CARATINGA- No último dia 18 de julho, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, proferiu sentença entendendo que o Cine Brasil se trata de um prédio tombado e pela condenação solidária dos réus Distribuidora de Tecidos São Thiago Ltda e o município de Caratinga.
Como autor da ação civil pública em defesa de patrimônio cultural, o Ministério Público de Caratinga se manifestou ontem, em coletiva de imprensa, através do promotor Igor Augusto de Medeiros Provinciali. Inicialmente, o promotor esclareceu que o alvo de discussão da ação não era o valor cultural ou histórico do imóvel, mas, a ação do Executivo no ano de 2012, através de Decreto Executivo 1336, emitido pelo então prefeito João Bosco, em 18 de junho e publicado no dia 24.
O documento estabelecia o arquivamento do processo de tombamento do Cine Brasil, assim como o alvará da Prefeitura, assinado pelo prefeito, autorizando a realização da obra de construção de um prédio no terreno, que conta com 833 metros quadrados de área construída. “O que se discute na ação é justamente um ato irregular do Poder Municipal em arquivar o procedimento de tombamento que foi definido pelo órgão competente, que é o Conselho Municipal de Patrimônio Cultural. Esse Conselho, pela lei municipal, é o órgão incumbido de definir quais os bens do município que carecem de proteção. Ele faz isso através de um procedimento próprio, ditado pelo seu regimento, que precisa de parecer técnico, estudos, em que possa basear as suas decisões. Uma vez prolatada essa decisão, cabe ao prefeito municipal homologá-la através de um decreto”.
O promotor reitera que não é dado ao prefeito, em virtude de suas “convicções pessoais” e, ainda que baseado em um parecer de sua assessoria, arquivar esse tipo de procedimento, o que foi feito à época e gerou o início da ação pelo Ministério Público. “A ação se deu quando se verificou o início de demolição pelo empreendedor, baseado nesse arquivamento. Quando conseguimos paralisar a demolição e ingressamos com a ação principal, o que se pedia era que tanto o empreendedor quanto o município, que permitiu o início de demolição, através de seu prefeito, fossem responsáveis pela proteção e restauração do imóvel”.
RESTAURAÇÃO
O acórdão proferido pelos desembargadores na última terça-feira (18), cita que deve ser elaborado projeto de restauração da edificação do imóvel, à situação em que se encontrava por ocasião da notificação de tombamento, no prazo de 90 dias, por profissionais habilitados, observadas as exigências técnicas e mediante prévia aprovação pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Caratinga, bem como na execução da restauração integral, conforme o projeto aprovado, no prazo de 12 meses a contar da aprovação.
Igor enfatiza que o entendimento deste termo ‘restauração’, depende do que foi dado como proteção pelo Patrimônio Cultural. “O Patrimônio Cultural pode entender que o bem tem proteção integral ou que tem uma proteção parcial, só de fachada ou de algum cômodo específico. No caso do Cine Brasil, até onde sei, porque isso depende dos documentos internos, o que a gente discutia era o arquivamento do procedimento; a proteção que é dada é a toda a estrutura do imóvel. A princípio, não é a finalidade que era dada ao imóvel, não é ele servir para o Cine, mas, sim sua fachada, sua estrutura interna. Reconstruir significa refazer aos moldes originais. Então, agora, o que se exige, é que eles apresentem um projeto baseado no projeto originário”.
Quanto à questão de distância da edificação ao Rio Caratinga, o promotor cita que a reconstrução específica do bem é “equiparada a uma reforma”. “É vedado pela Lei Ambiental fazer construção até 30 metros da borda da calha do Rio Caratinga, ou de qualquer curso d’água na cidade. Inclusive, há uma ação civil pública que transitou em julgado há aproximadamente oito ou nove meses, que foi ao Supremo Tribunal Federal e foi determinado pelo desembargador e mantido na instância superior, que nenhum empreendimento de construção possa ser feito até 25 metros da calha do Rio Caratinga. Neste caso, uma reforma em si não gera uma nova construção, próxima ao Rio Caratinga”.
Recentemente, uma equipe da Defesa Civil da Prefeitura de Caratinga, juntamente com os bombeiros militares, atestou que no interior da estrutura há muita umidade e paredes que ameaçam desabar. No entanto, segundo o promotor, há pareceres que demonstram que a estrutura do imóvel ainda existe. “Esse foi até um dos fundamentos levados aos desembargadores para que o bem fosse reconstruído. Agora, independentemente, o que se busca é manter a imagem e a memória cultural da cidade, que foi declarada pelo Conselho. É ele que fala, não nos cabe aqui falar se é mais bonito ou mais feio, isso é o Conselho que delibera. Fazer uma reconstrução do edifício mesmo, aos moldes em que se deu”.
RECURSOS JUDICIAIS
A defesa dos proprietários do imóvel ainda não se pronunciou oficialmente sobre a sentença. Mas, a Prefeitura de Caratinga encaminhou nota afirmando que a Procuradoria está estudando a “viabilidade de interposição de recurso cabível”.
O promotor explica quais são os possíveis caminhos jurídicos, em caso de ambos os réus desejarem contestar a decisão proferida. “Estamos agora na véspera de esgotar o recurso ordinário. Depois que os desembargadores já definiram de forma unânime, os três votaram pela reconstrução e pela condenação a danos morais da parte da empresa e manutenção, o cuidado do bem, por parte do município, só é permitido pela nossa legislação processual o ingresso de recursos extraordinários e especial. Não se rediscute o mérito, somente há uma possibilidade de discussão se o acórdão infringir a uma norma federal ou a Constituição Federal, o que não é o caso dos autos. De toda forma, é importante ressaltar que esses recursos não têm efeito suspensivo, o que significa que o Ministério Público pode e deve executar imediatamente o acórdão”.
Ainda há a opção de embargos de declaração, no entanto, também não é possível modificar a decisão final proferida. “É uma espécie recursal que na verdade é imprópria. O que se faz é um complemento à decisão que foi feita, não tem a função de modificar o conteúdo da decisão. Não muda o mérito, ele complementa a decisão em alguma obscuridade, contrariedade, falha que possa existir, ou seja, não vai mudar a decisão. Neste caso, se aguarda que passe a fase de embargos, pois, a decisão está possível de ser complementada. Mas, não há necessidade, se eu quisesse executar agora eu poderia. É uma cautela”.
Após a divulgação da decisão do TJMG, muitas pessoas argumentaram o que seria essa responsabilidade solidário entre município e a empresa, na restauração do imóvel. Seria o uso do dinheiro público em imóvel particular? Conforme esclarecido pelo promotor, isso não ocorrerá. “Inicialmente, o que o Ministério Público vai fazer é executar ambas as partes. Mas, de forma em que se obrigue o empreendedor que agiu errado, para que apresente o projeto, em 90 dias, sobre pena de nova multa. Caso ele não apresente, além da multa que vai ser executada, o Ministério Público pedirá bloqueio de valores dele, para que esse projeto seja executado sob as custas dele e aí sim acionará a Prefeitura para que apresente esse projeto, recebendo do particular o reembolso; da mesma forma a execução do projeto”.
Contudo, o que não é o caso do Cine Brasil, porque se trata de uma empresa vinculada a pessoas de “condição financeira”, se fosse um particular que não tivesse essas condições, a Prefeitura teria que arcar com os serviços. “Não só em virtude de se tratar de um patrimônio declarado pelo próprio órgão municipal, que demande proteção, mas também em virtude do ato ilegal que foi praticado pelo prefeito João Bosco, declarado pelo Tribunal de Justiça e que, inclusive, vai gerar repercussões agora, improbidade, possível denúncia crime contra o patrimônio”.