Zilanda Souza – Neuropsicopedagoga
Julho de 2016. É madrugada. Penso nas duas famílias que vão receber os resultados das avaliações dos seus filhos. Ambas vão enfrentar que seus filhos tem Deficiência Intelectual. Crianças que possuem uma grande dificuldade para aprender. Provavelmente essas mães vão chorar e eu vou defender bravamente os princípios da plasticidade neural. Vou afirmar que uma criança vulnerável pode se sair muito bem em um ambiente facilitador. O ambiente pensado e organizado a partir da compreensão do desenvolvimento humano é fundamental para o estímulo de habilidades e redução de sintomas em casos complexos. Quanto mais leio, investigo, mais acredito que essa máquina chamada cérebro responde a estímulos. A avaliação foca a criança, seu desenvolvimento. A partir de agora é o ambiente! Onde está esse ambiente facilitador? Aí me dou conta de que estamos abandonados na geleira da indiferença! Em pleno Séc. XXI, com avanços evidentes da neuropsicologia da educação, neuropsiquiatria e neurologia, a educação escolar ainda caminha muito atrás. Os currículos ainda são grades que tentam padronizar aprendizagens. O professor, formado para elaboração e execução de 1 plano de ensino para 30, 35 e acredite, existem até 40 alunos em uma sala de aula; começa já fracassado a sua impossível missão de “ensinar por empacotamento” de conteúdos! Da geleira fria e solitária, pensando nessas crianças e adolescentes que apresentam desenvolvimento atípico, eu me pergunto: onde estão as evidências científicas de que isso funciona? Eu continuo a caminhar e ouço ecoar um marketing desajustado da educação: “ensino fundamental com duração de 9 anos! Lancem as crianças de 6 anos (permitiram a entrada com 5 anos e meio) em classes tradicionais, coloque-as em carteiras onde seus pezinhos mal alcançarão o chão, retire-as do brincar! Quem precisa do brincar!” Então repito a pergunta: quais são as evidências científicas que fundamentam essas medidas? Onde estou, o frio e a solidão castigam aqueles que decidiram caminhar fora do sistema. Meus pés parecem que vão congelar. Minha caminhada tem pausas onde paro para refletir: segundo dados do Pisa – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes -, 49,2% dos alunos brasileiros não são capazes de deduzir informações do texto, de estabelecer relações entre diferentes partes do texto e não conseguem compreender nuances da linguagem. 2 em cada 3 alunos brasileiros de 15 anos não conseguem interpretar situações que exigem apenas deduções diretas da informação dada, não são capazes de entender percentuais, frações ou gráficos.
A análise do resultado ainda afirma que, uma parte considerável dos alunos brasileiros com 15 anos, encerram o ensino fundamental com aprendizagem básica em nível de 5º e 6º ano! Ou seja, somos uma fábrica de deficiência intelectual! A formação de professores no Brasil é arcaica, não acompanha a evolução neurocientífica. Ainda hoje, nega-se a muitos estudantes da pedagogia a aprendizagem de métodos cientificamente validados para promoção da alfabetização. Investiga-se pouco, a leitura é escassa. Falta “bater panela” por uma formação melhor, realmente científica. Piaget, Vygotsky e Emilia Ferreiro que me perdoem, mas há muito mais conhecimento e práticas para inserir na educação. Porém, o sistema vota contra e nós somos considerados os loucos cheios de utopias. Continuo minha caminhada, vez ou outra me encontro com outros solitários que ousam estudar e investigar. Nos abraçamos, compartilhamos muitas histórias, choramos e continuamos nossa caminhada. Enquanto o frio da indiferença assola, a esperança e a coragem aquecem.
Perguntas e sugestões de temas, envie por e-mail: