Por Goretti Nunes
Amor é o tempero das histórias que envolvem, praticamente, todas as relações das mães com os seus filhos. Em homenagem ao mês dedicado a elas, escolhemos três casos comoventes sobre mães para esta edição especial. Eles falam de abandono indesejado, dos desafios de se fazer o próprio parto e da entrega de uma mãe à morte para que o filho pudesse nascer.
“Mãe, você me teve, mas eu nunca tive você”.
O verso de lamentação de John Lennon poderia ter sido inspirado em mil histórias de vida de órfãos de mães, dentre as quais, a de Maria das Dores Rodrigues Ramos, 49, que cresceu longe de sua progenitora, Maria das Graças Alves Silva, 79.
Dez anos após dar à luz Maria das Dores, sua mãe entrou em um quadro profundo de depressão que evoluiu para esquizofrenia, o que a levou a deixar os filhos e a perambular pelo mundo por 20 anos, dormindo sob pontes, marquises e, às vezes, buscando abrigo em albergues onde andarilhos são acolhidos.
Nos primeiros anos de vida, Maria das Dores ficou aos cuidados de seu pai, que, meses depois levou sua mãe, a avó de Maria das Dores, para ajudá-lo a criar os três filhos em Belo Horizonte, onde moravam. Dez anos depois, Maria das Graças tentou voltar pra casa, mas foi rejeitada pelo marido.
“A imagem que guardo da minha mãe é de quando eu tinha uns dez anos. Ela aparece no portão da nossa casa com um saco de roupa nas costas, mas meu pai não a aceita. O semblante dela era muito triste”, recorda Maria das Dores, acrescentado que sua mãe adoecera em função dos frequentes desentendimentos que tinha com seu pai. “Ele era uma boa pessoa, mas bebia e brigava muito. Sofríamos demais com aquela situação”.
Alguns meses após se separar da mãe de Maria das Dores, seu pai arrumou uma namorada e passou a morar com ela e com os filhos. “Minha madrasta cuidava de mim e dos meus outros dois irmãos, Cristina e Reginaldo. Posteriormente, ela teve um filho com meu pai, o Reinaldo”, conta Maria da Dores.
Em 20 anos, raríssimas vezes, minha mãe, Maria das Graças, esteve com os filhos. “Parece que ela retomava a consciência por um breve período. Nessa hora, corria para nos ver. Mas nunca ficava com a gente. Meu pai não aceitava sua presença em nossa casa, e ela não tinha forças e nem saúde pra conquistar esse espaço, criar condições para voltar a viver com a gente”, explica Maria das Dores, que diz ter se acostumado com o problema, apesar da saudade.
Há cerca de dois anos, para surpresa de Maria das Dores, que é casada e têm três filhas, sua mãe reapareceu em sua casa, em Bom Jesus do Galho, e decidiu morar com ela.
“Apesar dos transtornos mentais, em momentos de lucidez, conversamos muito. Em todo esse tempo de afastamento, eu pedia a Deus que minha mãe retornasse pra casa. Agora, a cada dia mais, quero dedicar a ela o meu tempo, dar a ela o melhor de mim, dar-lhe as roupas e tudo o que não pude oferecer no período em que estivemos distantes uma da outra. Essa é a forma que temos de recompensar a ausência, a falta que fizemos uma para a outra durante toda a vida, recuperar o tempo perdido”, finaliza Maria das Dores.
Maria das Graças e Maria das Dores em busca do tempo perdido
DEIXAR NASCER
Natural de Dionísio, Kid Borgonha de Andrade, 36, estava para nascer quando sua mãe soube que teria que decidir entre sua vida e de seu filho. Indagada pelo médico sobre qual seria a sua opção, ela não hesitou, escolheu deixar seu bebê nascer.
Cinco minutos após o parto, ela morreu, vítima de eclampsia. “Desde então, passei a ser cuidado por minha irmã mais velha, a Fátima Drumond, que, à época, tinha 18 anos. Eu a chamava de ‘mãe’”, recorda Kid.
De acordo com Fátima, perder a mãe e, ao mesmo tempo assumir o papel de mãe foi um grande desafio. “Mesmo triste, precisava consolar e ajudar a todos naquele momento de dor imensa. Nesse tempo, eu lecionava em escola pública, mas acabei deixando o trabalho para me dedicar à nossa família, principalmente, à criação de meus irmãos menores. Eu precisava educá-los bem, exigir deles compromisso com a escola, cuidar da alimentação de todos, dar conselhos”, enumera, recordando ainda do apoio que recebeu do namorado, Egraldo Drumond, com quem se casou.
Dez anos após da morte da mãe de Kid, seu pai se casou novamente. “A partir daí, ganhei mais uma mãe, Vanda Leonel Rosa de Andrade, hoje com 80 anos bem vividos”, comemora.
Segundo ele, Vanda é o anjo que Deus colocou em sua vida e de seus sete irmãos, pelo amor que dedica à família. “Minha mãe sempre nos deu os melhores conselhos pra que nos tornássemos boas pessoas. Ela nos motivava a estudar, a saber lidar com o dinheiro, a gastar apenas com o que fosse necessário, a nos relacionar bem uns com os outros”.
Dentre as características da mãe do coração, como Kid a chama, ele destaca o carinho que tem para com ele e irmãos. “Ela gosta de compartilhar tudo conosco. Se ela ganha um chocolate, é capaz de guardar a maior parte pra gente. Moro em Ipatinga, onde trabalho, mas venho visitá-la todo final de semana. Ela costuma guardar um doce por sete dias até que eu chegue para compartilhar comigo”.
Vanda, por sua vez, conta que adora a companhia dos filhos. “Quando o Kid está para vir pra casa, por exemplo, fico acordada até que ele chegue. O meu sono é sono de mãe, só chega com o filho, com o Kid”, brinca.
Ela recorda que, quando comentou com os amigos que se casaria com um viúvo, pai de oito filhos, alguns ficaram admirados com sua coragem. “Muita gente dizia: ele tem muitos filhos, é muita responsabilidade. Eu comentava em seguida, com amor, tudo se ajeita. Hoje todos estão casados, constituíram família. Só o Kid continua solteiro, e é um menino de ouro”, elogia.
Vanda ficou casada por 31 anos, “um tempo pouco, que passou tão rápido, já que eu amava muito o meu marido. Ele era muito bom pra gente e só deixou boas lembranças”, lembra.
Filhos de sangue, Vanda gerou apenas um. “Aos 45 anos, engravidei, mas perdi o bebê de sete meses. Minha idade já estava avançada para isso”, avalia.
Vanda disse que aprendeu a ser mãe com sua mãe. “Tanto eu quanto os meus irmãos, somos 12 e todos vivos, só temos boas lembranças da nossa mãe. Ela nunca gritava com a gente. Tinha muito respeito por nós. Esse respeito que aprendemos com ela, é o que aplicamos hoje na educação de nossos filhos”, conclui.
Kid e a outra mãe, a que ele chama do coração
Fátima e o esposo, Egraldo Drumond, que a ajudava a cuidar de Kid quando ele ficou órfão de mãe
GANHAR E PERDER
Enquanto se arrasta a polêmica das cesáreas e cresce o número de gestantes que aderem ao parto humanizado, Olinda Agripina de Melo, 78, que reside em Bom Jesus do Galho, se recorda do nascimento de seus oito filhos, todos de forma natural. Os três últimos realizados por ela mesma, em casa.
“Aos 16 anos, eu me casei. Um ano depois, nasceu minha filha mais velha. Assim como os demais filhos, o parto foi realizado em casa. Eu morava na zona rural, longe de tudo. Então quando a gente entrava em trabalho de parto, mandava chamar as parteiras, sem recorrer a médicos”, recorda Olinda.
Segundo explica, quando estava para ganhar seus três filhos mais novos, as parteiras estavam ocupadas atendendo outras mulheres, foi então que ela assumiu o trabalho de cortar o umbigo dos bebês. O nascimento do penúltimo e do antepenúltimo aconteceu e, quando a parteira chegou, sobrou para elas apenas a tarefa de limpar o bebê e vestir a sua roupinha. “Já no parto da caçula, eu mesma realizei o parto. De tanto ver como é que se fazia, aprendi. Fiz tudo sozinha. Era eu e Deus. Nesse dia, eu estava muito tranquila, tinha certeza de que sabia ganhar neném. Entendo que os bebês são espertos. Eles sabem encontrar o caminho pra nascer e acabam ajudando também”, comenta.
Indagada sobre qual é o maios dos desafios que uma mãe enfrenta entre gerar, dar à luz e educar os filhos, Olinda responde que ‘mais difícil que gerar e ganhar é perder os filhos’, lamentando em seguida a morte da filha caçula ocorrida há cinco meses. “Neuci nos deixou muito cedo. Ela teve câncer, e morreu aos 40 anos. Como consolo, ficaram seus filhos, que moram conosco, os meus netos”, conta Olinda. Segundo observa, depois que as mulheres têm filhos, eles passam a ser o principal motivo de sua alegria. “Depois chegam os netos, os bisnetos e nossa felicidade fica completa”, destaca Olinda, que tem 20 netos e seis bisnetos.
Olinda: “O mais difícil não é ter filho; o mais difícil é perder”
Olinda e esposo durante comemoração de suas bodas de ouro, festa que contou com a presença de todos os filhos do casal (foto: Arquivo pessoal)