutos de discussões abertas com a sociedade, devemos estar atentos, críticos e sensíveis. Ouvir quem realmente será o benificiário direto, e quem efetivamente as executará, deveria ser o caminho natural de qualquer política pública que realmente voltasse para o atendimento da maioria da sociedade.
Referências:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Medida Provisória Nº 746, de 22 de Setembro de 2016.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN).
______. Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).
Site: < portal.mec.gov.br>
Arte: Professor Geraldo Lomeu Ferreira
Sugestões, críticas e comentários: E-mail: [email protected] / WhatsApp: (33) 988165737
Deus seja louvado!