Ildecir A.Lessa
Advogado
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, participou nesta quinta-feira (12/9) de sua última sessão à frente do Ministério Público Federal (MPF) no Supremo Tribunal Federal (STF). Em discurso de despedida, Raquel Dodge afirmou que é papel do MP e do STF proteger os valores democráticos e garantir o funcionamento das leis no Brasil, de forma a garantir que “ninguém esteja acima ou abaixo da legislação”. Ela disse fazer um alerta aos ministros:
“Protejam a democracia brasileira, arduamente erguida em caminhos de avanços e retrocessos, mas sempre sobre norte que a democracia é o maior modelo para construir uma sociedade de maior desenvolvimento humano“.
O Presidente do STF, Dias Toffoli, ao discursar, destacou que o MPF deve se manter independente dos Três Poderes. “Sem um Ministério Público forte e independente, os valores democráticos e republicanos desenhados e propugnados da Constituição estariam ameaçados“. Disse mais: “a Dra. Raquel Dodge tem sido firme e corajosa em proteger a ordem jurídica e constitucional ”. O Ministro Celso de Mello pronunciou: “A Dra. Raquel Dodge, que exerceu a Chefia do Ministério Público da União com dignidade, talento e competência…,no desempenho de suas atribuições como Procuradora-Geral da República, revelou o significado que deve ter, para a vida do País e a de seus cidadãos, bem assim para a preservação da integridade do regime democrático, a prática responsável e independente das altíssimas funções institucionais do Ministério Público”.
Esses pronunciamentos enfatizaram uma grande preocupação com a democracia no Brasil. Realmente, a história da democracia no Brasil é conturbada e difícil. Vencida a Monarquia semi-autocrática e escravista, e após a fase democratizante, mas turbulenta da República da Espada de 1889-1894, a República Velha conhece relativa estabilidade. A Revolução de 30 não efetiva sua plataforma de liberalização e moralização política. A democratização de 45 sofre o impulso externo da derrota do nazismo. Internamente não enfrenta maior resistência, até porque o antigo ditador adere a ela, decreta a anistia, convoca eleições gerais, legaliza os partidos. A instabilidade é a outra marca da democracia pós-45. Após o golpe militar de 29/10/45, vêm os ensaios de ago/54, nov/55, ago./61 e outros menores. A UDN contesta as posses de Getúlio, JK e Goulart com apelos à intervenção das Forças Armadas. O golpe de 64 trunca a fase democrática ao derrubar pela força Goulart. Pela primeira vez no Brasil, as Forças Armadas não se limitam a uma intervenção pontual; assumem o poder político enquanto instituição, dando início a 2 décadas de ditadura. A ditadura militar de 64-85 é a mais longa e tenebrosa fase de privação das liberdades e direitos em um século de República. A consciência democrática surgida na resistência à ditadura introduz um elemento novo na vida política. A democratização de 85 é conduzida pelos moderados do PMDB e a dissidência do oficialismo que forma o PFL. Após a derrota da Campanha das Diretas, adota a via de vencer o regime dentro do Colégio Eleitoral que ele próprio criou. O resultado, expresso na Constituição de 88, é uma democracia mais ousada e socialmente incisiva. O impeachment de Collor põe à prova as instituições da Nova República. O sistema de governo, presidencial ou parlamentarista, vem a ser submetido a plebiscito em 21/4/93, por determinação da Carta de 88. O eleitorado reafirma o presidencialismo. Vem o país sendo bombardeado por ameaças a democracia, constantemente, o que parece justificar os pronunciamentos no STF. Já de muito fala da instabilidade política e econômica do Brasil.
Esta tendência ao enfraquecimento da democracia no Brasil tem sido tônica em todo momento, principalmente com o governo Bolsonaro. Mas, como o país, conforme a linha da história política sempre sofreu com essas turbulências de ameaças a democracia, parece que somente fica no som das trovoadas, mormente da imprensa. A obrigação das autoridades citadas acima é, mesmo de uivar pela democracia, para vigiar o tão decantado Estado Democrático de Direito.